expresso.ptexpresso.pt - 16 nov. 00:04

Depoimento de Marie Yovanovitch é a “prova mais concreta e significativa de que há um caso muito forte contra Trump”

Depoimento de Marie Yovanovitch é a “prova mais concreta e significativa de que há um caso muito forte contra Trump”

A antiga embaixadora dos EUA na Ucrânia garantiu esta sexta-feira no Congresso que foi afastada de forma irregular e que ficou “horrorizada, devastada e em choque” ao ler a transcrição do polémico telefonema de Trump ao seu homólogo ucraniano. O depoimento de Marie Yovanovitch era dos mais aguardados, mas quão mais próximo de ser destituído está agora o Presidente norte-americano?

Se o depoimento desta sexta-feira da antiga embaixadora dos EUA na Ucrânia já era aguardado com grande expectativa, Donald Trump conseguiu atrair ainda mais as atenções sobre o assunto, ao publicar uma mensagem no Twitter, enquanto Marie Yovanovitch testemunhava no Congresso, a denegrir a sua carreira. “Em todos os lugares por onde passa correu mal. Começou mal na Somália, em que deu? A seguir na Ucrânia, onde o novo Presidente ucraniano falou mal dela no meu segundo telefonema para ele. O presidente do país tem o direito absoluto de nomear embaixadores.” Trump foi de imediato acusado por Adam B. Schiff, democrata da Califórnia, de tentar intimidar uma testemunha no decurso do processo de destituição, “algo que alguns de nós, aqui, levamos muito a sério”. A testemunha disse que sim, que se sentiu intimidada, ou que o tweet foi “muito intimidador”, e portanto não é certo que o caso não venha a ter consequências.

“Entrámos, a partir de hoje, numa fase particularmente grave deste processo”, avalia Germano Almeida, analista político, ao Expresso. “A estratégia republicana no Congresso era a de não atacar diretamente Yovanovitch, vista de forma bipartidária como uma diplomata respeitável”, diz, acrescentando que Elise Stefanik, uma das congressistas republicanas do Comité de Inteligência da Câmara dos Representantes, “foi clara na discordância em relação ao tweet do Presidente”. Que constitui, acrescenta, uma “clara tentativa de intimidação que “não pode ser relativizada ou minimizada” e que “revela o profundo desrespeito que o atual Presidente dos EUA tem pelos outros poderes, mostrando também como a sua estratégia de defesa passa apenas por desdenhar todo o processo que decorre no Congresso”.

“Tal como já tinha acontecido no Relatório Mueller, Trump tem passado, junto da sua base, a narrativa de que tudo o que possa estar a ser alegado contra si não passa de uma ‘caça às bruxas’, feita por ‘testemunhos falsos’. Visto de longe, parece um argumento básico e primário – mas incrivelmente, parece que resulta junto de uma fatia muito significativa da população americana”, acrescenta Germano Almeida, que antecipa que os próximos meses continuem a “ser marcados por uma espécie de ‘guerra civil ideológica’, entre quem acredita nas provas objetivas dos procedimentos legais e em quem prefere cair no canto de sereia populista e divisivo do atual Presidente.”

A congressista republicana Elise Stefanik não foi a única a demarcar-se da publicação no Twitter. Duas fontes próximas da campanha de Trump admitiram à CNN que o tweet de Trump a denegrir a carreira da antiga embaixadora dos EUA na Ucrânia tinha sido um “erro”. Uma das fontes disse, aliás, que tinha sido uma espécie de tiro no pé uma vez que tornou Marie Yovanovitch ainda mais “simpática” aos olhos da plateia. “Foi idiota ter partilhado aquela publicação. Os democratas ganharam o dia. Ela parece legitimamente preocupada”, afirmou a mesma fonte. Mas Trump não se mostrou preocupado quando, horas mais tarde, numa conferência na Casa Branca, se defendeu, invocando o direito à sua liberdade de expressão e afirmou que a audição, da qual admitiu “só ter visto um pouco”, foi considerada “uma piada em Washington e no resto do mundo”.

“Fiquei horrorizada, devastada, em choque”

Durante a audição, a antiga embaixadora dos EUA disse ter sido alvo de uma “campanha de difamação” montada por Trump com a ajuda de ucranianos, que levou ao seu afastamento repentino e “inexplicável” do cargo em maio deste ano. Rudolph W. Giuliani, advogado pessoal do Presidente norte-americano, terá desempenhado um papel muito importante neste processo (encarava-a como um obstáculo aos seus negócios na Ucrânia e ao objetivo de lançar suspeitas sobre o candidato democrata Joe Biden, conforme revelou a própria durante a audiência à porta fechada do dia 11 de outubro), coordenando-se com o então procurador-geral Iuri Lutsenko para afastá-la do cargo.

