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A Ti, Senhor

A Ti, Senhor

O ser humano tornou-se a medida de todas as coisas. E Tu, conhecedor da Tua criação, deves ter esboçado um esgar de sorriso por saberes que a ciência e a Tua existência não são incompatíveis.

Anunciaram a tua morte, pensaram que deixaras de ter um papel na vida dos seres que criaste porque eles se autonomizaram de Ti, libertaram-se da muleta supersticiosa. Até conseguiram descobrir como e quando surgiu o planeta que habitamos, uma coisa a que chamaram “big bang”, embora ninguém saiba o que há antes disso. Supostamente, seria o Nada.

E do Nada se fez Tudo. Muito pelo contrário, sempre foste a favor do seu desenvolvimento; caso contrário, não nos terias dado a inteligência e a sensibilidade. É certo que várias interpretações de sucessivas religiões defenderam o contrário. Mas Tu nunca disseste que só tens uma forma de Te revelares e, ao invés, sempre demonstraste, na Tua vida terrena, que várias são as maneiras para conhecer o Teu rosto, mesmo um contacto directo Contigo, sem intermediação de uma qualquer religião.

Esqueceram-se estes Teus seres que há coisas que a suposta omnipotência humana não pode controlar. A Natureza, Tua criação maravilhosa, tem os seus insondáveis segredos. E fomos subestimando a sua importância. O vírus que agora habita no meio de nós é um grito da Natureza contra a exploração desenfreada dos seus recursos. Não se trata de qualquer castigo divino. Acaso algum Pai deseja a morte dos Seus filhos? E virão aí – já aí estão – teses catastrofistas e mortificações colectivas. Nada disso, diz o Senhor. A pandemia terá as origens que os cientistas descobrirem, mas, sobretudo, é um momento de descoberta de e para os Teus filhos.

Não adianta revoltarmo-nos contra Ti quando morrem crianças ou idosos; na verdade, pessoas de todas as idades, raças, credos, orientações, à mão deste agente viral. Insondáveis foram sempre os Teus caminhos, mas a única certeza que temos é que estes obstáculos que nos colocas são para os ultrapassarmos e aprendermos com eles.

Ficarmos mais fortes. Tu não queres – ao invés do que muitos defenderam e ainda defendes – seres estúpidos e alienados por Ti: preferes seres pensantes e críticos que, ante as evidências da vida, reconheçam, num profundo acto de humildade, que nunca saberemos tudo, que há coisas que escapam ao nosso controlo. E que vieste sobretudo por quem não acredita em Ti. Não através de proselitismos bacocos – que também os há –, mas pelo exemplo daqueles que dizem acreditar em Ti. Dos Teus fiéis exiges a cultura do exemplo, bem sabendo que as nossas limitações e fragilidades são inúmeras. E mesmo assim continuas a crer em nós. Não somos só nós que recorremos a Ti, mas também tu, o Omnipotente, não podes existir sem as Tuas criaturas.

Do mesmo modo que um dos Teus representantes, o Papa Francisco, nos deu, por estes dias, uma imagem que marcará gerações. Sozinho numa praça de São Pedro cheia do Teu espírito, rezou por toda a Humanidade, implorando-Te que nos colocasses sob o Teu manto protector. Disse o que já todos sabemos: que esta casa comum é um barco único onde nos salvamos ou podemos morrer todos. E ao proclamá-lo da colunata que abraça Roma e o mundo, lançou um importante repto a todos e, em especial, à União Europeia: os egoísmos nacionais conduzirão ao fim do sonho de uma Europa unida, mais fraterna e espaço de liberdade e fraternidade.

Ao inclinar-se perante Ti, na Cruz que voluntariamente tomaste, não era a crença de que esse instrumento salvara a população de pestes anteriores (é apenas um objecto), mas sim a certeza de que o sacrifício supremo que fizeste por nós é uma ínfima parte daquele que nos é agora pedido. Foi um homem que parece ter envelhecido anos nos últimos tempos que se inclinou perante Ti e a tua Mãe, lembrando-nos que os que mais caem agora são os que na primeira linha pedem por todos os seus semelhantes. Simples, sem aparato, como Tu gostas, porque simples foi sempre a Tua mensagem e o caminho que nos ofereces.

Divino Pai do Céu:

Concede-nos a graça de encontrar em Ti o conforto para estes dias atribulados.

Lembra-Te da nossa infinita fragilidade e dá a força a todos quantos estão na linha da frente deste combate. Dá-lhes a energia infindável do Teu amor.

Recorda-Te de todos quantos passam e passarão provações económicas: que a Tua bondade se infunda no coração de todos nós, de modo que compreendamos que só em comunidade podemos construir um mundo de que nos orgulhemos. Olha pelos Teus filhos mais desamparados e não permitas que as diferenças que a vida terrena vai criando sejam causa de morte.

Guia os passos de todos quantos têm responsabilidade na condução dos governos dos Povos. Concede-lhes a graça da sabedoria, da bondade e da fraternidade, de modo que nunca esqueçam que uma sociedade decente é aquela que não deixa ninguém para trás.

A todos lembra, Senhor, que o caminho que propões é o Amor verdadeiro, que não impões nada, mas gostarias que todos Te concedessem a graça de Te conhecerem.

Permite-nos, Senhor, que, por intercessão da Virgem Santa Maria, Senhora de Fátima, Te imploremos que cubras com o Teu divino manto, em especial, este Teu povo português, para que em Ti encontre consolo e coragem na dor.

Ámen.

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