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“Se estou aqui é porque sou capaz”

“Se estou aqui é porque sou capaz”

Vera Pinto Pereira é uma das gestores entrevistadas no livro "Novas Lições de Liderança de CEO Portuguesas", de Isabel Canha e Maria Serina. Explica as opções e deixa conselhos a uma jovem executiva.

Vera Pinto Pereira estava desde 2014 na Fox, onde tinha responsabilidades ibéricas como Vice-Presidente Executiva do Fox Networks Group e membro do conselho executivo daquele grupo para a Europa e África, quando recebeu um convite para se tornar administradora executiva da EDP.

Licenciada em Economia pela Universidade Nova de Lisboa e com um MBA pelo INSEAD, não se amedrontou com o facto de este desafio implicar uma mudança para um setor completamente diferente daquele em que construiu a sua carreira: foi diretora na PT Multimédia (hoje NOS) e esteve na criação e lançamento da MEO, da qual foi diretora antes de integrar a FOX. Gosta de sair da sua zona de conforto e, aos 43 anos, considerou que era uma boa altura para aceitar um desafio desta envergadura.

Durante três meses estudou a fundo as novas matérias e, desde abril de 2018, ocupa um gabinete no 6º piso da sede da EDP, na Av. 24 de julho. A seu cargo está a atividade de retalho do grupo, numa altura em que o setor da energia atravessa uma das maiores transformações de sempre. “Este é um momento único em que quero participar”, diz a executiva, que escolhe os desafios em função do entusiasmo que lhe suscitam.

Isabel Canha e Maria Severina são as autoras e são fundadoras da Executiva. Entre a London School of Economics e a Nova, venceu a Nova

Penso que a minha escolha do curso de Economia foi encaminhada pela referência que tinha do meu pai, que estudou Economia e desenvolveu várias atividades ao longo da vida com essa preparação. Economia parecia-me ser uma base bastante ampla, que por um lado me iria ajudar a ler e entender melhor o mundo e, por outro, tinha uma componente analítica forte e me daria algumas ferramentas de ‘problem solving’.

Gosto muito de análise e de matemáticas, portanto achei que o curso seria suficientemente abrangente para alguém que, com 16 ou 17 anos, não sabia muito bem o que fazer da vida. A minha mãe queria muito que eu fosse estudar para fora, por isso candidatei-me, e fui aceite, na London School of Economics, mas quando soube que entrara na NOVA decidi ficar cá. Hoje sou eu que estou a tentar que os meus filhos vão estudar para fora.

O primeiro emprego

Perdi a minha mãe no último ano do curso, uma semana antes de terminar a licenciatura, o que acabou por ter impacto no meu arranque profissional. À minha boa maneira de lidar com as dificuldades, que é seguir em frente, fiz questão de não interromper o curso, mas não tive força para pensar o que iria fazer a seguir.

Quando terminei não estava, naturalmente, predisposta e preparada emocionalmente para lidar com o processo de recrutamento das grandes consultoras, das grandes empresas ou da banca. Não era o momento ideal para grandes tomadas de decisão. Aliás, a única que tomei foi que nesse verão iria para Londres fazer um curso de História de Arte, para respirar e pensar no que fazer a seguir.

É neste contexto que surge um processo de recrutamento que saía fora dos mais formatados. Aceitei conversar com o António Vasconcelos, que era o diretor-geral da Mercer Management Consulting, na altura um pequeno gabinete de consultoria em Portugal, pertencente a um grupo internacional. Houve uma enorme empatia entre nós e, nessa mesma semana ele fez-me o convite para a Mercer e eu pensei: “Ótimo! Não tenho de pensar mais sobre o assunto”. Com a ressalva de que tinha de fazer o curso de História de Arte primeiro, para me ajudar a organizar mentalmente, aceitei. Esta conversa foi a primeira de várias que têm marcado as minhas decisões de carreira.

Decido com base naquilo que me deixa confortável e me faz feliz. O António deixou-me confortável e eu achei que podia ser feliz na Mercer, especialmente naquela altura.
A Mercer deu-me aquela preciosa caixa de ferramentas que a consultoria dá e que é muito útil, especialmente no início da carreira: A capacidade de análise, a tradução dessa análise em conclusões concretas, a capacidade de estruturar uma abordagem num plano de ação e a capacidade de comunicar tudo isto.

