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Henrique Sereno: “Vai ser um rombo, mas o mais difícil está feito”

Henrique Sereno: “Vai ser um rombo, mas o mais difícil está feito”

Presidente da SAD do Vilafranquense acredita que, apesar da pandemia, o investidor vai manter a aposta no projecto.

Assumiu a presidência da SAD do Vilafranquese nos últimos dias de Dezembro de 2019, precisamente quando a China tentava conter um surto que evoluiu para a actual pandemia de covid-19. Nessa altura, o antigo central de clubes como V. Guimarães, FC Porto, Valladolid e Colónia estava longe de imaginar que um simples vírus pudesse contaminar todo um projecto de reabilitação do emblema ribatejano, intervencionado por um investidor brasileiro do sector da energia sediado em São Paulo.

Depois de sanear as finanças do clube e quando a aposta desportiva estava em curso, o futebol foi suspenso e a economia mundial está à beira da uma recessão sem precedentes.
Neste momento não temos ainda informação objectiva do Governo, Liga, Federação, UEFA e FIFA. Só expectativa. Mas vamos sofrer um rombo, sem dúvida. Actualmente, temos 90 por cento da dívida do clube saldada. Falta chegar a acordo com pequenos fornecedores.

A questão dos pressupostos financeiros, que levou a Liga a incluir o Vilafranquense no rol de clubes que não apresentaram a documentação necessária, resulta desta crise?
Não. Esse problema dizia respeito exclusivamente à falta de acordo com os três adjuntos de Filipe Moreira. O treinador anterior cessou funções, mas faltava ainda acertar as rescisões dos restantes elementos da equipa técnica, que já está ultrapassada e validada pela Liga. Faltavam apenas as assinaturas desses técnicos.

Como é conduzir um clube à distância, logo nos primeiros tempos de gestão?
Há duas pessoas que continuam a ir ao clube. Todos os outros, em especial treinadores e jogadores, estão em casa. Administrativamente é possível gerir com teletrabalho. Há muitas ferramentas disponíveis. Mas as responsabilidades continuam. Os encargos do clube não desapareceram. As contas de água, luz e manutenção têm que ser pagas. Os campos têm que estar em condições para podermos treinar quando nos for permitido. O relvado é fundamental. Basta uma semana sem tratamento para deitar todo o trabalho de manutenção por terra.

E há ainda as camadas jovens, que a Federação Portuguesa de Futebol já encerrou definitivamente, sem campeões nem classificações.
Foi uma boa decisão da federação. No caso dos nossos juniores acaba por ser também uma boa notícia desportivamente…

Enquanto futebolista profissional, passou por países como Espanha, Turquia, Alemanha e Índia. Como acompanha esta cavalgada do coronavírus, com alguns destes países a viverem momentos dramáticos?
Acompanho as notícias com apreensão, especialmente a dos países onde joguei e onde tenho amigos. Pelos jornais alemães, percebe-se que estão a forçar o regresso. Já houve algumas tentativas de retomar os treinos. Eu também preferia ir para o campo, mas com as restrições actuais não sei quando nem como será possível. Mesmo que tudo se resumisse a um jogo de onze contra onze, bastava haver um jogador infectado para acabar de vez com os campeonatos. O contacto é inevitável e não vejo como possam resolver este problema.

Tenho amigos um pouco por todo o mundo. Felizmente nenhum foi infectado. Mas todos conhecemos casos como os do Valência e de jogadores como o Garay. Acaba sempre por nos afectar. Na Índia, temo pelas pessoas que vivem nas ruas e que vão sofrer. Apesar do recolher obrigatório, muitas nem terão ainda a noção e informação necessária para se protegerem. Há seis anos houve um surto de Polio e o Governo conseguiu ultrapassar a crise com medidas fortes e vacinação. Tal como a China e todas as grandes potências, a Índia tem essa capacidade de responder a larga escala. É um país de grandes contrastes, onde há tudo.

O uso habitual e generalizado de máscaras nas grandes cidades poderá ajudar a minimizar o problema?
Em Deli é obrigatório usar máscara. Os níveis de poluição são elevadíssimos e as infecções respiratórias graves. Tivemos mesmo jogos adiados. Muitas pessoas morrem por causa da poluição. Mas em Calcutá e Shennai, onde vivi, não é muito diferente. Nesse aspecto pode reduzir o contágio. Com esta paragem global, o planeta está a recuperar. Infelizmente o homem tem essa capacidade de estragar tudo.

Com o foco da pandemia a deslocar-se para a América, cresce a apreensão também em torno do investidor do clube, que é brasileiro?
O maior problema do Brasil pode ser o risco assumido pelo presidente. Inglaterra está a pagar uma intervenção tardia. Uma postura que no início foi semelhante à da América e Brasil. Espero, sinceramente, que o Brasil não cometa esse erro. Percebe-se que o presidente está desesperado, pois a crise económica será devastadora e não é possível conter a epidemia sem afectar a economia. Apesar de tudo, julgo que o investidor do Vilafranquense está em condições de manter o projecto. Até porque o mais difícil já foi feito.

Mesmo que seja obrigado a redefinir a intervenção e a rever estratégias?
O plano passa por, numa primeira fase, dar prioridade às infra-estruturas, para depois apostar forte na subida de divisão. Estou a gostar desta experiência e a adaptar-me rapidamente. É uma posição muito diferente da de jogador, mas estou totalmente focado na gestão desportiva. Na gestão financeira temos pessoas muito experientes e competentes e isso permite-me olhar mais para o futebol, que é a minha área de intervenção.

Em que medida a experiência acumulada em diferentes paragens pode ajudar a definir um modelo para o Vilafranquense?
Vivi algumas realidades bem diferentes e, sem dúvida, o modelo alemão é o que mais me fascina. Toda a gente deveria segui-lo. No limite, há um ou dois clubes incumpridores. Os restantes não têm falhas. As infra-estruturas são tão avançadas que qualquer clube da terceira divisão possui melhores condições de trabalho do que muitas das nossas equipas da primeira liga. Para os alemães tudo começa nas infra-estruturas e numa dívida zero.

Depois, os orçamentos adaptam-se à realidade de cada clube. Neste momento, os grandes estão a debater formas de auxiliar os adversários em crise, através de um fundo, pois sabem que só assim podem manter o nível competitivo. O Bayern, por exemplo, tem reservas de milhões enquanto em Portugal os clubes têm os passivos que todos conhecemos. É uma mentalidade completamente diferente.

Precisamente o oposto do que “herdou”…
Ao longo da minha carreira conheci muita gente séria. Não só na Alemanha. Na Índia também. Aliás, fui abordado por alguns investidores de lá, que pretendiam desenvolver um projecto em Portugal. Quando decidi aceitar este desafio sabia que só podia fazê-lo com gente séria, idónea e credível. Não conseguiria continuar no futebol de outra forma. Por isso, quando surgiu este projecto, em que senti poder ajudar, aceitei o desafio. Neste momento, ninguém sabe o que o futuro pode reservar-nos, mas sei que continuarei empenhado em desenvolver uma estratégia de crescimento sustentado. Este clube merece-o depois de ter estado à beira do colapso, numa situação extremamente deliciada, e ter sido salvo no último segundo, pois um dia mais tarde já não seria possível travar as rescisões e a espiral destrutiva.

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