Paulo Ferreira - 26 jan. 17:03
Isabel dos Santos, nós e 1.001 formas de assaltar o Estado
Isabel dos Santos, nós e 1.001 formas de assaltar o Estado
O caso de Isabel dos Santos configura a transferência ilegítima de recursos avultados do Estado para benefício pessoal. Não é nada de novo também em Portugal.
Não me recordo de um escândalo económico ou financeiro que tenha provocado reacções tão rápidas, tão generalizadas e tão efectivas como as que ocorreram esta semana depois dos Luanda Leaks. Repare-se no que ocorreu em sete dias:
- Entidades reguladoras deram explicações públicas rápidas. O caso angolano é mais óbvio e impressiona por ser feito de forma despudorada, sem qualquer vergonha ou mesmo tentativa de disfarce, por beneficiar directamente a família e amigos do ex-presidente José Eduardo dos Santos e por acontecer num dos países mais pobres do mundo, o que é duplamente chocante.
Em Portugal, os muitos casos que conhecemos são menos óbvios, mais elaborados e nalguns casos podem nem ter tido esse golpe como objectivo inicial. Mas todos acabaram na tal transferência ilegítima, muitas vezes criminosa, de recursos do Estado – leia-se, de todos os cidadãos – para contas pessoais.
Os perdões de dívida a empresários e empresas dados por bancos que foram resgatados pelos contribuintes não são mais do que isso mesmo. As listas de malparado do BPN, BES e seu herdeiro, Novo Banco, ou Banif que ficaram por pagar significam que os contribuintes foram chamados a pagar os créditos que empresários receberam e que não quiseram ou não puderam pagar. Quantas destes ficaram na pobreza por terem honrado os seus compromissos? Quantos Nuno de Vasconcelos não há por aí?
O mesmo se passa com a lista dos negócios ruinosos em que a Caixa Geral de Depósitos se meteu na década passada, que já foram alvo de duas Comissões de Inquérito Parlamentares. Joe Berardo também não é o único com razões para se rir na cara dos contribuintes. O dinheiro não se perde, não se evapora. E se faltou nas contas da Caixa é porque sobrou noutro lado e a explicação mais digna é que se perdeu em negócios que correram mesmo mal por razões económicas e não por práticas criminosas.
E podemos, nos grandes negócios mas a outro nível, olhar para contratos do Estado como os que se fizeram com as parcerias público-privadas rodoviárias, que se revelaram ruinosas porque deixaram o risco com os contribuintes e as taxas de rentabilidades elevadas e garantidas com os privados. Mais uma vez, a explicação benevolente é que se tratou de incompetência. Mas uma incompetência muito cara.
No fundo, há tantas formas de apropriação ilegítima dos recursos do Estado como há de cozinhar bacalhau. É tudo uma questão de ingredientes disponíveis, criatividade e complexidade.
Mas, a esta escala, todas elas requerem uma condição de partida: o acesso e proximidade de decisores públicos.O caso de Isabel dos Santos é mais linear, óbvio e fácil de entender do que a generalidade. Que sirva, pelo menos, para fazer a pedagogia que todos os assaltos ao Estado são igualmente perversos, por mais elaborados e sinuosos que sejam.