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100 anos depois da Revolução Alemã

100 anos depois da Revolução Alemã

Quem hoje justifica a ascensão da extrema-direita com a suposta debandada da esquerda das causas tradicionais dos mais deserdados do capitalismo não percebeu que, muitas vezes, quem se mobiliza pelas causas identitárias é quem sofre maior exploração

No dia 9 de novembro de 1918 caiu a monarquia na Alemanha na sequência do movimento de operários e soldados contra a Grande Guerra (curiosamente a 9 de novembro caiu também o Muro de Berlim, mas em 1989). A revolução alemã de 1918/9 foi uma tentativa abortada de tomada do poder que deu lugar à república de Weimar e suscitou debates com atualidade quando alguns vaticinam hoje a necessidade de outras formas de conflitualidade substituírem a clássica relação de exploração no combate ao capitalismo. 

A desvalorização da relação de classe e a sua substituição pelas relações de subordinação para agregar movimentos sociais (identidades) numa causa comum (“democracia radical”) resulta em parte da verificação de que hoje o proletariado estaria enfraquecido e dividido. E as relações entre sexos, a identidade de género, a racialização de grupos de pessoas, os movimentos de independência, a causa ambiental ou a deficiência realçam relações de opressão, envolvem atores e subjetividades que importaria coordenar, construindo maiorias sociais de geometria variável.

Na realidade, o capitalismo sempre viveu das relações de dominação. Mas daqui não decorre que a eliminação das formas aparentemente não-económicas de opressão anularia a subordinação dos seres humanos ao capital (porventura a forma extrema de dominação). E os combates contra o racismo, a desigualdade de género, a discriminação contra portadores de deficiências ou a devastação ambiental têm tudo a ganhar com as vivências e os métodos de luta dos trabalhadores baseados na cooperação, interdependência e democracia que decorrem da sua inserção específica no processo produtivo e prefiguram o socialismo.

Durante o século XIX e a primeira metade do século XX, o movimento operário foi a grande referência da contestação à opressão e à exploração, ameaçando a sobrevivência da sociedade capitalista. Hoje diferenciaram-se outras identidades tornando claro que o capitalismo é herdeiro das desigualdades criadas pelas relações patriarcais e coloniais. Curiosamente, o confronto de ideias a propósito da revolução alemã ajuda-nos a perceber como os novos movimentos sociais podem reforçar a luta anticapitalista se contarem com o movimento dos trabalhadores e vice versa.

Alguns ativistas da esquerda alemã como Gorter e Pannekoek justificaram o falhanço da revolução de 1918/9 com as diferenças estruturais entre a Rússia czarista e a Europa Ocidental. No primeiro caso, o proletariado pôde aproveitar o apoio da imensa massa de camponeses pobres para desenvolver a revolução num país sem tradições democrático-burguesas, enquanto no segundo a classe dos trabalhadores não teve aliados naturais, contou apenas consigo, num contexto de maior assimilação pelas instituições e ideologia burguesas.

Hoje (como ontem), o projeto anticapitalista não pode dispensar uma democracia radical com as relações de classe no seu centro, no sentido em que os trabalhadores devem apoiar as lutas de todos os oprimidos e conquistar aliados para uma maioria social transformadora. E, nesta perspetiva, dentro de certas condições, hoje, isso até poderá tornar-se mais fácil do que há 100 anos, quando estes outros movimentos sociais estavam numa fase embrionária.

nas empresas, maior segregação nos guetos suburbanos, mais agressões raciais ou mais violência doméstica. E dar força a estas identidades é contribuir para a transformação das atuais relações sociais numa associação livre e verdadeiramente democrática de seres humanos dispondo de reais condições de igualdade. E isto, como acertadamente dizia Rosa Luxemburgo, é a essência do socialismo.

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