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De Ronaldo ao Benfica, de Isabel dos Santos à Deloitte: os (muitos) alvos de Rui Pinto

De Ronaldo ao Benfica, de Isabel dos Santos à Deloitte: os (muitos) alvos de Rui Pinto

Pirata informático (acusado de extorsão, por exemplo) ou denunciante, que o que quer é “revelar práticas ilícitas”? A resposta a esta pergunta, aparentemente simples mas intrincada juridicamente, é a diferença entre a hipotética absolvição do português ou sua condenação quase certa. “Malta Files”, “Football Leaks” e, agora, “Luanda Leaks”: Rui Pinto expôs milhares de documentos (depois investigados por consórcios de jornalistas) que comprometem – nalguns casos, levaram mesmo a investigações e condenações – nomes de peso em casos de branqueamento de capital ou fraude fiscal.

“Considero-me um cidadão que agiu em nome do interesse público.” Foi desta forma, perentória, que Rui Pinto respondeu em Budapeste – onde vivia desde 2015 até ser deportado – numa entrevista à revista alemã "Der Spiegel" à pergunta se se tratava, ou não, de um "hacker".

O gaiense de 31 anos, licenciado em História e autodidata na informática, considera-se um denunciante, ou "whistleblower", cuja intenção foi, ao criar em 2015 o Football Leaks, “revelar práticas ilícitas que afetam o mundo do futebol”. No início, Rui Pinto respondia pelo nome “John” e foi enquanto “John” que entregou 70 milhões de documentos confidenciais à revista "Der Spiegel" – tendo a mesma partilhado a informação junto do consórcio de jornalismo European Investigative Collaborations.

A diferença entre uma condição e outra, denunciante ou pirata informático, é a diferença entre uma hipotética absolvição e a condenação quase certa.

Mas se é verdade que no Parlamento Europeu foi já aprovada uma diretiva europeia (a primeira) sobre a proteção dos chamados "whistleblower" – que denunciem crimes vários, do branqueamento de capital à fraude fiscal –, em Portugal não há enquadramento jurídico para denunciantes como Rui Pinto diz ser – o que há é meramente uma lei de proteção de testemunhas.

Esta segunda-feira, os advogados do português anunciaram que Rui Pinto é mesmo o responsável pela divulgaç��o dos mais de 700 mil documentos na origem do Luanda Leaks, uma série de reportagens do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação que coloca a empresária Isabel dos Santos no centro de um esquema de corrupção lesivo do Estado angolano.

Ana Gomes, que há muito é uma defensora pública da inocência de Rui Pinto, veio atacar os “dois pesos e duas medidas” da justiça em Portugal. Uma para o caso Football Leaks, outra para o Luanda Leaks, considerando a ex-eurodeputada “completamente obsoleta a posição daqueles que no sistema judiciário [português] não querem querer conhecer a luta, que é serviço público, por parte de um denunciante que expõe criminalidade organizada”.

Rui Pinto foi acusado pelo Ministério Público, em setembro de 2019, de 147 crimes: 75 de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência – sendo sete deles agravados –, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão.

Em janeiro, a juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa Cláudia Pina decidiu que o criador do Football Leaks irá ser julgado por somente 90 dos crimes – várias acusações (nomeadamente de violação de correspondência) não foram consideradas pela juíza uma vez que aqueles que tiveram a correspondência violada não apresentaram queixa –, entre os quais o de tentativa de extorsão.

Doyen. A alegada extorsão que "trama" Rui Pinto

A acusação de extorsão (a mais grave de entre todas e a principal razão pela qual Rui Pinto está preso preventivamente) diz respeito ao fundo de investimento Doyen Investment Sports, sediado no paraíso fiscal de Malta e que à época tinha à frente o português Nélio Lucas.

Acedendo a documentos secretos da Doyen, Rui Pinto denunciou um suposto esquema através do qual este fundo suportava parte da transferência de um determinado jogador, assegurando, no momento da assinatura do contrato, uma série de cláusulas que lhe garantiriam lucros no futuro – independentemente do rendimento desportivo do futebolista–, ficando os clubes, denunciava então Rui Pinto, “reféns” de tais cláusulas e vendo-se obrigados a vender os atletas para saldar a dívida contraída perante a Doyen.

Foi o caso, alegadamente, da transferência de Ola John, do Twente para o Benfica, em 2013. De acordo com o que denunciou o Football Leaks, a empresa pagou 4,5 milhões de euros por uma parte (metade) do passe do holandês e o Benfica comprometia-se, desta forma, a pagar seis milhões à Doyen no prazo de três anos – quer o jogador acabasse vendido, quer não. Caso o jogador acabasse vendido por uma quantia acima de 12 milhões de euros, o fundo de investimento recebia seis milhões, mais metade de qualquer valor acima desses 12 milhões.

Então, para além da denúncia em si, o que “trama” Rui Pinto no caso da Doyen? Sob pseudónimo, o português enviou um e-mail a Nélio Lucas e organizou um encontro do rosto mais visível da Doyen com o seu advogado, Aníbal Pinto. A intenção era, segundo Rui Pinto, saber quanto valia a informação recolhida. Pese embora nenhuma quantia tenha vindo a ser trocada, a justiça portuguesa considera que se tratou de uma tentativa de extorsão.