Acho que uma das grandes vantagens dos consultores é a capacidade de comunicar, porque têm de verter a sua análise para um documento e fazer uma série de apresentações ao cliente para o convencer das suas recomendações. Aquela ‘extra mile’ que nos é pedida no início da carreira também dá um estofo grande para lidarmos com o que venha a seguir, seja o que for.

Não sou apologista de as pessoas trabalharem aos fins de semana e fazerem noitadas. Prezo muito um bom equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional. Mas a verdade é que esse push nessa altura da nossa vida, quando ainda aguentamos perfeitamente umas noitadas e uns fins de semana, nos dá depois um certo estofo que vai ser necessário pela vida fora. Ainda hoje trabalho muitos fins de semana, a ler ou a preparar as reuniões de conselho, quando não estou dedicada a outro tipo de trabalho, como ajudar os meus filhos com apontamentos ou exames.

Por outro lado, o facto de a Mercer ter na altura uma equipa pequena deu-me a valiosa possibilidade de ter uma grande exposição ao cliente. Trabalhei com clientes de retalho, saúde, telecomunicações e bens de luxo. Vivi em Madrid, em Londres, em Paris e no Porto, por períodos curtos, enquanto fazia projetos. Isso deixou em mim o gosto pelas experiências internacionais. Adoro trabalhar em Portugal, mas faz bem trabalharmos fora de vez em quando.

O MBA no INSEAD

Os meus anos de Mercer e os períodos em que trabalhei no estrangeiro deram-me muita vontade de fazer um MBA lá fora, e escolhi fazê-lo após três anos de consultoria. Na verdade, a decisão de o fazer já estava tomada desde que optei pela licenciatura em Portugal, pois queria estudar fora, só não queria fazê-lo naquela altura. Entretanto, como tinha casado e o meu marido não me iria acompanhar num MBA de dois anos nos Estados Unidos, candidatei-me ao INSEAD, em Fontainebleu. Era mais perto, era só um ano e, a meu ver, o melhor da Europa na altura. Era a escolha óbvia.

Fiz o MBA com 25 anos. Acho que, em alguns momentos ao longo da vida, um MBA numa boa escola é um excelente cartão de visita e pode ser a diferença entre ter uma oportunidade ou não a ter.

Já sabia que quando terminasse queria voltar para Portugal, mas mesmo assim ingressei em vários processos de recrutamento. Recebi propostas das consultoras tradicionais, de uma multinacional de bens de luxo e de uma grande empresa portuguesa. Como não queria voltar à consultoria, estive quase para aceitar esta última proposta, mas, entretanto, fui desafiada por um grupo de amigos para criarmos a Innovagency.

Apesar de, na verdade, se tratar de consultoria, era na área da inovação digital, era um projeto nosso, e, portanto, avancei. Achei que era uma oportunidade única: estavam reunidas as pessoas certas e queriam que me juntasse a elas. Não era a escolha óbvia para quem acabava de fazer o MBA, mas pareceu-me ser aquela que me faria mais feliz na altura.

A incursão no empreendedorismo

Adorei a experiência, a responsabilidade coletiva pela empresa, pelo negócio, pelas pessoas, e o desafio comercial de vender e gerar negócio. O empreendedorismo dá-nos a oportunidade de sairmos da nossa zona de conforto e aprendermos a ser comerciais em tudo aquilo que fazemos, de assumirmos outro nível de responsabilidade para com o projeto porque o negócio depende de nós. Mas normalmente são projetos que demoram tempo até ganhar dimensão e têm alguma falta de estrutura — o que para algumas pessoas é ótimo, porque vivem mais felizes nessa fluidez, mas para mim não. Preciso de alguma estrutura.

A certa altura, achei que era muito nova para ficar pelo empreendedorismo senti falta de passar por uma grande empresa. Pensei: “Preciso de me completar enquanto profissional e ganhar algum estofo noutras dimensões, o que só consigo se for para o mundo corporativo maior e depois, quem sabe, voltar ao empreendedorismo com outra robustez e confiança”.

Na primavera de 2003 surgiu essa oportunidade através de um convite para me juntar à PT Multimédia. Custou-me deixar os meus sócios, porque era um projeto nosso. Senti-me um pouco culpada por “saltar fora”, mas achei que era a decisão certa.

