www.publico.ptpublico@publico.pt - 10 dez. 03:43

A falácia do voto obrigatório

A falácia do voto obrigatório

Debata-se a problemática do abstencionismo nacional e entenda-se o fenómeno muito para lá da política. Tomem-se medidas que ajudem a combatê-lo.

Através de variadas campanhas, o Estado português gasta mais dinheiro e cada vez votam menos portugueses. É uma realidade incontestável que se tem adensado ao longo dos anos e que tem sido debatida a conta-gotas após os atos eleitorais, mas que rapidamente perde o caráter de urgência necessário. Foi assim com as últimas eleições europeias e agora com as legislativas mais recentes.

Faz pouco sentido que o debate não conduza a medidas concretas e desapareça num ano em que se constata que o novo parlamento é o menos representativo da história democrática nacional. Um recorde de abstencionistas que fez soar algumas vozes incentivando o voto obrigatório. Por aí se ficaram as considerações no espaço público, até que na semana passada Dom Duarte Pio voltou a ressuscitá-las. Infelizmente fê-lo equacionando a tal solução da obrigatoriedade do voto. Procurando trazer ao debate aquelas que não são as causas mais profundas do alheamento da política dos cidadãos nacionais e na senda da lógica popular ou panfletária. Duarte Pio sublinha a desilusão por parte dos cidadãos portugueses em relação à política ou às respostas dos partidos tradicionais.

Parece-me que importa um contraponto para desfazer alguns mitos que carregam esta lógica simplista:

Em primeiro lugar a participação cívica nos atos eleitorais e o índice democrático nos países não andam de mãos dadas. Alguns dos Estados com piores níveis sociais e económicos, maior corrupção, ou uma política gravemente deficitária são muitas vezes aqueles que têm uma participação eleitoral elevada. Exemplos não faltam e vão desde o continente africano ao europeu.   

Isto não deve desconsiderar a realidade oposta de outros países como a Noruega ou a Dinamarca que apresentam um desenvolvimento com altos índices sociais e económicos na União Europeia e vivem de uma participação eleitoral elevada e contínua. É também um fator cultural e passa por um enraizamento que está ligado a muitas outras áreas nesses países. Algo que é ignorado tanto nas causas como na realidade por cá.

Por isso são tão preocupantes os valores da abstenção em Portugal. Em vez de se olhar em exclusivo para uma suposta insatisfação com o panorama político nacional, dever-se-ia entender que além de cultural, a questão está ligada a toda uma série de outras realidades paralelas como a queda no número de leitores, tanto de jornais como de livros. Um maior número de consumidores das fake news das redes sociais, e a estupidificação educacional que se vê espelhada na corrida aos black friday’s da vida para se adquirir o último gadget. Um exercício essencial é analisar-se estes fatores em Portugal, comparando-os a outros países europeus onde existe essa maior participação democrática. Sim, está tudo ligado, causa e efeito, muito mais do que uma explicação fácil e suposta desilusão generalizada com a política ou com os partidos tradicionais.

Ora, da mesma forma que não se pode impor modos de vida, também não se deve obrigar à participação eleitoral das pessoas. Em especial, quando essa medida pode interferir diretamente na liberdade individual de cada um e que também serviria para mais uma extrapolação do que deve ser o papel do Estado nas nossas vidas. Uma coisa é a sugestão civilizacional, outra é a imposição. É por isso que Dom Duarte falha no pressuposto de que um maior número de pessoas se interessaria pela política através do voto obrigatório. Sobram-nos alguns maus exemplos do que é a realidade em países que o decretaram e não sei se por cá é necessário que tenhamos um partido radical a governar para pouco depois e de forma natural, os índices de participação eleitoral subirem em flecha. Obrigar ao voto é também antecipar a subida ao poder desses partidos extremistas. Do Chega, por exemplo.

Noutros tempos, Churchill referiu que o melhor argumento contra a democracia era uma conversa de cinco minutos com o eleitor médio. Hoje, o melhor argumento contra o voto obrigatório é uma conversa de 5 minutos com um abstencionista. Mas nenhum político o dirá.

Debata-se a problemática do abstencionismo nacional e entenda-se o fenómeno muito para lá da política. Tomem-se medidas que ajudem a combatê-lo e ignoremos esta solução. Pode parecer a mais generosa de todas. Na realidade é a que provavelmente matará a democracia e que vai contra a sua própria construção.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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