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A barriga vazia nunca foi boa conselheira!

A barriga vazia nunca foi boa conselheira!

A vida e a história têm mostrado que a Democracia e a Liberdade não são direitos adquiridos e que se não os defendermos continuamente há sempre quem esteja à espreita para os tentar liquidar. Desde a II Grande Guerra que este é o momento mais preocu

Esta pandemia está a abanar as sociedades, acelerando uma crise que já existia e onde os sintomas de recessão eram claros, nomeadamente a nível do Estados Unidos e da União Europeia.

A crise financeira iniciada em 2008 foi um forte alerta que o sistema neoliberal imperante procurou dissimular porque colocava em causa a sua agressiva cruzada privatizadora e mercantilista.

Os países que estão hoje a sofrer maior impacto em números de infectados e de perda de vidas humanas são, no chamado mundo ocidental, aqueles que possuem maiores desigualdades económico-sociais, onde as políticas sociais e públicas sofreram maiores cortes de investimento e as acções predadoras do neoliberalismo mais destruição semearam.

Estas últimas décadas de hegemonia neoliberal têm servido para impor uma ditadura financeira nas nossas sociedades, para instaurar uma propaganda de “guerra” e para, de uma forma subtil, conduzir um processo de fascização progressiva de diversos espaços da vida social e política.

Um dos aspectos mais marcantes dessa propaganda é a criação de um contexto de alienação e de perda da consciência colectiva. Tem sido feito crer aos cidadãos que não mandam nada, que nada podem fazer contra o mercado e que até o seu voto soberano não resolve nada. Assim, quando os cidadãos se deixam submeter às leis do mercado e as reproduzem na vida do seu dia-a-dia, isso é alienação.

Perante a manifesta incapacidade dos países mais desenvolvidos em conseguirem gerir esta pandemia e as consequências que ela está a ter nas suas economias e nas vidas dos seus cidadãos, têm surgido múltiplas análises nos meios de comunicação electrónica que consideram estarmos perante os primórdios de uma nova era pós-pandemia que irá colocar, inclusive, termo ao neoliberalismo.

A propaganda ideológica neoliberal que tem socavado importantes alicerces do Estado Democrático e de Direito só poderia conduzir a prazo, como estamos dramaticamente a verificar, a lideranças políticas e governativas inimigas dos direitos sociais e humanos e a uma preocupante ascensão da extrema-direita.

Países que elegem Trumps, Bolsonaros e afins são países cujas sociedades entraram numa fase acelerada de decomposição social, política e económica.

Se há essas análises optimistas quanto a uma evolução progressista das sociedades mais desenvolvidas, importa ter bem presente que a experiência histórica mostra que a ascensão da extrema-direita se produz em situações mais duradoras de recessão económica.

As políticas de austeridade, a deterioração das políticas sociais, a maior polarização social e política, bem como o aumento do desemprego e da pobreza estão altamente correlacionadas com a ascensão da extrema-direita.

Há que lembrar o caso da ascensão ao poder do Partido Nazi alemão e de Hitler, em que depois das políticas de grandes cortes sociais entre 1930/1932 esse partido passou de 2% em 1928 para quase 45% em 1933.

Recentemente, o economista americano do Banco da Reserva Federal de Nova Iorque Kristian Blickel publicou um estudo onde demonstra a grande influência que a pandemia da gripe espanhola de 1918 teve no êxito posterior de Hitler.

Nas regiões da Alemanha onde a mortalidade tinha sido mais elevada foi onde o Partido Nazi obteve maior apoio eleitoral. Nessas zonas, logo a seguir a essa pandemia verificaram-se maiores níveis de desemprego e maiores cortes nos gastos públicos e sociais.

Em vários países europeus, nas últimas décadas, temos também verificado que nas suas regiões mais deprimidas no plano económico e social é onde a direita e a extrema-direita mais têm capitalizado eleitoralmente o descontentamento popular.

As barrigas vazias conduzem ao desespero e a dar ouvidos a supostos “salvadores". Não demoremos a meter mãos à obra. A Democracia e a Liberdade não podem ser mercantilizáveis, tal como a Dignidade Humana

Sendo previsível que a situação que estamos a atravessar com esta pandemia vai deixar mossas, ainda não é possível vislumbrar o que virá depois e em que sentido se fará a sua superação.

pante para as democracias.

As barrigas vazias conduzem ao desespero e a dar ouvidos a supostos “salvadores”. Como me disse recentemente um amigo meu de longa data, é necessário empreender espaços de reflexão cidadã que conduzam à elaboração de políticas patrióticas cujo horizonte sejam a justiça e a equidade sociais.

Não demoremos a meter mãos à obra. A Democracia e a Liberdade não podem ser mercantilizáveis, tal como a Dignidade Humana.

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