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Ninguém se salva sozinho

Ninguém se salva sozinho

É exatamente o multilateralismo consertado do Ocidente que mais falta faz ao mundo, mas é ao nacionalismo desmesurado e ao populismo que a União Europeia abre as portas com esta divisão.

Enquanto a crise sanitária humana e económica um pouco por todo o lado nos entra de forma crua e dura pelos olhos e ouvidos adentro, todas as outras aí estão escancaradas à espera para deixar o mundo cada vez mais pandemónico e sem sentido. Das consequências da ganância de ontem aos dias de hoje, até a crença de muitos nos amanhãs que cantam parece ter desvanecido. Nada será como dantes e parece que tudo ficará para pior.

Um vírus expõe outro e tudo se contamina.

Dos que mais custa é sem dúvida o da União Europeia. No momento da verdade, parece que falha como nunca. A crise de 2009 não foi assim há tanto tempo e os arautos do neoliberalismo que a tanto condenou tantos aí estão a sugerir o mesmo nada de ontem para destruir de vez o projeto democrático mais interessante e evolutivo que os homens já criaram. Mas talvez não tenha de ser tudo assim e desta crise possa surgir algo verdadeiramente melhor e de acordo com a nossa condição humana e solidária. A mesma que foi a base da criação e desenvolvimento da União de outros tempos e que a velha e mais exposta do que nunca divisão entre norte e sul desmerece. Em grande parte, por culpa dos primeiros, diga-se.

A Alemanha é uma peça essencial e, a manter-se assim, António Costa, Macron, Conte e Sánchez bem que podem começar a pensar na criação de uma outra união de países do sul. Porventura mais pobre, mas mais solidária na sua génese e reforçada politicamente. Certamente que será a única forma de manter acesa a chama do multilateralismo, porque a morte de uma é a machadada final na procura de políticas e convergências comuns.

Atendendo à génese desta pandemia e a muitas respostas que temos assistido por esse mundo fora, escancara-se uma conclusão de base que deveria contradizer esse desfecho: é exatamente o multilateralismo consertado do Ocidente que mais falta faz ao mundo, mas é ao nacionalismo desmesurado e ao populismo que a União Europeia abre as portas com esta divisão.

Nas últimas semanas, pouco se correspondeu ao momento maior de emergência, sem que se entendesse a chamada de mudança que se impunha. Um momento que não distingue ninguém por igual. Dirão os cínicos que era difícil esperar mais de alguns dos governos a 27 que nunca entenderam que da melhor ação comercial e económica dependia uma afirmação política conjunta. É verdade. Mas seria expetável que essa débâcle fosse vista de forma diferente num momento como este.

O Papa Francisco dizia anteontem à tarde, naquela que também representou uma das imagens mais bonitas dos últimos tempos, que estávamos todos no mesmo barco e que ninguém se salvava sozinho. No chão da praça de São Pedro pareceu-me ver a bandeira da União Europeia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico         

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