expresso.ptDiogo Agostinho - 30 mar. 09:36

Por nossa conta e risco

Por nossa conta e risco

Opinião de Diogo Agostinho

Nasci neste grande continente a que chamamos Europa. Em 1985, a coisa estava bem encaminhada, tanto que aderimos a 1 de Janeiro de 1986 à então CEE.

Sou europeu, cresci com a nossa entrada na “Europa”. Não conheço outra realidade. Estudámos a história desta construção europeia. Das guerras ao espírito fundador, do carvão e do aço aos tratados orçamentais.

Muita economia, sobretudo muitas finanças públicas. Muito rigor no défice e na dívida pública. Muita burocracia. Instituições e mais instituições. O início de um sonho. Uma moeda única, um mercado aberto sem barreiras à circulação de mercadorias, capitais, serviços e pessoas.

Temos de ser sinceros e claros. Portugal não estaria tão bem sem a Europa. Falo dos fundos, do rigor exigido, não só nas contas como também por exemplo a nível ambiental, e do apoio financeiro pós-2008. E caímos fundo. A crise foi brutal. E levantámo-nos pagando um preço bem elevado.

Alguém nos salvou de uma crise brutal e mudou o sentido da curva.

A curva agora era outra, agora a trajectória era ascendente de melhoria das condições de vida, que se agravaram durante a crise e ajustamento subsequente. Mas tudo mudou. Este vírus coloca tudo em causa. Tudo fica virado do avesso, os impactos são muitos e graves.

Todavia, este vírus não tem fronteiras. E este vírus está a demonstrar, dia após dia, que afinal o sonho europeu não passava de um modelo feito de folhas de Excel. A régua e esquadro. Mas o que estamos a viver não é feito de Matemática ou de Estatística e Econometria, mesmo que nos ajudem a perceber e calcular. É feito de vida e de pessoas.

Sim, estamos por nossa conta. Vemos uma Europa egoísta e sem rumo. Vemos cada país a encomendar os seus ventiladores e máscaras, a fechar as suas fronteiras e a olhar para Itália e Espanha com desdém, deixados à sua própria sorte. Esta Europa, assim, não serve, nem terá, a manter-se este desacordo, grande futuro.

Tanta instituição, tanta Comissão Europeia e Conselho Europeu, tanta burocracia e eurocrata para chegarmos à conclusão de que a partilha de informação, de meios e de esforços é a única forma de nos salvarmos?

Estamos em casa. Não há economia que se aguente, quando a paragem é com todos os travões ligados. Nem aqui, nem na Holanda ou onde quer que seja.

É preciso pagar salários. É preciso ajudar a aguentar empresas, sobretudo as PMEs mais vulneráveis ao profundo abrandamento económico, que enfrentamos. Não é tempo para esmolas e créditos curtos. E a Banca deve ser mais solidária, como bem disse Filipe de Botton. É uma obrigação depois dos cheques dos contribuintes sempre disponíveis lá atrás.

Estamos por nossa conta. É triste, mas é a verdade. Tivemos excedente orçamental? Ainda bem, agora, com a casa a arder, não é tempo de estar a fazer contas. É tempo de apoiar a sério as empresas. O sistema da Dinamarca deve ser ponderado. As empresas não aguentam dois a três meses fechadas. Não há hipótese. Não há músculo financeiro para gastar e gastar, sem que exista receita a entrar. Não pode existir ruptura de tesouraria das empresas. Isso é dramático para o nosso futuro.

Tenho lido os ataques aos privados, mas é bom que se diga que as empresas estão fechadas por imposição do Estado. E bem. Por uma questão de saúde pública. Isso muda tudo. Isto não é o mercado a funcionar.

Isto é outra realidade.

Ainda agora o Presidente da República aprovou um documento obsoleto. O Orçamento de Estado, que só foi entregue agora porque existiram eleições em Outubro, já não serve. E devemos assumir e corrigir.

Os 5% de queda do PIB que o Banco de Portugal estima são números que tornam os cenários macroeconómicos, feitos antes da pandemia, obsoletos.

O pós-Covid-19 é imprevisível. É incerto, o risco é alto. Mas não podemos olhar para o futuro sem pensar que vamos precisar de mudar de hábitos. Vamos mudar. De higiene, sobretudo. Mas não podemos deixar de tentar fazer a economia funcionar. Não podemos ficar fechados e com receio. Vamos ter novas formas de nos relacionarmos, é certo. Estamos a testar o teletrabalho forçado. Isso vai mudar a nossa sociedade. Mas não podemos baixar os braços. Se não investirmos, se não fizermos compras a economia não volta a rolar, logo as empresas não recebem, não podendo depois pagar. E esse sentimento de confiança e esperança no futuro é crucial. Fukuyama escreveu um excelente ensaio sobre a confiança ser crucial para qualquer economia. A nossa economia só existirá no pós-Covid-19 se existir confiança e se tudo fizermos para todos os membros da nossa comunidade nacional sobreviverem até lá. Estamos mesmo por nossa conta, mas confiemos no futuro.

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