O percurso nas Telecom

Fui para a PT Multimédia criar a direção de Marketing Estratégico, uma área transversal, que acaba por dar impulso a projetos estratégicos e de transformação do negócio. Foi uma direção que nasceu e cresceu comigo. Mais tarde, transitou para uma das pessoas que eu tinha recrutado e eu fui agarrar o negócio e a gestão do serviço de televisão. Os anos de PT Multimédia deram o pontapé de saída àquilo que foi uma longa etapa de telecoms e foram determinantes para a minha passagem para a MEO — um dos grandes projetos da minha vida.

Após o marketing estratégico assumi a gestão do serviço de televisão da PT Multimédia/TVCabo. Aí adquiri know-how valioso em gestão de uma base de clientes alargada, gestão de portefólio, ‘pricing’, estratégia comercial e estratégia e negociação de conteúdos – uma experiência que me foi muito útil quando em 2007 passei para a PT.

Na PT tivemos a oportunidade única de, a partir de uma folha em branco, desenhar um serviço de televisão altamente transformador do panorama televisivo em Portugal. Passámos a ter mais de 200 canais, a poder parar a emissão, gravar, andar para trás, ver em HD e ter conteúdos on demand. Trouxemos para Portugal dezenas de canais, como o Fox Life, Fox Movies, Fox Crime, Axn Black, Axn White e o Baby TV. Aliás, eu estava grávida do meu 2º filho quando fui à televisão defender o Baby TV, porque ainda era um pouco controverso.

Naturalmente havia alguma preocupação com o incentivo que o canal dava a sentar um bebé em frente a uma televisão, mas o BabyTV trazia precisamente a oportunidade de apenas expor os bebés a conteúdos especialmente pensados para eles, com cores mais suaves, ritmos mais tranquilos. Também criámos outros canais que me deram imenso gozo, como o Benfica TV, a CMTV, o SIC Kids, o Biggs, o TVI 24. Estive na génese de tudo isto, com os parceiros, claro. Foi uma grande obra, feita por uma equipa extraordinária, e ter a oportunidade de fazer parte disso foi fantástico.

A entrada na Fox

A MEO tinha nascido no final de 2007 e no verão de 2013, apesar de eu achar que podia continuar a evoluir, já tinha atingido o seu primeiro patamar de maturidade. Começava a apetecer-me sentir outra vez aquela energia de um desafio. A oportunidade surgiu nesse verão, em Washington, numa reunião com o presidente da Fox na Europa. Segui o meu instinto e quis pôr-me à prova. Fui para a Fox onde, alavancando sobre a experiência do outro lado da barricada, fui liderar a relação comercial com os operadores do Sul da Europa.

Fiquei responsável pela atividade comercial com Portugal, Espanha, Grécia, Turquia e África, ou seja, pela relação do Fox Networks Group com as operadoras nesses países. Este lugar permitiu-me fazer uma transição mais fácil para um novo sector que, embora esteja no universo das telecoms, é diferente. Em pouco mais de seis meses tinha aprendido muita coisa sobre operação de canais de televisão: programação, desenho de grelhas, negociação, produção de conteúdos, venda de publicidade.

Após 6 meses, o presidente propôs-me ficar com as operações de Portugal e Espanha — dois territórios relevantes no portefólio europeu da Fox. Foi um desafio que me entusiasmou imenso, pois permitiu-me abraçar todo o negócio, e não apenas a vertente comercial. Na mesma altura passei a integrar o leadership team da Europa, para poder dar inputs a outros níveis sobre a operação europeia. A FOX foi a oportunidade de me afirmar num plano internacional, e isso foi um desafio importante para mim.

O que aprendi com os espanhóis

Aprendi com os espanhóis a garra, a confiança e a autoestima. Eles têm uma característica ótima: entram sempre na sala de cabeça levantada. São confiantes diante de qualquer desafio. Ao longo dos quatro anos que estive na FOX, qualquer desafio que eu fizesse às minhas equipas em Espanha, tinha sempre a mesma resposta: “Vamos!”. Depois logo se via como vencer os obstáculos.

Há episódios curiosos que traduzem esta confiança. Por exemplo na elaboração do plano anual, que incluía sempre uma página com os principais incrementos ao plano e os riscos do mesmo, apenas o documento espanhol começava sempre pelos incrementos, porque em todos os outros escritórios o mesmo slide começava pelos riscos.

O convite inesperado, e irrecusável, de António Mexia

Quando recebi o convite do Dr. António Mexia, aceitei imediatamente. Desta vez não surgiu numa conversa casual, como os outros convites que me fizeram mudar de emprego, até porque não nos conhecíamos.

