expresso.ptLourenço Pereira Coutinho - 28 jan. 11:48

O CDS de “Chicão”: conservador, “reacionário” ou “tradicionalista”?

O CDS de “Chicão”: conservador, “reacionário” ou “tradicionalista”?

Opinião

Na moção de estratégia que levou ao congresso do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos, até agora conhecido por “Chicão”, assume-se como líder dos “comandos” do combate político contra a “quadrilha das esquerdas unidas”, num combate que visa reposicionar um partido que, nos últimos tempos, andaria “fascinado pela modernidade” e, como tal, perdido por maus caminhos. Esta retórica bélica, de “guerra cultural”, projecta-o para um campo já considerado intolerante (David Dinis, no Expresso), e reacionário (Rui Tavares, no Público).

As comparações entre o CDS de “Chicão”, e o Chega! de André Ventura, tem sido, por isso, inevitáveis. Existem, de facto, semelhanças entre estes líderes. Desde logo, a lógica confrontativa e maniqueísta, e o estilo exaltado. Mas, enquanto André Ventura é claramente populista, Francisco Rodrigues dos Santos tem sido, até ver, apenas popular e empolgado. A diferença reside, sobretudo, no nível de demagogia empregue por ambos. André Ventura oscila ideologicamente, transparece pouca convicção e muita demagogia, enquanto “Chicão” aparenta ser menos demagogo, e mais convicto dos princípios que o norteiam. Claro que, tanto um como outro, usam e abusam do estilo exaltado, e cultivam com gosto o estatuto de “caudilho”, ou líder carismático que conduz os seus guerreiros políticos contra o “inimigo”.

A forma como encara a “modernidade” é uma das chaves para se entender o pensamento de “Chicão”. Como afirmou na sua moção “voltar a acreditar”, ele não se sente “fascinado” pela “modernidade”, isto ao contrário de líderes anteriores do seu partido. Será então Francisco Rodrigues dos Santos um conservador “clássico”? Rui Tavares já observou que não, algo com que concordo. Creio que o novo líder do CDS é, sobretudo, tributário do pensamento ultraconservador ou “reacionário”, isto na perspectiva de quem o analisa desde a esquerda. Alguns dos cultores do género preferem definir-se como “tradicionalistas”. Tal pode parecer semelhante, mas não é a mesma coisa que ser conservador.

Ao contrário do que muitos supõem, o pensamento conservador clássico não é um exclusivo britânico. Tem, também, uma matriz continental, que remonta aos princípios do século XIX, e contou com Benjamin Constant como principal teórico. O conservadorismo liberal procurou fazer a conciliação entre tradição e revolução, e inspirou, entre outros regimes e sistemas, a Carta Constitucional portuguesa e a sua vigência (1826-27; 1834-1836; e, definitivamente,1842-1910). Este é, pois, um pensamento que nasce, e que se enquadra, em regimes representativos, que respeita os adversários políticos, que valoriza as instituições e os costumes, e que os procura conciliar com as liberdades individuais, sendo que, em caso de conflito ou incompatibilidade, privilegia as últimas. Em Portugal, o conservadorismo liberal entrou numa estranha apatia com o fim da monarquia constitucional (1910), condição de que nunca recuperou na plenitude.

Por sua vez, o pensamento tradicionalista português tem as suas raízes no “miguelismo” (sobretudo do miguelismo nostálgico, que se consolidou depois do fim do reinado de D. Miguel, em 1834). É, na origem, antiliberal, orgânico, dogmático, confessional, e “popular”. O tradicionalismo português passou por uma longa hibernação até à década de 1910, quando o Integralismo Lusitano lhe insuflou densidade teórica, dando-lhe uma nova vida. Muitas vezes apelidado de conservador, Salazar seguiu sobretudo esta linha, que cultivava o paternalismo, tinha aversão tanto ao pluralismo quanto à modernidade, e defendia a primazia das instituições e do costume sobre as liberdades individuais. Não tinha, pois, muito a ver, nem com um conservador cosmopolita, como Winston Churchill, nem com um populista extremista, como Benito Mussolini.

Pelo que tenho acompanhado, Francisco Rodrigues dos Santos fez um “agiornamento” do pensamento ultraconservador, ou tradicionalista, tornando-o pragmático e apto a jogar de acordo com as regras democráticas. Tal não invalida que tenha abdicado de uma lógica confrontativa, ou que não dê mostras de um pensamento pouco tolerante com as liberdades individuais. A tentação de resgatar ao Chega o voto ultraconservador, e de vincar diferenças para André Ventura, pode ter o efeito perverso de fazê-lo seguir o caminho fácil de enveredar pela radicalização do discurso. Por agora, a sua prática estará na fronteira entre o popular e o populista.

A eleição de Francisco Rodrigues dos Santos trouxe novas delimitações ao campo da direita portuguesa. Este enquadra agora um partido assumidamente liberal e sem protagonistas (Iniciativa Liberal); um partido de matriz radical, que quer “refundar” o sistema, e que é protagonizado por um líder populista (o Chega); um partido que agrupa diferentes sensibilidades, mas que é agora tributário do tradicionalismo pragmático (o CDS); e um partido que joga também à direita, que agrupa um vasto leque de sensibilidades, mas em que predomina no presente uma orientação claramente social democrata, logo, de centro esquerda.

Subalternizadas neste quadro, ficam duas correntes fundamentais, ambas enquadradas na direita democrática e representativa: a democracia cristã, ideologia estruturante da Europa do pós guerra, e o conservadorismo clássico. Francisco Rodrigues dos Santos recebeu certamente influências destas, mas não tem por certo consciência do que o separa de ambas. A propósito da sua idade, “Chicão” parafraseou Manuel Monteiro, e afirmou que esse não era um problema relevante, pois passaria com o tempo. Pode ser que aconteça o mesmo com a sua abordagem maniqueísta e a sua lógica dogmática.

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