www.publico.ptpublico.pt - 28 jan. 10:06

“O jornalismo de moda e beleza é absolutamente relevante”

“O jornalismo de moda e beleza é absolutamente relevante”

Maria Ahlgren é jornalista de lifestyle com mais de dez anos de experiência. Escreveu um livro de receitas diferente. Chama-se Beauty Food e não exige dietas mas introdução de alimentos que promovem a beleza.

Foi editora de beleza da maior revista de lifestyle sueca, hoje é jornalista freelancer, deste modo pode ser isenta e escrever (ou não) sobre as grandes marcas, justifica. Decidiu escrever um livro de receitas cujos alimentos ajudam a ter a pele e o cabelo mais saudável. Maria Ahlgren diz que é a prova de que o que se come e bebe contribui para ter um “brilho natural”, em adolescente usava aparelho, óculos fundo de garrafa, teve acne e eczema, conta por e-mail ao PÚBLICO. Mas, entretanto, o patinho feio transformou-se num cisne. “Tenho pouco mais de 35 anos e ainda me pedem a identificação quando compro álcool numa loja de conveniência”, gaba-se no livro Beauty Food, publicado pela Arte Plural Edições, porque mantém um aspecto jovem. 

Além das receitas, Maria Ahlgren ajuda o leitor a entrar no mundo das “palavras difíceis” que se usam quando se fala de cuidados de pele, das vitaminas ao ácido hialurónico, do retinol aos péptidos e aos sulfatos. A especialista — que lamenta que o jornalismo de moda e beleza não seja levado a sério, quando reflecte indústrias que movimentam milhões de euros e que mexem directamente com a saúde e o bem-estar dos consumidores —, explica ainda quais são os sabotadores da beleza, como o sol, o açúcar, o tabaco, entre outros, e “como dar-lhes a volta”. A autora explica ainda a biologia da pele e antevê que a próxima tendência é o biohacking, a capacidade de intervir na nossa própria biologia e optimizar a nossa saúde, por dentro e por fora. Na prática, isso envolve fazer mudanças no nosso estilo de vida, recorrendo também à tecnologia.

Como descobriu o jornalismo de lifestyle?
Formei-me em Jornalismo na London College of Communication em 2003 e, então, não tinha qualquer intenção de entrar no mundo da beleza porque não era considerado jornalismo “sério”. Queria escrever em revistas de grande circulação sobre temas de cultura, por exemplo. Nessa altura, a moda e a beleza eram temas considerados “fofos”, os temas de interesse feminino tinham um status muito baixo. Eu adorava moda e beleza, mas nunca pensei nessas áreas em termos jornalísticos. Estávamos no início dos anos 2000, então os tempos eram muito diferentes. Contudo, aos 23 anos, tornei-me editora numa revista juvenil, direccionada para adolescentes. Editei-a durante três anos e, nesse período, questionei-me por que é que as áreas consideradas “femininas” tinham um status inferior quando comparadas com as ditas “masculinas”. Nunca ninguém põe em causa as revistas de barcos, de carros ou de caça, dirigidas a homens de meia-idade, mas assuntos como os cuidados com a pele, maquilhagem, imagem corporal ou moda são considerados tolos, fúteis e sem substância.

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Quando diz que é jornalista e que escreve sobre moda e beleza, levam-na a sério? 
Há dez ou 15 anos, o tema não era considerado como verdadeiro jornalismo. Hoje, o jornalismo de moda e beleza é absolutamente relevante e considerado um assunto sério. Moda, beleza e cuidados com a pele são uma indústria global de milhares de milhões de dólares e este tipo de jornalismo é mais relevante do que nunca, inclusive para informar as pessoas sobre como fazer escolhas sustentáveis ou como gastar o seu dinheiro, sabiamente, em produtos que realmente funcionam. Além da beleza e nutrição da pele, a química na área da beleza é a minha principal área de interesse. Eu sou uma nerd quando se trata de escrever sobre as moléculas da nossa pele. Por exemplo, penso que a próxima grande tendência na área da beleza é o biohacking, ou seja, podermos mexer na nossa biologia, mudar ou reverter o destino de nossa pele através de ingredientes nutricionais e de cuidados com a pele, e isso é muito emocionante.