Tive três motivações-chave para, ao fim de quase 20 anos de carreira, tomar a decisão de deixar o sector das telecomunicações e dos media e mudar para o sector da energia.

A primeira foi a de integrar a liderança de uma grande empresa, que, para além de ser uma multinacional, tem ADN português e uma equipa extraordinária. Motivou-me imenso integrar essa equipa e participar na gestão e na visão da EDP. Foi também a oportunidade de integrar o Conselho de Administração de uma empresa cotada, o que traz uma aprendizagem enorme.

A segunda motivação foi a de participar numa das maiores transformações da atualidade, que é a revolução energética. Seja pelo desafio da descarbonização e da sustentabilidade, seja pela descentralização da produção, que se aproxima do consumo, seja pelo desafio da eletrificação da economia, o setor atravessa mudanças estruturais que impõem uma transformação profunda do negócio atual de uma ‘utility’. Este é, portanto, um momento único em que quero participar.

Por fim, esta mudança levou-me a saltar para algo muito diferente, uma coisa de que gosto muito e tem marcado o meu percurso.

Os principais desafios na EDP

A EDP representa o meu maior salto para fora da zona de conforto — um universo completamente diferente depois de 15 anos de telecom e media. Sendo um ramo novo para mim, é preciso conhecê-lo de forma aprofundada e detalhada, até porque tem temáticas muito específicas, é muito técnico, altamente regulado, e é preciso entender de forma profunda todas essas dimensões. Se há experiências passadas que eu posso aplicar aqui, há também uma questão fundamental, que é saber quando não as posso aplicar, porque o setor é muito diferente. Para me preparar, estive três meses focada em estudá-lo.

Tive a sorte e o privilégio de contar na EDP com uma equipa extraordinária, que não só me forneceu tudo o que eu precisava de ler como passou várias horas comigo, a explicar-me e a ensinar o que eu precisava de aprender.

Houve o cuidado, por parte da empresa, de entender que, se por um lado podia ganhar com a vinda de uma pessoa de fora do ramo, por outro isso iria exigir um esforço de todos. Um esforço meu, que tinha a obrigação de me preparar adequadamente, e um esforço da empresa e das equipas que cá estavam, no sentido de se disponibilizarem para me apoiar naquilo que eu precisava de absorver.

Aquilo que a empresa fez foi exemplar – valorizou a oportunidade de tirar partido de sangue novo e ideias novas, mas fê-lo da forma correta, dando-me a informação e o background de que eu precisava para depois poder aplicar a minha experiência.

Medo de não estar à altura, sim

Claro que estava receosa quando decidi ir para a EDP. Dentro do possível, agarrei-me a uma velha máxima: “Se estou aqui é porque sou capaz!”

O desaparecimento da minha mãe, que era uma figura absolutamente central na minha vida, moldou-me muito enquanto ser humano e mulher. Contribuiu para que me tornasse autónoma desde muito cedo e fosse aprendendo o “sim, eu sou capaz”.

O facto de ter mudado de rumo várias vezes ao longo da carreira, e de ter visto que era capaz de o fazer, ajudou-me a ganhar a confiança de que precisava perante um desafio da dimensão da EDP. O que não quer dizer que não tenha dúvidas, que não tenha inseguranças, que não tenha medo de falhar. Acho que é isso que nos empurra para a frente e nos permite ser sempre melhores.
O meu marido diz-me que não consigo estar quieta, no sentido de gostar de me desafiar, de estar sempre a aprender. Essa inquietude é algo que exige imenso de nós, mas também nos traz coisas boas.

Síndroma do impostor, não

Não acho que apenas as mulheres tenham medo ou falta de confiança quando fazem grandes mudanças de carreira. Quando se dá um desafio a um homem ou a uma mulher, é certo que ele diz mais facilmente “claro, sou capaz”, mas não quer dizer que não tenha inseguranças. Admito que todos tenhamos essas dúvidas, só que os homens guardam-nas para si porque foram educados a não as partilhar. Depois de gerações e gerações a ensinar ao homem que não pode dar parte de fraco e que a única opção que tem é ser capaz, e a ensinar à mulher que a parte fraca «até lhe fica bem», é natural que essa educação condicione a nossa reação perante os desafios.

