rr.sapo.ptOpinião de Henrique Raposo - 5 jun. 07:10

O #ficaremcasa é a maior ameaça aos direitos das mulheres

O #ficaremcasa é a maior ameaça aos direitos das mulheres

Se atira as mulheres das classes pobres para o desemprego e miséria, o #ficaremcasa atira as mulheres das classes altas para a frustração profissional, para os sonhos destruídos, para as carreiras congeladas ou mesmo anuladas.

Este #ficaremcasa tão draconiano é a maior ameaça ao feminismo. E reparem que nem sequer estou a falar do problema da violência doméstica, um planeta à parte. Estou a falar da pobreza, da dependência económica, dos sonhos destruídos.

Nesta prisão domiciliária, as mulheres são as grandes sacrificadas da gestão impossível entre trabalho, trabalho doméstico e escola à distância. Quem é que, além do seu próprio trabalho, anda a fazer o trabalho doméstico? As mulheres. Quem é que perde mais tempo com os trabalhos da casa da criançada? As mulheres. Quem é que, em consequência, está a ter mais problemas de saúde mental? As mulheres. Visto que perde imenso tempo com a labuta da casa e com a tele-escravatura das crianças, quem é que está mais próximo do despedimento por incumprimento dos seus deveres laborais? As mulheres. Portanto, quem é que está mais perto de perder os meios de sobrevivência? As mulheres. Se o filho não vai para a escola, como é que a Dona Berta pode sair de casa para ir limpar escadas ou passar a ferro? Não pode; fica assim ainda mais dependente do marido. E se não tiver marido? A maioria dos “single parents” são mulheres. No Reino Unido, por exemplo, 85% dos “single parents” são mulheres. Se olharem para estes números, percebem que a pobreza da quarentena é sobretudo feminina.

Mas claro que as mulheres pobres não são as únicas afectadas. A CNN dizia há dias que alguns journals académicos estão a sentir uma queda abrupta de submissões de papers de mulheres; as submissões de homens não sofreram alterações. Este é só um exemplo de uma realidade mais vasta: se atira as mulheres das classes pobres para o desemprego e miséria, o #ficaremcasa atira as mulheres das classes altas para a frustração profissional, para os sonhos destruídos, para as carreiras congeladas ou mesmo anuladas. Ao serem forçadas a ficar em casa com os filhos por tempo indeterminado (fala-se do arrastar da escola à distância até 2021), as mulheres perderão oportunidades de carreiras, não subirão nas hierarquias, não realizarão projectos. Correm o risco de ficar irremediavelmente para trás. Ao invés, sem o empecilho dos filhos, sempre disponíveis no local de trabalho, os homens não serão tão afectados, voltarão mais depressa, subirão mais depressa na hierarquia, porque podem fazer, podem arriscar, porque podem dar tudo na empresa, por oposição à mulher, a escrava da #ficaremcasa.

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