www.jornaldenegocios.ptAntónio Moita - 23 fev. 18:41

Já não precisamos de comadres para saber as verdades

Já não precisamos de comadres para saber as verdades

Acabar com a liberdade de expressão? Prender mais políticos, mais juízes ou mais empresários? Endurecer as penas ou legislar para tentar cobrir tudo o que a imaginação nos acabará por revelar? Sinceramente não creio que seja por aí. - Opinião , Jornal de Negócios.

Durante muito tempo tínhamos de esperar por uma desavença entre comadres para conhecer factos que de outra forma ficariam guardados para sempre. Hoje é bem diferente. Temos uma comunicação social a farejar tudo e mais alguma coisa, temos mentes brilhantes a violar por via eletrónica tudo aquilo que é correspondência seja ela privada ou profissional, temos funcionários públicos a destruir, por ação ou por “descuido”, o tão falado segredo de justiça e temos também, porque não dizê-lo, todos aqueles que mesmo sem a figura da delação premiada contribuem de forma ativa para o esclarecimento da verdade desde que isso ajude a diminuir a sua responsabilidade.

Todos os dias e a todas as horas vamos conhecendo situações que antes eram atiradas para debaixo de um qualquer tapete. Hoje são apresentadas, muitas vezes sem filtro, são comentadas, discutidas e dissecadas até à exaustão. Têm normalmente um traço comum. Fazer-nos perceber a fragilidade das instituições que nos deviam surgir e proteger. Consequência imediata é pormos em causa essas mesmas instituições, seja o governo, seja o Parlamento, sejam os tribunais. De um momento para o outro vemo-nos virados contra o “sistema” sem perceber que o problema está nos seus agentes.

O problema não está na existência de um governo, de um Parlamento ou de um tribunal. Está apenas naqueles que em cada momento desempenham funções nesses órgãos de soberania. E é principalmente aqui que as fragilidades existem. A corrupção, o compadrio, a incompetência, o facilitismo, a irresponsabilidade, o amiguismo, são resultado da opacidade da nossa administração, da falta de exigência dos cidadãos especialmente em tempos de aparente prosperidade e de interesses económicos lícitos e ilícitos que de forma profissional condicionam por diversas vias o exercício dos poderes públicos. Histórias pouco edificantes que têm como intérpretes governantes, juízes, funcionários públicos ou empresários constituem o dia a dia da nossa vida atual, sempre trazidos e amplificados pela comunicação social. Perante isto o que fazer? Acabar com a liberdade de expressão? Prender mais políticos, mais juízes ou mais empresários? Endurecer as penas ou legislar para tentar cobrir tudo o que a imaginação nos acabará por revelar? Sinceramente não creio que seja por aí.

As soluções mais eficazes são normalmente as mais simples. Tenho a noção de que são também as mais difíceis de encontrar. A nossa democracia devia ter, como nas escolas primárias, um quadro de honra. Destacar os bons exemplos e as boas práticas e premiá-las generosamente. Simplificar todos os procedimentos, ainda que correndo alguns riscos, desburocratizando a administração e não permitindo a subjetividade, a arbitrariedade e a discricionariedade da decisão do funcionário. Tornar absolutamente transparente e público todo o processo decisório. Assumir a regra do deferimento tácito na ausência de decisões em tempo útil. Gostava de ter orgulho no meu país não apenas pelos feitos dos nossos heróis do passado ou do presente, mas também pelos cidadãos exemplares que nos governam ou que contribuem diariamente para tornar melhor a vida das nossas comunidades. Mas para isso preciso de os conhecer, de saber quem são os bons, os indiferentes e os maus. Enaltecendo e fazendo aumentar a relevância dos primeiros, formando, estimulando e corrigindo pelo exemplo a mentalidade dos segundos e expurgando a nefasta existência dos terceiros. Acredito que a esmagadora maioria dos governantes, dos juízes, dos funcionários ou dos empresários são competentes e honestos. Mas para que todos acreditem nisto e para que a confiança de cada um possa voltar a existir, é imperioso separar o trigo do joio. Vai doer a alguns. Mas antes a alguns do que a toda uma comunidade.

As soluções mais eficazes são normalmente as mais simples. Tenho a noção de que são também as mais difíceis de encontrar.
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