Mas é verdade que, no início dos anos 2000, às vezes perguntavam-me se eu não queria fazer jornalismo “sério”. Pergunto-me se essas mesmas pessoas também fariam essa pergunta a um homem de meia-idade que escrevesse sobre tecnologia, por exemplo.

Já gostava desses temas de beleza antes de editar a revista?
Sempre fui fascinada sobre como a moda e a beleza espelham o tempo em que vivemos, mas também como podemos usá-las como ferramentas para nos expressarmos. Na adolescência, nunca me encaixei na imagem ideal da miúda escandinava — alta, loura e de beleza clássica —, então insubordinava-me e experimentava formas e cores. Olhava para o meu rosto e para o meu cabelo como telas nas quais me podia divertir. Lutei com o acne e eczema e isso levou-me a investigar o mundo dos cuidados com a pele.

Na altura, o meu pai vivia em Hong Kong, trabalhava na área de saúde e os seus amigos, médicos chineses, davam-me conselhos sobre como resolver os meus problemas de pele. Por exemplo, beber chá verde, usar ervas como suplementos ou evitar certos ingredientes cosméticos. Isso tornou-me mais atenta. Quando tive a oportunidade de editar a revista para adolescentes, sabia que queria que aquela fosse um espaço onde as raparigas se inspirassem, mas também onde lessem conselhos práticos sobre como lidar com as borbulhas e outras preocupações. Eu queria fazer um jornalismo bom, honesto e respeitar os leitores — as adolescentes precisam de respeito, caramba! Os seus interesses são tão válidos quanto os interesses dos rapazes ou dos homens. Embora alguns desses interesses sejam construídos por certas indústrias, mas essa é outra discussão.

Aos 27 anos, tive a oportunidade de me mudar para Tóquio, Japão. Fui freelancer e escrevia para revistas e jornais suecos. Sempre fui uma nerd da cultura pop, com uma enorme paixão por temas de nicho, por isso, era natural que o estilo de vida e a cultura pop japonesa se tornassem os temas sobre os quais mais escrevia. Ora, o culto da beleza é uma parte integrante da cultura japonesa, tanto da actual, como da tradicional, está presente em todos os lugares — desde as casas de banho das estações de comboio aos grandes armazéns, até ao ritual de banho, passando pelas tendências entre os jovens nas ruas dos bairros de Shibuya [um dos principais centros financeiros de Tóquio] e de Harajuku [o bairro conhecido pela arte urbana e lojas de roupa excêntrica].

Naquele tempo, na Suécia, todos seguiam, mais ou menos, as mesmas tendências, mas no Japão, cada grupo social tinha as suas preferências. Isso fascinou-me profundamente e, cada vez mais, eu gravitava em direcção ao jornalismo de beleza. Começou a interessar-me mais do que pela moda. Foi uma loucura! As lojas estavam cheias de produtos para a pele que não imaginava existirem nem nas minhas fantasias mais loucas — coisas enigmáticas como aprimoramentos de rosto ou acessórios para reduzir o nariz; produtos inovadores e de alta tecnologia; além de itens de maquilhagem e produtos de beleza e cosméticos com suplementos inéditos, que não existiam na Escandinávia. Ao entrevistar pessoas sobre as suas rotinas de beleza, percebi que fazia parte da cultura japonesa comer determinados alimentos para a beleza. Algumas lojas tinham cafés ou bares de sumos que os serviam para promover a beleza da pele.

Quatro anos depois, voltei para a Suécia e consegui o lugar de editora de beleza na revista de moda e arte Bon. Foi quando percebi que queria mesmo escrever sobre os muitos aspectos da beleza. Foi um óptimo momento para ser jornalista de beleza, com o surgimento das redes sociais, em que os consumidores passaram a ser mais atentos e com acesso a mais informação do que apenas aquela que é dada pela indústria da beleza.

