expresso.ptexpresso.pt - 30 mar. 14:39

Corona Virus vs. Contrato Social

Corona Virus vs. Contrato Social

O contrato social pode estar em perigo face à irracionalidade ou ao oportunismo que momentos de crise radical, como este, podem trazer. Mais do que a pandemia, o seu colapso seria a verdadeira tragédia.

Vivemos um momento limite em que se joga a salvação da saúde dos portugueses e a manutenção do contrato social. O vírus a circular na comunidade é um agente patogénico que não se pode tornar uma arma social letal. As sociedades democráticas assentam num ordenamento que se baseia num pacto político entre os governantes e os governados, renovado por via de eleições livres, e numa contratualização entre os vários setores da sociedade de um conjunto de deveres a que estão associados outros tantos direitos. Desde logo, o dever do pagamento de impostos como contributo para o bem comum, de forma a que o governo possa de forma responsável gerir as necessidades do país e dos cidadãos; mas também o dever de pagar os serviços prestados e os produtos criados pela economia, que assim continuará a produzir riqueza, criando emprego, sustentando e dando estabilidade ao tecido social.

O contrato social em que se baseiam as sociedades modernas também se orienta para a mutualização, para a responsabilização dos cidadãos para com as franjas mais frágeis da sociedade, e no assumir de prioridades estratégicas subsidiadas pelos nossos impostos, como sejam o acesso à saúde ou à educação. Este contrato tácito pode estar em perigo face à irracionalidade ou ao oportunismo que momentos de crise radical, como este, podem trazer. Mais do que a pandemia, o seu colapso seria a verdadeira tragédia.

Sabemos que a crise pandémica é o gatilho de outras que se seguirão, de ordem social e económica. E é agora que a sociedade civil e o governo têm de encontrar as medidas e o discurso para controlar a incerteza. O Núcleo de Estudos de Conjuntura da Universidade Católica Portuguesa estima que o impacto transversal a todo o setor da economia poderá ter um impacto estimado no PIB entre 4% e 20%. A dificuldade de calcular e medir a situação real da economia alia-se à dificuldade de prever e, portanto, de encontrar medidas robustas para mitigar o que se desconhece, permitindo relançar o que agora parece estar a aproximar-se perigosamente de um estado de latência vital.

O governo tem a responsabilidade de liderar com medidas robustas que cumpram as linhas de compromisso da volonté generale, orientadas pelos princípios constitucionais e defendendo os direitos fundamentais dos cidadãos. Mas o contrato social não é responsabilidade única do Estado, urge que a sociedade continue a assumir os seus deveres, para ter acesso aos seus direitos. Não podemos, nem queremos viver numa situação de Estado total. E também não podemos permitir a gestão da dinâmica social a partir do alarme social e do medo, manipulados por agendas políticas de engenharia social. Uma situação de emergência não pode significar a suspensão dos deveres de pagamento de impostos, compromissos financeiros, mensalidades, propinas e outros serviços contratualizados. Apoiar as famílias com necessidade, apoiar o emprego, significa para a larga maioria dos cidadãos e das empresas continuar a assumir as responsabilidades financeiras, para que os que verdadeiramente precisam, possam também ser apoiados.

Assegurar a rede social, reforçando a confiança entre as partes do contrato antecede medidas de ressuscitação económica e depende do assumir da responsabilidade individual de cada um para com a sobrevivência de um modelo social e cultural aberto, baseado na liberdade de escolha, no respeito das obrigações, na inclusividade e na verdadeira equidade. Façamos o nosso dever!

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