www.publico.ptpublico@publico.pt - 12 dez. 13:19

Greta Thunberg num mundo de prioridades trocadas

Greta Thunberg num mundo de prioridades trocadas

Criticam-se os jovens por não se interessarem por nada. Mas quando chega a hora de se interessarem por um tema que compromete o seu futuro são acusados de terem “interesses selectivos”.

Greta Thunberg navegou até Portugal e gerou uma onda de indignação nos portugueses. As prioridades andam trocadas. Uma jovem activista que falta à escola, com o objectivo de defender uma causa, incomoda mais gente do que o motivo que a leva a faltar. Quer se goste ou não, se concorde ou discorde, a jovem de 16 anos tem sido motivo de discussão no sítio onde todos têm uma opinião para dar — as redes sociais. Os movimentos “anti-Greta” nascem por todo o lado e dispararam em Portugal, quando a activista atracou em solo português.

Vivemos num mundo onde não gostar da Greta é moda, onde criticar o seu propósito e o seu activismo é sinónimo de capacidade intelectual superior. É fácil ser levado por esta corrente de ódio. Mas há que parar para pensar e focar no que realmente importa.

Ouvir uma jovem a ter discursos provocadores sobre o clima pode ofender todos aqueles que se recusam a abdicar do bife ao jantar ou dos sacos descartáveis. Descartável é a revolta contra as faltas de Greta à escola. Não estamos habituados a ouvir as crianças, não estamos habituados a que elas tenham opinião. Se uma jovem escolhe demorar mais de 20 dias a percorrer um oceano, em vez de algumas horas de voo, para chegar à Cimeira do Clima, em Madrid, é porque o caso é sério. Os portugueses inundaram os comentários das redes sociais com críticas à activista por fazer greve à escola. Eles que não se preocupem, a Greta que venha para Portugal e, com um bocadinho de sorte, passa a todos os anos sem, sequer, precisar de aparecer.

As críticas incompreensíveis e descontextualizadas não se focam no cerne da questão: as alterações climáticas que comprometem o nosso futuro. Portugal provou, mais uma vez, que tem pouca consciência ambiental. Realmente, é mais fácil escrever comentários de ódio em publicações do Facebook, onde só se lêem as “letras gordas”, do que sair à rua por uma causa. Talvez daqui a uns anos, quando o litoral do país estiver submerso, se perceba que Greta tinha razão. A “comichão” que Greta provoca nos mais desinformados poderia ser um gatilho para fomentar a mudança. Mas a activista divide opiniões. Se, por um lado, o modo agressivo como discursa assusta e afasta quem a tenta ouvir, por outro, os discursos de Thunberg carregam uma mensagem de urgência. No entanto, se o que a Greta diz irrita tanta gente é porque algo está a funcionar

“Greta fala para os que já sabem, já conhecem, já ouviram, já pesquisaram e já se informaram. Fala para aqueles que seguem o seu exemplo. Mas, infelizmente ficamos por aqui. Estamos a caminhar para caminhos perigosos, onde a descredibilização de questões climáticas é cada vez maior.”

Mas não, um discurso baseado em acusações e em “apontar o dedo” a políticos não está a funcionar. A causa que Greta Thunberg defende, contudo, deve sobrepor-se a isso. Há que perceber que ser activista não é só arranjar soluções. Ser activista é dar voz aos problemas e é assim que Greta actua. Os adultos enchem-se de raiva para criticar a raiva com que ela fala: um contra-senso. A comunicação de Greta até pode ser uma falha, mas a mobilização que conseguiu é assustadora e cria impacto. Se a mensagem vem carregada de um exagero que afasta os que acreditam e alimenta o ódio dos que não querem acreditar? Talvez. Mas se analisarmos o que realmente importa temos mais motivos para agradecer a Greta do que para a criticar.

Não se trata de uma “jovem revoltada”, trata-se de uma jovem que dá voz a tantos outros jovens preocupados com o planeta. Criticam-se os jovens por não se interessarem por nada. Mas quando chega a hora de se interessarem por um tema que compromete o seu futuro são acusados de terem “interesses selectivos”. Percebendo a mensagem de Greta, não é preciso idolatrá-la e apregoar a mesma mensagem com raiva na voz. É preciso agir.

Greta fala para os que já sabem, já conhecem, já ouviram, já pesquisaram e já se informaram. Fala para aqueles que seguem o seu exemplo. Mas, infelizmente ficamos por aqui. Estamos a caminhar para caminhos perigosos, onde a descredibilização de questões climáticas é cada vez maior.

A “personagem” Greta é erradamente mal vista e associada a partidos políticos, a extremismos e a infantilidades. Deixemo-nos, então, de radicalismos e manipulações. Greta fez o seu papel. Discutam-se, agora, soluções práticas e a curto prazo, proponham-se hipóteses e fale-se deste assunto, sem rostos. O rosto da luta pelo clima não deveria ser o de uma jovem de gabardine amarela. Deveria, isso sim, ser o rosto de todos nós por um futuro onde, já que tanto irrita as pessoas, não precisem de existir “Gretas” para dar voz ao clima.

Aquilo que deveria ser uma questão consensual está a tornar-se um assunto que divide política e ideologicamente cada vez mais pessoas. A ecologia não é uma guerra de uns contra os outros. É uma guerra de nós contra nós, para impedir o avanço de uma catástrofe. 

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Quando percebermos que o planeta não toma partidos políticos, talvez se consiga perceber que é preciso agir. E que, quer se concorde com a Greta ou não, não é a criticar o facto de ela não ir à escola que o problema se resolve. O mundo tem problemas maiores do que as faltas justificáveis de Greta Thunberg. Nunca uma revolução foi feita por crianças. Será desta?

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