Momentos-chave para chegar a um gabinete da EDP

O meu início de carreira foi importante, porque foi exigente e deu-me resiliência. Isto é como com os filhos: se os mimamos demais, eles não estão preparados para a vida. Eu não fui apaparicada no primeiro emprego, e isso foi muito bom para mim. Na Mercer passei pelas noitadas, pelas análises duras, pelos chefes exigentes, e isso preparou-me para a vida. Depois saí para fazer o MBA e de seguida passei pelo empreendedorismo, o que me deu uma visão clara sobre o quão difícil é vender e a importância de desenvolvermos uma dimensão comercial em tudo o que fazemos.

Também as aprendizagens que fiz com os diferentes chefes que tive ao longo da carreira foram importantes. Tive chefes extraordinários, uns que me despertaram para a importância de sermos obcecados com o detalhe, outros que me desafiaram a pensar sempre em grande, outros ainda que me ensinaram o respeito pelas pessoas, a importância de termos a noção de que sozinhos não somos nada.

Todos os momentos de viragem me marcaram muito porque fui consolidando a noção de que é importante tomarmos essas decisões de forma a escolhermos aquilo que nos faz felizes. Não segui um guião de carreira. As mudanças que fiz foram tipicamente definidas pelo que considerei, em cada momento, que me daria gozo fazer.

Crescer com diversidade

Cresci no meio da diversidade. Vivi com os meus pais em Abu Dhabi durante alguns anos e eles tinham muitos amigos estrangeiros. Estudei na Saint Dominic’s International School, uma escola internacional, com colegas de diferentes nacionalidades, diferentes culturas, o que me ensinou a valorizar as diferenças. Valorizo-a muito, no debate, no dia a dia. Essa foi uma das razões que me levou a querer trabalhar fora várias vezes ao longo da minha carreira.

O que penso da discriminação

A discriminação é uma realidade que salta à vista por todo o mundo, mas não necessariamente no nosso dia a dia em Portugal. Quando penso em discriminação de género, penso nos problemas gritantes da educação: menos de 40% dos países dão igualdade de educação aos rapazes e às raparigas e dos 750 milhões de adultos iletrados no mundo, 2/3 são mulheres; penso nos casamentos forçados em idade jovem e nos milhões de mulheres nessas situações. Esses são, para mim, os problemas, relevantes de discriminação. Na sociedade em que estou inserida, tenho consciência de algumas diferenças de oportunidades que se apresentam aos homens e às mulheres, mas que se têm vindo a atenuar e a equilibrar.

Sinto-me um ‘role model’ desde que sou mãe

Desde o dia em que fui mãe tenho noção de que sou um ‘role model’. Sou-o todos os dias para os meus filhos e, nas várias funções por onde fui passando, para os que trabalhavam comigo ou estiveram em contacto comigo. Não sou um ‘role model’ hoje, por estar na EDP, sou um role model pelos vários sítios por onde fui passando, porque penso sempre no exemplo que estou a dar. Essa é uma responsabilidade que eu carrego, tal como todos nós, no dia-a-dia, nas funções que desempenhamos.

Claro que a vinda para a EDP deu uma nova dimensão e aplicou uma nova lente sobre este tema, por ser uma mulher na administração de uma grande empresa numa altura em que se fala de quotas. Esse rótulo não é uma situação confortável. Não sinto, no dia-a-dia, que seja uma quota. Não é um tema no qual eu pense. Mas estou aqui, nesta altura, e por isso tenho de dar um bom exemplo. Ser uma das primeiras administradoras executivas na EDP encerra a responsabilidade de uma entrega tremenda, ao mais alto nível, mas também reconheço que servirá de exemplo para muitas pessoas. Porém, se eu não estiver à altura não terá feito sentido.

Não gosto de ter de voltar, sistematicamente, ao tema das quotas. É desconfortável. Mas acabo por participar nesse debate porque ele extravasa a minha situação pessoal e, portanto, sinto-me na responsabilidade de prestar a minha declaração, de dar o meu contributo e abordar o tema.

A mais-valia de ter mais mulheres nos ‘boards’

Mais mulheres nos Conselhos de Administração trazem a mais-valia da diversidade. Quando falo de diversidade, não consigo só falar de mais mulheres, falo de mais diversidade de experiências, de backgrounds. Eu represento não só uma mulher, mas uma mulher que veio de fora do setor, com um currículo diferente de quem cá está e acho que aporto tudo isso, e não só o facto de ser mulher.

