rr.sapo.ptOpinião de Francisco Sarsfield Cabral - 15 nov. 06:30

​Interrogações sobre a Alemanha

​Interrogações sobre a Alemanha

Os alemães ainda não se libertaram da saudade pelo marco. Deveriam reconhecer que o euro tem beneficiado a Alemanha. E que é do seu interesse e do interesse dos seus parceiros na UE que o investimento público alemão cresça.

Numa altura em que a União Europeia irá, em princípio, perder um Estado membro de peso, o Reino Unido, seria de esperar que a Alemanha assumisse com clareza o papel de líder europeu. No entanto, a Alemanha hesita, adia, promete e tarda a cumprir.

Começando por um facto positivo: contra o que muitos previam, a economia alemã afinal não entrou em recessão entre julho e setembro. Neste trimestre o PIB da Alemanha cresceu 0,3% face ao trimestre anterior e 0,5% em relação ao terceiro trimestre de 2018. No segundo trimestre deste ano o PIB alemão tinha baixado, em termos homólogos, 0,2%.

Esperava-se que a quase estagnação da economia alemã levasse a uma política orçamental germânica menos dominada pelo imperativo, auto imposto, de ter contas públicas sempre com excedentes. Várias vozes alemãs recomendaram um maior investimento público. Mas nada de significativo se concretizou, até agora, nesse sentido.

Na questão da união bancária europeia, que Berlim tem recusado completar com o seguro europeu de depósitos bancários, surgiu o ministro alemão das Finanças, o socialista Olaf Scholz, a defender que se negoceie esse seguro. Se tal proposta visa iniciar uma negociação séria, ainda bem. Mas o ponto de partida de Scholz é recheado de tantas condições restritivas que, tal como está, a proposta parece inaceitável.

Aliás, a coligação governamental da CDU com o SPD pode cair em breve, se este último partido decidir abandoná-la. Por outro lado, Merkel já não é líder da CDU e o seu peso político tem caído. Falta um governo forte em Berlim.

Mais importante do que a conjuntura económica alemã e as dificuldades políticas em Berlim é, creio, uma certa saudade do marco alemão, mais ou menos consciente, na opinião pública germânica. Helmuth Kohl apostou na moeda única europeia para amarrar o seu país à UE e responder aos receios que uma Alemanha reunificada suscitava em Paris e Londres. Mas nunca submeteu a referendo a decisão de a Alemanha ser país fundador do euro – não era certo que o ganhasse. Repare-se que o partido de extrema-direita, o AfD, começou por ser contra o euro.

Ora o euro tem beneficiado a economia alemã, como Martin Wolf mostrou no “Financial Times”. A moeda única estabilizou a economia alemã, apesar dos enormes excedentes externos da RFA. Neste país, nota M. Wolf, o investimento é fraco e as poupanças excessivas. Nesse quadro, graças ao euro a Alemanha manteve-se competitiva internacionalmente; o câmbio do marco alemão, se não tivesse desaparecido, ter-se-ia valorizado muito, assim afetando a competitividade das exportações do país.

Falta é a maioria da opinião pública alemã reconhecer estas realidades e ajudar a sua economia e a dos seus parceiros na UE, favorecendo políticas orçamentais menos restritivas.

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