Benfica. "Um polvo de influência junto das elites"

Ainda no que ao Football Leaks diz respeito, foram muitos os alvos de Rui Pinto. O relatório da Polícia Judiciária com os resultados dos exames forenses ao material informático apreendido ao português em Budapeste mostra que os clubes de futebol são os principais visados. Num total de 141 ataques a caixas de e-mail, o Benfica é o mais visado, tendo 43 contas violadas, mas também o FC Porto ou o Sporting o foram – além de outros clubes nacionais como o Nacional, Leixões, Rio Ave, Moreirense e Belenenses.

Em relação ao Benfica, o supracitado caso de Ola John foi um dos muitos referidos no Football Leaks. Outras informações terão estado na origem de vários processos contra os encarnados, como o e-Toupeira, Mala Ciao e Lex. Rui Pinto considera mesmo que o Benfica é “um polvo de influência junto das elites da nação”. Em dezembro, numa entrevista uma vez mais à "Der Spigel", denunciava: “O clube tem estreitas relações com a polícia, os magistrados e os políticos. Seria um enorme conflito de interesses se eles alguma vez tivessem de investigar o Benfica a sério".

Falando do Sporting, os de Alvalade viram, por exemplo, o contrato (e o seu salário de cinco milhões de euros/ano) de Jorge Jesus exposto na internet, bem como os de Marcos Rojo e Labyad – feitos, os últimos, em parceria com a Doyen de Nélio Lucas.

Já o FC Porto (clube do qual Rui Pinto se diz adepto) viu denunciado um alegado esquema da empresa Energy Soccer, gerida por Alexandre Pinto da Costa, filho do presidente do clube, que recebeu indevidamente comissões em transferências e empréstimos de jogadores – entre os quais Defour ou Mangala.

Ao todo, em 12 terabytes de informação (presente em computadores ou discos externos) apreendida ao português, a Judiciária identificou mais de 500 potenciais vítimas.

E se é verdade que a maioria dos ataques foi dirigida a entidades em Portugal, também houve diversos clubes estrangeiros espionados: Real Madrid, Barcelona, Atlético de Madrid e Vilarreal, de Espanha, Juventus e Inter de Milão, de Itália, Manchester City, de Inglaterra, Ajax, da Holanda, e Shakhtar Donetsk, da Ucrânia. Além destes clubes, também instituições como a FIFA, a UEFA, a Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) e a Federação Inglesa de Futebol estiveram na mira de Rui Pinto.

Em Portugal, o Ministério da Administração Interna ou Procuradoria-Geral da República foram igualmente vítimas de ataques informáticos, assim como alguns escritórios de advogados, entre os quais a CCA Ontier, Vaz Serra & Associados e a PMLJ – sendo a última a sociedade de advogados de João Medeiros, que representou o Benfica no caso e-Toupeira.

Ronaldo. Do Fisco espanhol ao escândalo Mayorga

Na prática, os mais afetados pelas denúncias no Football Leaks foram mesmo os futebolistas, com o português Ronaldo à cabeça. Os documentos que Rui Pinto meteu a circular incriminavam o então camisola sete do Real Madrid, que acabaria investigado em Espanha por ter colocado 150 milhões de euros num paraíso fiscal e, assim, fugido ao pagamento de direitos de imagem. Cristiano Ronaldo acabaria condenado a pagar 16,7 milhões de euros ao Fisco de Madrid.

Mas não foi o único. Vários agenciados do empresário Jorge Mendes – o próprio Mendes acabou investigado em cinco países após ver expostos os seus negócios no site Football Leaks –, do treinador José Mourinho (que pagaria dois milhões de euros às finanças de Espanha) ao ex-portista Falcao e ao ex-Benfica Di María, vários nomes grandes do futebol se viram acossados pelas autoridades.

Voltando a Ronaldo, nem só no que ao futebol diz respeito Rui Pinto incriminou o internacional português. Foi igualmente o Football Leaks que permitiu a divulgação, por exemplo, do acordo de confidencialidade assinado entre Ronaldo e Kathryn Mayorga após um caso (até ver desconhecido) em que a norte-americana acusava o português de a ter violado, em 2009. Face à divulgação do documento, as autoridades dos EUA resolveram investigar as suspeitas de violação – em julho de 2019, porém, a procuradoria do condado de Clark, no estado norte-americano do Nevada, decidiu não acusar criminalmente o futebolista.

Malta Files. Milhões de volta aos cofres do Estado

Agora que é, assumidamente – Sindika Dokolo, marido de Isabel dos Santos, cedo lançou essa suspeita –, o denunciante no escândalo de corrupção Luanda Leaks, que fez da mulher mais rica de África arguida em Luanda e que tem levado à queda progressiva de um verdadeiro império de negócios, da banca às empresas, importa recordar que nem só de Luanda Leaks e de Football Leaks se faz o historial de denúncias de Rui Pinto.

O português participou também nos Malta Files, um caso que expôs vários empresas que aproveitaram o paraíso fiscal de Malta para fugir ao pagamento de impostos.

Foi também graças aos Malta Files – investigados pelo consórcio European Investigative Collaborations – que o Fisco português (revelou em 2019 a Autoridade Tributária no relatório anual de “Combate à Fraude e Evasão Fiscais e Aduaneiras”) “apanhou” 100 contribuintes nacionais e recuperou mais de oito milhões de euros.

Um dos casos diz respeito à auditora e consultora Deloitte, que segundo foi revelado nos Malta Files teve 48 dos seus sócios portugueses a utilizar a jurisdição maltesa para receber 53 milhões de euros em dividendos que saíram quase livres de impostos daquele país.

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