No que diz respeito ao género, a grande mais valia que as mulheres trazem aos Conselhos de Administração é serem diferentes dos homens, porque as discussões serão tanto mais ricas quanto maior for a diversidade das pessoas que nelas participam.

Uma das medidas mais eficazes para que mais mulheres cheguem ao topo é darmos visibilidade a histórias de sucesso. Isto é valioso para as empresas, porque podem sentir-se motivadas, inspiradas a aumentarem a diversidade, e é valioso para as outras gestoras, porque se sentirão inspiradas e motivadas para fazerem o mesmo caminho e verem que é possível chegar a estes lugares. Também é valioso para as jovens que estão a iniciar uma carreira e que devem ter, desde o primeiro momento, a ambição de chegarem longe. Não devem começar a corrida a pensar que não vai ser para elas. Se não chegarem lá porque não querem, já é uma opção pessoal válida.

Liderar não é uma característica, é uma responsabilidade

Nunca me vi como uma líder e não acho que tenha alguma característica ou virtude que façam de mim uma líder. Simplesmente, ao longo da minha carreira, à medida que ia tendo mais responsabilidades, fui tomando consciência da necessidade de liderar como mais uma tarefa das funções que me eram dadas. Ou seja, não há algo em mim que me defina como líder, mas, pelas funções que ocupo, tenho a responsabilidade de o fazer, tal como em casa tenho a responsabilidade de liderar os meus filhos. É algo que se vai consolidando todos os dias.

Mentores, não tive. Trabalhei com pessoas extraordinárias, sejam chefias ou colegas, que ao longo da vida me foram dando ótimos exemplos de liderança, e eu fui-me inspirando neles.

Na EDP tenho um chefe que é um líder extraordinário. Traz-me inspiração e procuro aplicar aquilo que vou aprendendo e vendo.

Como uma perfeccionista lida com o erro

Quando gostamos de arriscar, de experimentar, de inovar, errar faz parte do processo. Em áreas de inovação incentivamos muito ao erro, e eu já errei imensas vezes. Em cada erro procuro aprender, observando-o com atenção até perceber porque é que errei, para que não volte a acontecer.
Sendo uma pessoa altamente perfeccionista e exigente, não gosto de errar. Mas tenho aprendido duas coisas: a primeira é a partilhar e debater o erro até à exaustão; a segunda é a dormir sobre o assunto, Às vezes preciso de dormir várias vezes sobre o assunto até ele passar.

Os meus pontos fortes

Resiliência, porque nunca desisto. Exigência, acima de tudo comigo própria, o que tem sido positivo em todas as etapas da minha vida. E perceber que sozinha não sou nada e que o meu sucesso faz sempre parte de um todo, que é uma equipa. Ter esta noção faz com que consigamos extrair o melhor dos outros, saibamos respeitar aquilo com que cada um contribui e entendamos qual é o nosso lugar.

Pior decisão de carreira? Não tenho

Não me arrependo de nada do que fiz. Em todas as etapas fiz algo que me entusiasmou, me divertiu ou me interessou, com a qual aprendi, onde conheci pessoas extraordinárias, com quem me vou mantendo em contacto e com quem voltei a trabalhar mais tarde. Tudo o que fiz me deu tanto gozo que todas foram boas decisões.

O que mais gosto naquilo que faço

Das pessoas. De criar equipas e gerir pessoas. Deixei equipas extraordinárias na FOX — aliás, acho que foi esse um dos meus grandes projetos na empresa e foi conseguido.

Hoje, na EDP, também encontrei pessoas extraordinárias. Há uma qualidade técnica enorme no corpo da EDP e há também uma qualidade humana muito grande. É boa gente, e isso torna tudo mais fácil. Está a dar-me muito prazer gerir as equipas da área comercial da EDP. Também é ótimo ter de puxar pela cabeça e aprender sobre tantas matérias novas. Estou num sector novo para mim, numa função que implicou um salto para outro patamar, o que traz uma série de responsabilidades e dinâmicas novas que é preciso aprender.

Do que menos gosto

Não gosto de rever as atas. E, estando em vários conselhos, são muitas!

