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Testar, testar, testar: esperem, testar o quê?

Testar, testar, testar: esperem, testar o quê?

Vamos lá ver o tema dos testes à covid-19 ao passo a passo: o que é que nós precisamos de saber já?

Primeira questão: saber se uma pessoa está infectada, e saber isso a uma grande escala. Para isto são hoje utilizadas técnicas de diagnóstico molecular, principalmente RT-PCR. Normalmente é feita uma colheita com uma zaragatoa nasal, depois extraído o RNA total da amostra e amplificada uma sequência específica do vírus covid-19. É uma tecnologia impressionante, que resultou de uma ciência extraordinária de biologia molecular. Agora, a resposta exacta que obtemos neste caso é se uma pessoa é ou não infecciosa: sim ou não. Na minha wish-list, quero mesmo saber se uma pessoa está infectada e não apenas se ela é infecciosa (há pessoas infectadas que já não são infecciosas).

Segunda questão: saber se uma pessoa é um provável caso grave. Se soubermos a resposta a esta questão com antecedência, podemos salvar mais vidas: antecipando o acompanhamento e tratamentos antes que o paciente tenha os seus pulmões gravemente afectados. Na realidade, já sabemos que há grupos de risco que devem ser melhor acompanhados (idosos, diabéticos, pessoas com problemas cardiovasculares… – a lista está definida pela Direcção-Geral da Saúde), mas isso é demasiado vago.

A experiência não é longa (tudo isto começou em Janeiro de 2020), mas a evidência que existe, e está publicada, aponta para uma significativa alteração dos níveis de marcadores inflamatórios e também uma significativa alteração do perfil leucocitário para os pacientes que desenvolvem uma doença de maior gravidade.

Por essa razão, formei um grupo com diversas pessoas e valências da Biosurfit, amigos, Cruz Vermelha Portuguesa e a equipa digital da Mercedes Benz para Cruz Vermelha Portuguesa implementar o que chamámos “triagem smart”. Queremos saber o quanto antes quais as pessoas com maior risco de virem a ter mais complicações da covid-19 e, se possível, antes de terem quaisquer alterações respiratórias, enviando todas as outras pessoas que estão mais estáveis para casa. Tudo isto em menos de dez minutos num processo de drive-thru. Queremos também acompanhar as pessoas ao longo da sua recuperação ou evolução da doença e assim actuar muito antes de termos situações demasiado complicadas que possam resultar em internamentos com necessidade de ventilação forçada. Acredito mesmo que esta triagem smart vai ajudar e que se vai tornar um standard global.

Depois há outros painéis mais completos que são muito necessários para melhorarmos a avaliação do risco dos pacientes. Em particular, aposto muito em soluções de diagnóstico de acompanhamento da resposta imunitária do paciente (host-response) baseadas em medidas da expressão de vários genes e conseguindo ir para lá do ruído com base em técnicas avançadas de machine learning e data processing. É complicado e parece ficção científica, mas está já a acontecer a uma escala de pré-aprovações e sei que vai ser uma enorme melhoria no diagnóstico.

A terceira questão: podemos voltar ao trabalho, por favor? Uma grande parte das pessoas infectadas é assintomática, nem sequer sabe que tem a covid-19. Muitas dessas pessoas já dariam negativo no teste actual de PCR-covid-19 porque já nem sequer são infecciosas. Mas estão em casa sem saber isso, ninguém sabe.

Se testarmos numa pessoa a presença de anticorpos (que a própria pessoa desenvolveu) para a covid-19 e der positivo, então isso quer dizer que essa pessoa afinal já está imunizada e pode voltar ao trabalho. Esses testes já existem (IgG-covid-19) e por agora a uma escala muito pequena, mas vão ser precisos a seguir e a uma escala em massa. Aposto fortemente que muitos países vão passar a requerer este teste como positivo (aqui IgG+) para que alguém possa entrar nas fronteiras. E imaginem por um minuto como vai ser diferente a realidade quando tivermos médicos e enfermeiros com IgG+ a tratar de pacientes infecciosos ou suspeitos. Se pensarem bem nisso, devem perceber quão valiosa vai ser a resposta a esta questão. Posso garantir que ter este teste vai minimizar a tendência de aumento de divórcios que se espera vir a subir após esta quarentena.

Quarta questão: conseguimos salvar as pessoas com complicações mais graves medindo um painel específico de parâmetros e ajustando assim as decisões do tratamento para a maior eficácia? É aqui que estamos mais fracos – há muitas iniciativas a acontecer que vão para lá do standard que já existia há 30 anos, mas tudo se torna mais complicado porque cada pessoa é mesmo única e um diferente… Mas estou completamente convencido de que esta ideia do on-size-fits all (tratamento igual para todos) que ainda está enraizada na medicina não faz sentido nenhum. Estou confiante que com esta crise ainda vamos conseguir avançar muito na resposta a esta questão. Mantenham-se seguros.

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