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A tempestade perfeita no Reino Unido

A tempestade perfeita no Reino Unido

Muito está em jogo nas eleições de quinta-feira. Vai ser mais uma noite em claro. Tendo como pano de fundo a permanência ou a saída da União Europeia, nunca como antes esteve um povo tão dividido.

Se há uma semana a sondagem da YouGov, a única a acertar no resultado das eleições de 2017, era clara e peremptória (os conservadores ganhariam nas eleições desta quinta-feira com uma confortável maioria absoluta), de então para cá já nada é claro. Nunca foi. Tendo como pano de fundo a permanência ou a saída da União Europeia, nunca como antes esteve um povo tão dividido.

Fora de Londres, quem apoia os trabalhistas e vive sob o signo do desemprego prepara-se para votar nos conservadores e na, há muito esperada e não cumprida, promessa de saída da União. Ou talvez não. Porque a promessa não foi cumprida, já passaram três anos e meio e outros tantos primeiros-ministros sem um resultado à vista e, por conseguinte, zonas onde sempre se votou nos trabalhistas votarão trabalhista uma vez mais.

Os jovens, os que não podiam votar em 2016 e viram no seu resultado o futuro comprometido, agora já podem e vão votar em massa nos trabalhistas. Ou talvez não. Se a YouGov afirma que os conservadores têm uma maioria confortável garantida à partida, para quê votar? Muitos não se darão ao trabalho de votar, em concordância com congéneres de todas as faixas etárias, incapazes de acreditar no sistema político que lhes deu voz mas foi incapaz de os ouvir. Isto porque todas as outras sondagens apontam para a queda acentuada dos partidos periféricos, bipolarizando o voto em redor dos dois partidos de sempre, os mesmos dois partidos responsáveis pela não-concretização do resultado do referendo. 

Porque o Brexit Party afundou o próprio barco ao ceder às pressões dos conservadores, retirando metade dos candidatos das suas listas. Porque os liberais-democratas, os únicos a prometer o cancelamento do “Brexit”, entretanto já não vão cancelar o “Brexit”, querem um referendo, ou talvez não, e quem ia votar Liberal Democrata fica sem outra opção para além de votar nos trabalhistas. 

Os mesmos trabalhistas desacreditados pelo seu líder, Jeremy Corbyn, um líder que não assume as suas posições de esquerda, as quais incluem nacionalizações em larga escala, dos transportes à electricidade, e o epíteto de comunista nas costas. Sob o fantasma da Guerra Fria e do perigo vermelho num país profundamente capitalista, tal cognome acarreta a perda imediata de toda e qualquer eleição. Ou talvez não. Com o programa de governo mais esquerdista das últimas décadas entre o fim da privatização do serviço nacional de saúde, o aumento dos salários, o fim do aumento da idade de reforma, o acabar com os apoios estatais às escolas privadas e a promessa de um segundo referendo, Corbyn é, para já, um socialista a granjear votos por esse país fora.

“Os jovens, os que não podiam votar em 2016 e viram no seu resultado o futuro comprometido, agora já podem e vão votar em massa nos trabalhistas. Ou talvez não. Se a YouGov afirma que os conservadores têm uma maioria confortável garantida à partida, para quê votar?”

E os conservadores, qual lebre ao sol a desdenhar a tartaruga, faltam a debates televisivos num acto de sobranceria ou não estivesse a vitória garantida. Afinal, os conservadores são o único partido coerente na sua tomada de posição: a saída da União Europeia com acordo. Ou talvez não. Com a maioria absoluta, talvez o acordo seja metido na gaveta, a saída é uma oportunidade única para transformar o Reino Unido num paraíso fiscal, privatizar a saúde, a educação, os sistemas de reformas, a vida de quem trabalha de modo a manter a actual estrutura social classicista onde cada vez menos quem menos tem pode esperar por uma vida melhor.

Quando para estudar na universidade as propinas são de 9000 libras por ano, mais de metade do país desiste de sonhar por uma vida melhor. E quem não desiste e contrai um empréstimo, começa a vida profissional, se começar, se tiver emprego, com uma dívida igual à entrada para uma casa, exequível de ser liquidada ao longo de pelo menos três décadas e onde comprar a tal casa, ou mesmo arrendar, já não é sequer possível.

Um dos slogans da Direita tem sido a vergonha na presença de tantos estrangeiros no sistema nacional de saúde, chamando a atenção para a necessidade de formar mais médicos e enfermeiros britânicos. Ora, como a eliminação das propinas não está em cima da mesa, tal como não está o permitir aos elementos da classe trabalhadora o acesso livre ao ensino superior, quando não houver mais estrangeiros no sistema nacional de saúde, já não haverá mais sistema nacional de saúde. Elementar, caro Watson. Num mundo onde a saúde se quer privada, não seria de esperar outro desfecho. A mesma saúde nem por isso promovida a nível das escolas e populações, ergo os cuidados primários, os estilos de vida saudáveis, criando adultos doentes e dependentes da oferta, oferta essa cada vez menor ao nível do Estado.

Entretanto, e porque entretanto é preciso vender jornais, todos os jornais apontam para uma aproximação entre os dois principais partidos e o duelo hollywoodesco ao por do Sol desta quinta-feira. A probabilidade de um governo minoritário é a única realidade na qual queremos acreditar. Tudo, mas mesmo tudo, menos a maioria absoluta dos conservadores. Se este ano já se fechou o Parlamento, Johnson já veio de caminho prometer a revisão dos critérios editoriais da BBC, nomeadamente o Channel 4, em mais um bom exemplo de democracia. Ou falta dela.

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Muito está em jogo nesta quinta-feira. Vai ser mais uma noite em claro. Ou talvez não. Ou talvez sim. Talvez me levante às 2h para assistir à tão temida maioria absoluta e rapidamente fazer as malas antes que a polícia me bata à porta.

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