Listas em papel + tecnologia = organização eficaz

Acordo com o despertador, desligo-o e olho para o telemóvel para ver o que é que entrou. De tal modo que tive de comprar um segundo par de óculos para ter na mesa de cabeceira porque já não consigo ler sem eles. Como não funciono sem café, tomo o primeiro e depois respondo aos emails mais rápidos de tratar. De seguida, olho para a agenda para perceber como é o meu dia e faço uma to do list, identificando as prioridades. Vivo com papéis e ‘post-its’ por todo o lado. No final do dia revejo a lista, para ter a certeza de que fiz tudo. As listas são em papel, a tecnologia serve para enviar mensagens para mim ao longo do dia com as tarefas que tenho de colocar no papel.

A gestão do tempo

Os meus dias às vezes parecem um campo de batalha de The Walking Dead, mas divirto-me muito com o que faço e não sei viver de outra forma. Nos anos em que estive na Fox, a viver entre Madrid e Lisboa, aproveitava os aeroportos para comprar roupa, presentes, comida e flores; dependia da ajuda mágica do Facetime para dar explicações de matemática à distância aos miúdos e agradeci imenso aos grupos de Whatsapp, porque foi a forma de me manter em contacto com os meus amigos.

Com a vinda para a EDP, passei a estar mais tempo em Lisboa e isso representou uma melhoria importante na minha vida pessoal e no nosso equilíbrio familiar. Trabalho tantas ou mais horas do que trabalhava na FOX, mas tenho mais disponibilidade, porque passo menos tempo em aeroportos e aviões e porque estou em Lisboa, e isso faz muita diferença. Voltar todas as noites ao meu porto de abrigo, que é o meu marido e os meus filhos, é fundamental para o meu equilíbrio.

Manter o equilíbrio é difícil quando não se abre mão de ser uma mãe presente e uma companheira de vida num projeto familiar ambicioso, de ter tempo para os amigos e para nós próprios, tudo a par de uma carreira exigente. É crucial monitorar a nossa energia. É preciso conhecermo-nos bem para não excedermos os nossos limites. Acho que tenho vindo a melhorar isso ao longo dos anos. Quando sinto que estou a perder a força, que levei a coisa longe de mais, repriorizo.

Do que mais me orgulho

De ter tido a coragem de fazer o que gosto e de procurar o que me faz feliz, na minha dimensão pessoal e profissional.

Sucesso é…

Ser bem-sucedida é ser feliz, fazer uma coisa de que se gosta. E o sucesso não se mede pelo cargo que ocupamos no mundo corporativo. Tenho amigos que não escolheram o mesmo percurso que eu e acho que são ultra felizes e são para mim um role model.

Citação que me acompanha

“Do or do not. There is no try” [Faz ou não faças. Tentar não existe] Yoda, do Star Wars.

O que não se sabe sobre Vera Pinto Pereira

Não gosto de conduzir e o meu marido também não — estranho para quem acaba de fazer seis mil quilómetros.

Adoro pintar. A minha filha foi para Artes e morro de inveja. E adoro escrever. Um dia haverá mais tempo. Acho que tenho tantos anos pela frente que vai haver tempo para isso tudo. Não sei fazer nada na cozinha e o meu marido também não, por isso não se come muito bem lá em casa! Mas, como em tudo o resto, estou a aprender sempre que posso e a desafiar-me para fazer melhor.

Sou fanática por viagens. Este ano, eu, o meu marido e os nossos seis filhos percorremos os Estados Unidos de uma ponta à outra, em 20 dias, numa van de 12 lugares. Foi o máximo! Tenho uma cadela que adoro, a Ginja. Lá em casa são os meus, os teus e os nossos, sendo que o nosso é a Ginja!

O que diria à Vera Pinto Pereira no início da carreira

O conselho que daria a mim própria seria “tu és capaz”.

Conselho a uma jovem executiva

Deve ter a clara noção de que pode chegar onde quiser, não deve partir com a sensação de que tem limitações por ser mulher e por recear a conciliação da carreira com a vida familiar. A melhor coisa que me aconteceu na vida foi a maternidade. A minha família e o meu marido são as coisas melhores que eu tenho, não abdicaria de nada disso por uma carreira, mas também acho que tudo isso é compatível. O importante é procurar um parceiro de vida que tenha os mesmos valores e motivações. A maternidade é tão importante como a paternidade, a presença de uma mãe ou de um pai em casa é igualmente importante. Devemos estar disponíveis para partilhar esse espaço familiar com o homem, para eles também nos darem o espaço que precisamos para prosseguir uma carreira de sucesso. Portanto, acho que o conselho é “the sky is the limit” — o céu é o limite!

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