sol.sapo.ptsol.sapo.pt - 28 jan. 09:20

Nos 70 anos da morte de Albert Camus

Nos 70 anos da morte de Albert Camus

Camus pagou pela liberdade de pensamento, pela liberdade do «homem revoltado». Por não ter traído a consciência.

Para a Filipa,

Num número recente da revista Marianne, Natacha Polony lembrava os 70 anos da morte de Albert

O império soviético oferecera então aos que de má-fé serviram a sua mentira medonha a oportunidade para saciarem o apetite de poder, impondo – na França, e por ela na Europa e a nós – a tirania do pensamento totalitário, de que ainda sofremos os estertores. 

Depois dos anos 1990, com a queda do império soviético, Camus começou a recuperar o estatuto que os zeladores de Sartre lhe haviam roubado. Mais ainda: tornou-se hoje referência desejada para um espetro intelectual de grande extensão, reivindicado ora como liberal, ora como social-democrata, de acordo com os interesses políticos e as conveniências ideológicas.

E, todavia, a grande singularidade de Albert Camus está na impossibilidade de poder ser usado por qualquer cruzada política. 

A procura da verdade que o obcecava não deve, no entanto, como ele próprio escreveu, «impedir de fazer escolhas», de assumir posições. Num texto de reflexão sobre o «jornalismo crítico», publicado no jornal Combat, lamenta que se queira «informar depressa, em vez de informar bem» e defende o «comentário crítico político e moral sobre a atualidade» como uma das dimensões essenciais dum jornalismo que, para ele, deveria ser um exercício de humildade e de dúvida.

A enorme força dos textos de Camus não reside nas suas supostas escolhas políticas, que não é possível saber onde o teriam conduzido. O que Sartre lhe odiava – e valeu a Camus estigmas e insultos – foi a desconfiança relativamente a todos os dogmas e à ilusão fácil dos radicalismos, a repugnância pela ambição do poder daqueles que juravam combater todos os poderes, a recusa obstinada do pensamento totalitário e totalizante. 

Em vez de dissertar sobre Camus – e volto ao texto de Natacha Polony – o que devemos fazer é tentar assumir o papel que assumiu, agir como ele, «impedir que o mundo se desmorone». É esse o grande desafio que se impõe aos intelectuais e – acrescento eu – aos comentadores e jornalistas.

Através do amor proclamado pelo sol mediterrânico, pelo brilho do mar, como também Portugal tem a bênção de ter, Camus recusa e teme as verdades absolutas, preferindo as «verdades singelas», os «bens simples mas essenciais». 

Porque entre a satisfação daqueles que conseguem sempre justificar  a injustiça e as certezas  morais por aquilo  que  são puras abstrações, é o amor dos seres humanos, nas suas fraquezas e humanas aspirações, que  nos pode evitar ficar um dia do lado dos opressores.

Ao preço do crime e sofrimento dos ‘amanhãs que cantam’, cabe-nos preferir a felicidade real, o bem concreto, aqui e agora.

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