expresso.ptexpresso.pt - 28 jan. 11:03

“Quando voltei ao supermercado uma hora depois, já estava tudo vazio”: o coronavírus em Macau

“Quando voltei ao supermercado uma hora depois, já estava tudo vazio”: o coronavírus em Macau

Uma macaense que trabalha num casino e um advogado português a viver na região administrativa especial relatam ao Expresso o seu quotidiano em tempos de nova pandemia. “As ruas estão bastante vazias. Passamos a vida a lavar as mãos e a usar gel desinfetante”, contam. O número de pessoas infetadas em Macau subiu esta segunda-feira para sete

Os chineses entraram no ano do Rato com atualizações regulares sobre o número de vítimas mortais e os novos casos do coronavírus 2019-nCoV, que teve origem no centro do país. Na região administrativa especial de Macau, “ninguém anda na rua” e as celebrações do novo ano, que arrancou no sábado, foram “muito calmas”, descreve Paula Ribeiro ao Expresso. Nascida naquela região e casada com um chinês, esta macaense passou o ano na casa dos tios do marido.

“Temos saído muito pouco de casa porque o Governo pede para não sairmos muito e para não irmos para locais com muitas pessoas. Estamos sempre com máscaras e a lavar constantemente as mãos. Quando saímos, desinfetamo-nos antes de voltarmos a entrar em casa”, descreve. Paula trabalha na parte administrativa de um casino e, atualmente a gozar os dias de descanso da quadra festiva, só deverá voltar na quinta-feira – “em princípio”, sublinha, “porque o Governo disse que ainda há de confirmar”.

Quando regressar ao trabalho, já conhece os procedimentos a cumprir. “Antes de entrarmos no casino, temos de fazer uma verificação da nossa temperatura, temos de nos desinfetar e temos de andar de máscara”, conta. Segundo um despacho do Chefe do Executivo de Macau, Ho Iat-seng, a entrada em casinos está interdita a quem tenha visitado a província de Hubei nos últimos 14 dias. Foi na capital desta província, Wuhan, que foram detetados os primeiros casos do novo coronavírus.

O número de casos de pessoas infetadas em Macau subiu esta segunda-feira para sete. O estado clínico da mais recente paciente confirmada – uma mulher de 67 anos, residente em Wuhan – é considerado “normal”. Na véspera, o Governo macaense impusera a obrigatoriedade de apresentação de uma declaração médica para qualquer residente da província de Hubei.

A corrida às máscaras “estabilizou com a política de racionamento”

O acesso às máscaras nem sempre foi fácil: “No início, era um bocadinho complicado. Mas o Governo fez um esforço e já conseguimos comprar. Cada pessoa pode comprar até dez máscaras por oito patacas [menos de um euro]”, relata Paula. “Nos primeiros dias, notou-se um acorrer violento às farmácias para se comprar máscaras e gel desinfetante. As filas davam a volta ao edifício de escritórios onde me encontro”, diz ao Expresso o advogado português Pedro Freitas, que se mudou para Macau em 2011.

“A coisa estabilizou com a política de racionamento. Os residentes e não residentes com visto de trabalho – os turistas estão excluídos – têm o direito a comprar dez máscaras contra a apresentação do cartão de residente ou de trabalhador não residente”, explica. Ao fim de dez dias, podem voltar a comprar. Ainda assim, o advogado considera que “atendendo ao facto de Macau ter mais de 600 mil habitantes, distribuídos por pouco mais de 30 quilómetros quadrados, e ao pequeno rácio de farmácias, a situação pode complicar-se”. “Não tive problemas porque tenho stock em casa. É habitual usar-se estas mesmíssimas máscaras em caso de constipação, por exemplo. É uma mentalidade típica de regiões onde há altas densidades populacionais. Em Portugal, isto seria estranhíssimo”, reconhece.

“As ruas estão bastante vazias. A maior parte do comércio está fechada. Passamos a vida a lavar as mãos e a usar gel desinfetante”, confirma Pedro. “Reduzimos ao máximo a frequência de locais com muita afluência de turistas. Não que se vejam muitos neste momento...”, acrescenta este advogado, que vive com a mulher e dois filhos (de quatro anos e um ano). “Temos de ser criativos em casa. Já fizemos os puzzles e construímos os legos todos”, graceja.

As “prateleiras vazias”, as empregadas filipinas e os botões dos elevadores plastificados

“Para já, as idas ao supermercado estão normais. Mas, no início, antes de o Governo de Macau apaziguar a população a esse respeito, houve algumas situações em que se notou algum pânico na obtenção de bens essenciais”, refere o advogado, que se socorre de um “stock preventivo”, “à semelhança do que acontece quando há tufões mais complicados”. Apesar das “prateleiras vazias” e de ser necessário “percorrer vários supermercados para se encontrar o que se pretende”, as compras desta segunda-feira não correram mal a Paula: “Tive muita sorte! Por acaso, até consegui alguma coisa porque fui para lá mais cedo. Quando voltei uma hora depois, já estava tudo vazio.”

O advogado lembra ainda a situação das empregadas domésticas, sobretudo filipinas, cujos patrões “propõem pagar-lhes para que não saiam do local de trabalho”. “Elas já vivem em condições miseráveis e dividem apartamentos entre si. Agora, há pessoas que pagam para que não se coloquem em situações de maior risco, ficando em casa dos ‘empregadores’ e pernoitando como internas”, relata. De resto, “em grande parte dos prédios de escritórios e residenciais, os botões dos elevadores foram plastificados e são desinfetados a cada duas horas. Em todas as receções de condomínios, há desinfetante para as mãos”.

Ambos convergem na avaliação do trabalho feito pelas autoridades. “O Governo está a fazer um bom trabalho. As informações são bastante atuais e são disponibilizadas quer pelo Telejornal, quer diretamente através de mensagens escritas”, refere Paula. “Julgo que o Governo está a observar aquilo que ditam as boas práticas na contenção de uma pandemia vírica: isolamento, quarentena, controlo das fronteiras, proteção individual”, avalia Pedro.

WU HONG/EPA

Vários países preparam retirada dos seus cidadãos de Wuhan

A China anunciou esta terça-feira o adiamento por tempo indeterminado do reinício das aulas em todas as escolas. O surto do coronavírus já causou 106 mortos e infetou quase 4.500 pessoas no país.

Além do território continental da China, foram reportados casos de infeção em Macau, Hong Kong, Taiwan, Tailândia, Japão, Coreia do Sul, EUA, Singapura, Vietname, Nepal, Malásia, França, Alemanha, Austrália e Canadá. Esta segunda-feria, foram registadas a primeira morte em Pequim e a segunda infeção em espaço europeu, com um caso detetado no estado alemão da Baviera.

Os EUA, Austrália, Alemanha, França, Japão e Portugal, entre outros países, estão a preparar com as autoridades chinesas a retirada dos seus cidadãos de Wuhan. Nesta cidade, encontram-se duas dezenas de portugueses.

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