expresso.ptDuarte Marques - 28 jan. 08:36

Obrigado, Conselho da Europa!

Obrigado, Conselho da Europa!

Opinião de Duarte Marques

Há datas que se encontram por mero acaso e no dia em que recordamos a libertação do campo de concentração de Auschwitz, termino também a minha participação no Conselho da Europa (COE), a mais antiga (1949) e a principal organização de defesa dos Direitos Humanos no continente europeu. Foi graças ao Conselho da Europa que surgiu a Carta Europeia dos Direitos Humanos que tem como objetivo proteger os direitos humanos, o Estado de direito e a democracia. O Tribunal dos Direitos do Homem também foi criado pelo Conselho e mantém-se ainda hoje como uma das faces mais visíveis desta organização.

A Assembleia Parlamentar é composta por deputados dos Parlamentos nacionais dos 47 países que são membros de pleno direito e eu tive o privilégio de representar Portugal ao longo dos últimos quase 5 anos. Muitas vezes confundido com o Conselho da UE, o Conselho da Europa integra, além dos países da UE, a Rússia, a Turquia, a Ucrânia ou a Arménia, e como observadores como o Canadá, Israel e o México ou parceiros como a Jordânia, a Palestina e Marrocos. É nesta organização que se fazem pontes, que se fazem os mais importantes relatórios sobre direitos humanos, sobre respeito pela democracia ou sobre os direitos das minorias.

Dos cargos que já desempenhei ao longo destes anos de vida política, este foi sem dúvida dos mais gratificantes, não só pela responsabilidade e legado dos que me antecederam, mas sobretudo pelas causas que me permitiu abraçar. Acompanhei vários assuntos, mas foi sobretudo na Comissão dos Refugiados, Migrações e Pessoas Deslocadas que me empenhei numa fase em que a Europa atravessava um enorme desafio a esse respeito. Por outro lado, as questões políticas e estratégicas, a segurança e o respeito pelo Estado de Direito, o fortalecimento da democracia e das instituições e o combate à corrupção, motivaram as mais diversas intervenções em plenário.

Foi em nome do Conselho da Europa que fiscalizei o Referendo Constitucional na Turquia e que terminou com um relatório duríssimo para o regime turco, em condições de trabalho difíceis e com todos os riscos daí inerentes. Recordo com graça que só saí “vivo” dos diversos postos de votação graças ao prestígio que o futebolista Ricardo Quaresma goza neste país. A força e credibilidade desta missão teve impacto em todo o mundo, sendo o Relatório de Observação o mais citado e referenciado desse episódio triste, mas que reforçou o prestígio do Conselho da Europa e, de alguma forma, travou os piores intentos do Presidente turco.

Em plena crise dos refugiados recebi a confiança dos meus pares para preparar o Relatório sobre a reforma da política de refugiados ao nível europeu numa perspetiva mais humanista do problema. Foram quase dois anos de trabalho, com visitas aos principais campos de refugiados na Grécia, Jordânia, Turquia e Hungria, reuniões com ONG´s, Europol, Agências das Nações Unidas, académicos, entre tantos outros. O resultado foi uma abordagem realista e humanista, sem demagogias ou falsos estigmas ou a procurar o politicamente correto. Apesar de desagradar inicialmente à extrema direita e à extrema esquerda acabou por ser aprovado por unanimidade pela Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O resultado está aqui.

A visibilidade desta responsabilidade permitiu agir na defesa de condições dignas para os refugiados e acesso aos campos de alta segurança por parte de organizações internacionais que o Governo húngaro queria impedir e manter inacessíveis. Após esta posição, o Governo húngaro acabou por recuar e as condições de acesso melhoraram.

Entretanto, em setembro de 2018, fui eleito pelos meus pares para liderar a Comissão das Diásporas do Conselho da Europa (era então o único português a presidir a uma Comissão do CoE) e simultaneamente para Coordenar o Diáspora Network, cuja primeira reunião fundacional ocorreu precisamente em Portugal, e que é uma plataforma que junta centenas de ONG´s representativas das diásporas com deputados e Governos dos Estados-membros. Além do habitual objetivo de melhorar a integração nos países de acolhimento, esta Plataforma tem como principal foco melhorar a ajuda das diásporas aos seus países de origem. É também o Diáspora Network que atribui o Prémio das Diásporas do Conselho da Europa.

As últimas “missões” que gostava de destacar foram a defesa dos “euro descendentes” que vivem na Venezuela, sejam eles de origem de origem espanhola, portuguesa ou holandesa, eram também verdadeiros refugiados europeus que saíam da Venezuela para os países vizinhos e que a Europa deveria ajudar. Felizmente o Conselho da Europa esteve ao nosso lado numa Declaração Escrita e a UE empenhou-se na condenação do regime de Maduro. Infelizmente não fizeram muito mais do que isso. Neste capítulo gostava também de destacar a defesa que fizemos de jovens como o português Miguel Duarte que integraram a tripulações navios de ONG´s que salvaram milhares de pessoas no mar Mediterrâneo. Através de uma Declaração Escrita colocámos todos os partidos políticos do Conselho da Europa de mãos dadas da defesa destes jovens que a justiça italiana decidiu acusar. Espero que esta declaração lhes seja útil em Tribunal.

Não interpretem este texto como vaidade ou promoção, mas sobretudo com um prestar de contas de um representante eleito do povo português a quem não foi dada a oportunidade de o fazer no momento da saída. Faço-o também por uma questão de transparência e pelo enorme respeito que tenho, cada vez mais, por uma tão nobre instituição política de defesa dos direitos humanos como é o Conselho da Europa.

Uma palavra final para os meus colegas que integraram a equipa portuguesa do Conselho da Europa nos últimos anos onde, apesar de partidos diferentes soubemos sempre defender Portugal e os valores dos direitos humanos. A política não é só confronto e se estava habituado a trabalhar bem com os meus magníficos colegas do PSD, foi também uma boa oportunidade para trabalhar e aprender com pessoas como a Helena Roseta, a Ana Catarina Mendes, o Alberto Martins, a Edite Estrela ou o Paulo Pisco do PS, o António Filipe do PCP e o Telmo Correia do CDS. Uma palavra também para os portugueses que trabalham no Conselho da Europa, para o nosso pessoal diplomático liderado pelo Embaixador João Maria Cabral e obviamente para aquela que em nome da Assembleia da República é sempre a primeira voz do Parlamento português no Conselho da Europa, a Ana Guapo.

Obrigado a todos os que abraçaram as causas do Conselho da Europa e ao longo de décadas têm ajudado a tornar o nosso mundo um pouco mais justo.

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