blitz.ptblitz.pt - 24 fev. 02:31

Patrick Watson no Coliseu de Lisboa: um cientista louco ao serviço do sonho

Patrick Watson no Coliseu de Lisboa: um cientista louco ao serviço do sonho

No regresso ao país que tão bem o tem acolhido, Patrick Watson cantou com a sua heroína, Teresa Salgueiro, subiu ao camarote presidencial e ainda aceitou pedidos do público. Tudo numa noite de primavera antecipada

A inspiração chega a Patrick Watson nos momentos mais diversos. Conforme o próprio contou ontem, no acolhedor palco do Coliseu de Lisboa, 'Strange Rain' foi escrita a meio da noite, depois de se deitar com "o cérebro avariado" e acordar com o mesmo "arranjado"; "Drive" reporta-se a uma viagem a altas horas por estradas pouco recomendáveis, no sul dos Estados Unidos, e 'Here Comes the River', uma das novas favoritas dos fãs, nasceu de uma dica de Kenzo, o vietnamita que corta cabelo enquanto dá cogumelos mágicos aos clientes. Todas estas histórias são contadas com um humor peculiar e uma gargalhada ora nervosa, ora sinistra, que a alguns espectadores lembrou a já mítica risada do Joker de Joaquin Phoenix. Em palco, com o cabelo revolto de quem acordou de sonhos intranquilos, Patrick Watson é uma espécie de cientista louco em busca da melodia perfeita. Geralmente ao piano, e liderando com discrição um ensemble onde se destacam duas belíssimas cantoras, o canadiano ofereceu à plateia bem composta do Coliseu dos Recreios um concerto generoso, marcado pela espontaneidade e por algumas surpresas saborosas, como a participação não anunciada de Teresa Salgueiro.

Tudo começou pelas 22h20, com todos os músicos em linha, uma disposição que ajudou a anular protagonismos e favoreceu algum improviso, mormente em canções que começavam por apresentar-se em pezinhos de lã, antes de suaves descolagens rock ou mesmo pequenas explosões elétricas.

No centro de tudo está o songwriting - onírico, escapista, não raras vezes negro - de Patrick Watson, que para o embrulho das canções ora escolhe o psicadelismo, ora um pós-rock muito tingido pelo sépia da melancolia. Colocando o seu falsete ao serviço desta máquina de sonhos, o rapaz do Quebeque faz música quase sempre umbilical (não por acaso, antes do concerto ouviu-se Radiohead de colheita recente); por vezes envereda por uma eletrónica incipiente, outras conduz canções sussurrantes por ruelas de um inesperado colorido latino. Mas tenta sempre que a sua música seja uma casa, ainda que do alinhamento desta noite tenha ficado de fora 'To Build a Home', o seu êxito com a Cinematic Orchestra.

Num palco bonito, com luzes quentes e rodopiantes, a noite começou ao som de canções do novo "Wave": além do tema-título, 'Dream For Dreaming' e 'Strange Rain' fizeram as honras da casa, antes de a banda se juntar na frente do palco, praticamente só com as guitarras acústicas, para tocar 'Melody Noir', canção de lugar especial no coração de Patrick Watson, que a escreveu em homenagem a 'Tonada de la Luna Llena', do venezuelano Símon Díaz (1928-2014). "É uma canção de amor sobre os vossos piores hábitos, não a peçam em casamentos", alertou, antes de um daqueles momentos habitualmente reservados para o final, comunitário e festivo, de um concerto bem sucedido. Mas o concerto começara há pouco e já Patrick Watson manifestava vontade de cantar mais perto do público, puxando o microfone nessa direção para a doçura absoluta de 'Slip Into Your Skin'.

A temperatura manteve-se cálida com 'Broken' e 'Hearts', ambas crescendo com segurança em lume brando, até que o nosso anfitrião anunciou a grande surpresa da noite: depois de anos a admirar a voz de Teresa Salgueiro, que conheceu através da banda-sonora de "Lisbon Story", de Wim Wenders, a antiga cantora dos Madredeus aceitou juntar-se-lhe em palco, para um delicado dueto em 'Wooden Hands', da autoria do quebequiano. "Estou deslumbrado", desabafou ele, ao ver a portuguesa subir ao palco. "Isto é uma surpresa. Muito obrigada", ripostou ela. No final, um abraço apertado selou a beleza deste encontro, numa canção de sonhador negrume, algures entre Tom Waits e Tim Burton.

Até ao primeiro adeus, a evasão nublada de 'Drive' e 'Here Comes the River' - primeiro com Patrick Watson sozinho no piano, depois com todos os outros instrumentos acordando com um sorriso leve, como naquelas manhãs em que tudo parece um pouco menos grave do que na noite anterior - deixaram o público com vontade de mais.

No encore, a trupe de Montreal tomou conta do acanhado camarote presidencial, conduzindo mais um momento acústico (guitarras sem amplificação, vozes e assobios fizeram a festa): 'Big Bird', conduzida pelo maestro Watson e cantada com acerto pela plateia, mereceu aplausos calorosos, mas não foi o último sinal de generosidade do rapaz de "Close to Paradise" que, de volta ao palco 'grande', colocou a votação três clássicos da sua lavra: 'Lighthouse', 'Great Escape' e 'To Build a Home'. Ganharam, no seu entender, as duas primeiras, que tocou ao piano, sozinho, e no caso de 'Lighthouse' com as luzes completamente apagadas, como se esta já fosse uma canção que dispensasse o autor. Na plateia, acenderam-se isqueiros dos verdadeiros. E no caminho para casa, embalados pelo afago da primavera antecipada, todos levaram um cafuné no coração.

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