www.jornaldenegocios.ptAntónio Moita - 26 jan. 19:02

Quando a notícia morre depressa

Quando a notícia morre depressa

Estaremos no fim de um ciclo. Talvez. A crise de valores de uma sociedade em transformação conduziu-nos a este caos e a este sentimento de vazio, de impotência e de desânimo. - Opinião , Máxima.

Sabemos que o mundo corre a alta velocidade e as notícias, verdadeiras ou falsas, também. Mas há semanas em que muito do que acontece ou é noticiado está ligado ou resulta da existência de problemas profundos que a nossa sociedade vive e que, aparentemente, desvaloriza ou faz por desconhecer.

Vejamos, apenas no plano nacional, alguns factos ocorridos e noticiados com estrondo, ou seja, que passaram pela antena das televisões ou pelas redes sociais durante mais de 24 horas. Para não cansar o leitor deixo apenas três casos. O de uma mulher agredida violentamente por um agente da polícia, a demissão dos representantes de Isabel dos Santos em importantes empresas portuguesas e, com aparente relação, o suicídio de um gestor bancário com ligações ao seu grupo de empresas ou a conclusão a que a UTAO chegou de que o anunciado reforço orçamental para a saúde no Orçamento de 2020 afinal não é real. Muitas outras histórias poderia aqui trazer. Mas fico-me por estas.

Para além dos dramas humanos que cada um dos casos encerra, a verdade é que todos eles são ilustrativos de problemas graves que a nossa sociedade enfrenta. A questão da autoridade do Estado, aqui representada pelas polícias que são alvo permanente de ataques violentos em razão da proporcionalidade da atuação dos seus agentes e que normalmente descambam em generalizadas acusações de racismo que por sua vez suscitam apaixonadas e muitas vezes irracionais manifestações de apoio de associações de defesa dos direitos das minorias. A questão da excessiva permeabilidade do país aos interesses de grupos poderosos para os quais o Estado tem, em regra, uma disponibilidade e uma deferência pouco habituais quando comparadas com aquela que dedica aos cidadãos e os pesos e medidas diferenciados com que as autoridades de supervisão e de regulação atuam perante estes casos. E, por fim, a confirmação dos malabarismos a que os nossos governantes recorrem para nos convencer de algo que eles já sabem que nunca acontecerá, veja-se o caso da saúde que é o que mais tem suscitado a preocupação de utentes e dos seus profissionais.

Em todos estes casos temos de comum a existência de entidades públicas que deveriam ser o garante da defesa dos direitos dos cidadãos e do cumprimento dos deveres a que todos estamos individual e coletivamente obrigados. Mas dentro destes temos diferenças. Os que atuam, os que nada fazem e nada veem e os que nos enganam. Quem devia estar na primeira linha da defesa da segurança e tranquilidade pública não é defendido por quem o tutela, quem devia zelar pela transparência dos investimentos e pela probidade dos investidores assobia para o lado e tem, em muitos casos, atitudes de servilismo pouco próprias de estados soberanos e civilizados e, por fim, quem governa e cuida do interesse geral não pode, reiterada e conscientemente, prometer tudo sabendo que apenas dará quase nada. Este não é o Estado em que devamos depositar a nossa confiança ou o nosso dinheiro, dotado de instituições que não nos representam nem nos defendem. 

Estaremos no fim de um ciclo. Talvez. A crise de valores de uma sociedade em transformação conduziu-nos a este caos e a este sentimento de vazio, de impotência e de desânimo. Provavelmente. Mas esta semana teremos novas notícias que irão matar as da semana que passou. Na nossa cabeça estarão os novos acontecimentos. Mas na nossa sociedade continuarão a arrastar-se, sem solução, os mesmos problemas. Até ao dia em que o cansaço, a desilusão e a indiferença se transformarem em revolta. 

Jurista

NewsItem [
pubDate=2020-01-26 20:02:58.0
, url=https://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/antonio-moita/detalhe/quando-a-noticia-morre-depressa
, host=www.jornaldenegocios.pt
, wordCount=577
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2020_01_26_139938313_quando-a-noticia-morre-depressa
, topics=[antónio moita, opiniao]
, sections=[opiniao]
, score=0.000000]