“Rudolph W. Giuliani tinha a obrigação de saber que todas essas informações a meu respeito eram suspeitas, precisamente por terem sido transmitidas por indivíduos com motivações questionáveis e razões de sobra para acreditar que as suas ambições políticas e económicas iriam ser travadas pelas nossas políticas anticorrupção”, afirmou Marie Yovanovitch.

Mas mais do que isso, incomodaram-na as palavras de Donald Trump no polémico telefonema que fez ao Presidente ucraniano, no dia 25 de julho, a pedir-lhe que a justiça de Kiev investigasse o ex-vice-presidente Joe Biden, telefonema esse que desencadeou o processo de destituição que está em curso movido pelos democratas. “Foi um momento horrível. Fiquei pálida ao ler a transcrição, disse-me uma pessoa que estava comigo. Tive uma reação muito física.” Nessa conversa, e segundo a transcrição divulgada pela Casa Branca, Trump ter-se-á referido à antiga embaixadora como “bad news” e garantido que iam “acontecer-lhe umas coisas” quando regressasse aos EUA. “Fiquei em choque”, disse ainda Yovanovitch, “devastada por saber que o Presidente dos EUA tinha falado daquela maneira sobre um embaixador com o chefe de Estado de outro país”. “Nem conseguia acreditar. Encarei aquelas palavras como uma ameaça.”

Embora comece por assinalar que “na era Trump já assistimos a um pouco de tudo e o grau de estranheza ou indignação começa a diminuir com o hábito”, Germano Almeida diz que “não pode passar incólume quando vemos uma diplomata americana reputada garantir que foi afastada de forma irregular do cargo de embaixadora dos EUA, que isso prejudicou os interesses americanos e que se sente ‘chocada e devastada’ pelo modo como foi mandada embora do posto que ocupava”.

De acordo com o analista político, a audição de Marie Yovanovitch no Congresso vem “reforçar a ideia dos ‘dois canais com a Ucrânia: o oficial, que estava vertido no Conceito Estratégico Nacional e previa ajuda militar à Ucrânia como tampão ao ressurgimento russo, identificado como uma das duas maiores ameaças à segurança nacional americano, a par da ascensão da China, e o ‘altamente irregular’”. “O primeiro estava a ser interpretado pelo complexo diplomático americano. Quanto ao segundo, estaria a ser ilegalmente desenvolvido por Rudy Giuliani, advogado pessoal do Presidente e sem qualquer credencial para falar em nome dos EUA, por não fazer parte da administração, e por Mick Mulvaney, chefe de gabinete do Presidente Trump.”

No depoimento desta sexta-feira, diz ainda Germano Almeida, “Marie Yovanovitch estranhou o papel de Giuliani no caso ucraniano e reforçou as críticas de William Taylor [embaixador interino dos EUA em Kiev e outra das testemunhas mais importantes do processo] às diligências paralelas que apontam para uma espécie de ‘diplomacia ilegítima na sombra’ que Trump terá pedido ao seu advogado para fazer com Kiev”. O depoimento da antiga embaixadora dos EUA na Ucrânia acaba assim por ser “a prova mais concreta e significativa, talvez a par do depoimento de William Taylor, de que há um caso muito forte contra o Presidente, que tem caminho para evoluir”. “O afastamento de Yovanovitch prejudicou os interesses americanos na Ucrânia e isso reforça a ideia de que o Presidente colocou, em todo este caso, os seus interesses pessoais acima do interesse nacional”, analisa.

Departamento de Estado norte-americano “está a degradar-se e isso terá consequências danosas”

Durante o seu depoimento, Marie Yovanovitch chamou ainda a atenção para a degradação da diplomacia norte-americana e o esvaziamento do Departamento de Estado pelo atual governo de Donald Trump. A antiga diplomata afirmou que “o fracasso” do secretário de Estado, Mike Pompeo, e outros dirigentes, em defendê-la e a outros diplomatas dos “ataques políticos de Trump e dos seus apoiantes teve um impacto profundamente negativo” sobre o Departamento de Estado.

“Continuo desapontada por a liderança do Departamento e outros terem recusado admitir que os ataques contra mim e outros são perigosamente errados. Mas isto vai muito para além de mim ou alguns indivíduos. A instituição está em crise, está a degradar-se, isso terá consequências danosas”, avisou a antiga embaixadora.

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