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Quem beneficia com a descida proposta do IVA da eletricidade

Quem beneficia com a descida proposta do IVA da eletricidade

Uma descida da taxa de IVA sobre a eletricidade só em 16% beneficia a população pobre, tudo o resto beneficia população não pobre.

Tem vindo a ser proposta por diversos partidos políticos a descida da taxa de IVA sobre a eletricidade. Pretende-se por essa via reduzir o custo deste bem essencial, garantindo assim o acesso, em particular dos grupos mais desfavorecidos, à energia.

Ambos os objetivos têm mérito. Mas num quadro de escassez de recursos, importa sempre avaliar usos alternativos para os mesmos.

A garantia do acesso universal à energia constitui indubitavelmente um objetivo de política, merecendo particular atenção os grupos em situação de pobreza energética, definida normalmente como a situação em que as famílias não têm capacidade de aquecer ou arrefecer as suas casas adequadamente ou de satisfazer outros serviços energéticos a um custo aceitável. A descida universal do preço associada à redução do IVA, sendo uma vantagem, beneficia quer quem não tem hoje acesso quer quem tem.

A grande maioria das prestações são atualmente sujeitas a condição de recursos, ou seja, só podem beneficiar das mesmas os agregados familiares que reúnem um conjunto de condições, definidos normalmente em termos de um limite máximo de rendimentos até ao qual as pessoas têm direito a essas prestações. Isso justifica-se pelo objetivo de possibilitar a atribuição de benefícios às pessoas que realmente necessitam deles.

Perante a identificação de grupos alvo da política, os instrumentos podem assim ser avaliados em termos de eficácia e de eficiência. A eficácia está neste caso garantida na medida em que a redução da taxa de IVA, se traduz de facto na redução do preço final da eletricidade (não há neste caso capacidade do vendedor alterar o preço base da eletricidade em resposta à descida do IVA para manter o preço final).

A discussão coloca-se assim fundamentalmente em termos de eficiência. Na literatura de políticas públicas o conceito de eficiência de uma intervenção é abordado quer numa lógica de eficiência vertical (a proporção da intervenção que beneficia o público alvo) quer horizontal (a medida em que o benefício atinge todos os elementos do grupo alvo).

Para podermos analisar melhor a medida da descida do IVA que incide sobre a eletricidade importa ver quem beneficia com a mesma.

Para poder responder vamos utilizar os dados disponíveis do último Inquérito às Despesas das Famílias (IDEF), realizado em 2015/2016 em que foram inquiridos 11.398 agregados familiares compostos por 29.091 indivíduos, mas em que dado o adequado sistema de ponderadores assegura a representatividade dos seus principais resultados para o conjunto do país. O IDEF dispõe de informação detalhada quer sobre o rendimento disponível das famílias e sobre as suas despesas, incluindo as despesas em energia.

De acordo com os dados do inquérito, estima-se que as famílias portuguesas tenham despendido em energia elétrica naquele ano 3.056.635.925 €, ou seja, mais de 3 mil milhões de euros. Desses, somente 16% foram despendidos pela população considerada pobre monetariamente, ou seja, a população que integra agregados que naquele ano tinham um rendimento por adulto equivalente inferior a 60% do rendimento mediano por adulto equivalente.

Ou seja, uma descida da taxa de IVA sobre a eletricidade só em 16% beneficia a população pobre, tudo o resto beneficia população não pobre. E esta percentagem provavelmente peca por excesso pois em 2015/2016 era ainda reduzida a incidência da tarifa social de eletricidade. Após o aumento de cobertura daquela medida, que faz com que os elegíveis beneficiem de uma tarifa de eletricidade mais baixa, a proporção da despesa total de energia elétrica realizada pelos agregados considerados pobres terá muito provavelmente diminuído.

Se analisarmos qual a proporção que as famílias pertencentes a cada decil de rendimento representam na despesa total que as famílias realizam em energia elétrica verificamos que as famílias do primeiro decil, ou seja com os 10% de rendimentos mais baixos, despendem em energia elétrica cerca de metade do que despendem os 10% com rendimento mais elevado. Há assim um maior beneficio da descida da taxa de IVA para famílias com maior rendimento do que para famílias com menor rendimento.

É verdade que para as famílias com menores rendimentos a despesa em energia elétrica representa uma proporção maior do seu rendimento (12,3% para as famílias do primeiro decil face a 2,1% para as famílias do decil mais elevado), beneficiando por isso mais em termos relativos da redução da tarifa, mas em termos absolutos maior parte da redução de receita associada à medida estará de facto associada a poupanças para famílias de rendimentos mais elevados.

Concluindo, a utilização de um instrumento como a taxa de IVA para reduzir o custo de energia elétrica será eficaz, mas se o objetivo for reduzir esse custo para um grupo particular da população, nomeadamente os pobres, então será muito pouco eficiente pois a maior parte dos que beneficiam da medida não pertencem ao grupo alvo. Se o objetivo for reduzir a situação de pobreza energética serão muito mais eficientes medidas sujeitas a condições de recursos ou focadas na eficiência energética e não medidas transversais.

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