Como pode a beleza ser um artigo de jornal sem o risco de ser publicidade? 
Essa é, em parte, uma das razões por que me tornei, recentemente, freelancer. As grandes revistas estão mais dependentes do que nunca dos anunciantes. É impossível querer agradar aos anunciantes e, ao mesmo tempo, ser um jornalista isento. Como leitora, sinto-me enganada ao ler uma revista cujas notícias são sobre produtos que aparecem nas páginas seguintes [no formato de publicidade]. Isso não é jornalismo. No entanto, entendo por que chegámos aqui — perder dinheiro da publicidade é uma ameaça de morte para as publicações. Por isso, sinto-me feliz por ser uma jornalista independente. No entanto, no Instagram, de vez em quando, faço colaborações pagas, mas que aparecem sempre identificadas como sendo publicidade.

No livro, nas suas fotografias aparecem produtos Chanel, porquê?
Simplesmente porque são bonitos e intemporais. A Chanel nem sabia que eu usava os seus produtos nas minhas fotografias. Também inclui outros que considero esteticamente bonitos.

As receitas que propõe são fáceis de fazer?
Quero que as pessoas vejam os alimentos como uma parte natural, e extremamente eficaz, na sua rotina diária de cuidados com a pele. Podemos comprar os séruns mais caros que, a longo prazo, o que tem efeito na pele é o que vem de dentro [do nosso corpo]. Como uma especialista nesta área, divirto-me com cálculos sobre o que os diferentes nutrientes fazem pela nossa pele em termos de protecção, reparação de células e estímulo ao colagénio. É apenas uma maneira divertida de ver a comida como uma ferramenta para a pele.

As receitas são super simples! Como não sou chef, todos foram pensadas para serem feitas em casa com facilidade. No entanto, alguns ingredientes podem parecer estranhos à primeira vista — como o cacau biológico, o xarope de batata yacon ou o miso. Mas a maioria dos ingredientes são vegetais, frutas, sementes e frutos secos comuns. Eu invejo os habitantes do sul da Europa que têm produtos frescos todo o ano! Na Suécia, nesta altura, a maioria dos vegetais é importada, já que nada pode crescer neste frio maldito. Deixem-me dizer-vos que é mais fácil ser uma fã de beleza com o vosso clima! A minha mãe vive metade do ano em Espanha e eu adoro fazer lá compras. Não imaginam quanto pagamos por um bom abacate na Suécia!

Beber um batido em vez de fazer um pequeno-almoço tradicional. As pessoas estão dispostas a mudar de hábitos?
Nenhum hábito muda se alguém nos disser para mudar. Podemos inspirar, mas nunca mudar os hábitos dos outros. Acho que depende muito da cultura. Na Suécia, costumamos comer iogurte com frutas ou aveia de manhã, portanto, preparar um smoothie não é tão estranho como em países onde o pequeno-almoço é uma refeição cozinhada, como no Japão, ou um café e um croissant, é claro que é mais difícil. Mas se o leitor gosta do seu pequeno-almoço, continue a fazê-lo e prepare o smoothie para o lanche, por exemplo. O Beauty Food tem a ver com adicionar mais nutrientes para aumentar a beleza, e não sobre fazer dietas ou mudar de hábitos alimentares.

É um livro pensado só para as mulheres europeias?
É um livro para todos! É para todos os que têm interesse em cuidados com a pele ou com biohacking, independentemente da idade ou de onde vive. O livro também é uma óptima introdução para quem quer comer mais vegetariano ou vegan.

Quais são as principais recomendações que dá a quem queira cuidar da pele?
Use protector solar todos os dias. Coma o arco-íris — frutas e vegetais são substâncias surpreendentes que geralmente têm propriedades antioxidantes ou anti-inflamatórias. Crie um arco-íris no seu prato e pode ter certeza de que está a consumir muitos nutrientes. Não tenha medo de gorduras saudáveis — são necessárias para manter a pele macia —, coma abacates, sementes, frutos secos, azeite e talvez suplementos de ómega 3. Coma cacau cru todos os dias, faz maravilhas à beleza e ao cérebro. Pense em adição e não em restrição — à medida que adiciona mais alimentos que servem à sua saúde e beleza, os que não interessam vão saindo naturalmente do menu.

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