rr.sapo.ptrr.sapo.pt - 15 nov. 16:35

Há um ano sem apoios, a família de Vanessa vive à espera do despejo iminente

Há um ano sem apoios, a família de Vanessa vive à espera do despejo iminente

Em novembro de 2018, a Renascença acompanhou o drama de uma mãe em situação de habitação ilegal na cidade de Lisboa. Passados 12 meses, Vanessa não encontrou uma instituição que a ajudasse nem quaisquer apoios sociais e vive ainda mais abaixo do limiar da pobreza. Este domingo assinala-se o Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco.

Há um ano, Vanessa recebeu a carta que mais temia. O senhorio não pretendia renovar o contrato para poder vender o imóvel por 130 mil euros. Se Vanessa não o quisesse comprar, teria de deixar a casa no dia 31 de janeiro de 2019.

No mesmo mês, a mãe solteira de uma criança de cinco anos e de um adolescente de 16, juntamente com outras mães em risco de despejo, recorreu à Câmara de Lisboa no âmbito do apoio à habitação, mas a resposta, que não tardou em chegar, nada fez pela sua esperança: "Pela pontuação calculada [da candidatura], não se vislumbra a possibilidade de nos tempos mais próximos lhe ser atribuído um fogo municipal.”

Após um ano de luta, a esperança desapareceu do rosto desta mãe de 31 anos. Continua a pagar a renda e a viver no mesmo T1 em Xabregas, com os dois filhos e um despejo prestes a bater-lhe à porta.

“Não há uma entidade que me ajude. Nem Segurança Social, nem a Santa Casa, Câmara de Lisboa, nada. Não me ajudam em nada, nem me perguntam. Mais depressa vocês [Renascença], ao fim de um ano, me procuraram do que qualquer pessoa que sabe da minha situação”, diz com tristeza e revolta.

Como consequência da ameaça de despejo, a mãe de dois começou a ter ataques de pânico. Uma baixa médica, que se acumula com um empréstimo que pediu para liquidar um outro empréstimo, reduziram-lhe drasticamente o rendimento e colocaram-na ainda mais abaixo do limiar da pobreza.

“Gostava de perceber os critérios para ter uma habitação social. É despedir-me? Requerer o rendimento mínimo? Eu quero pagar a renda e quero continuar a trabalhar”, diz Vanessa, que dispõe de um rendimento mensal que varia entre os 300 e os 635 euros, sem qualquer ajuda dos pais dos dois filhos.

Segundo o Observatório Nacional de Luta Contra a Pobreza (ONLCP), está em situação de risco de pobreza quem usufrui de um rendimento inferior a 5 607€ anuais (467€ mensais).

No caso de Vanessa, por ter uma criança e um adolescente a seu cargo, seriam precisos 841€ por mês para estar acima do limiar da pobreza.

É uma família que vem de um ciclo de exclusão. A mãe de Vanessa criou sozinha os quatro filhos e apenas conseguiu apoio para a habitação dez anos depois de ter recorrido à Câmara de Lisboa.

Decorrente desta situação precária de habitação, o filho mais velho de Vanessa deixou de ir à escola. “Diz-me que não consegue estar nas aulas e que tem a cabeça noutro sítio. Está abalado. Já deixou de ir às aulas e eu não sei o que mais posso fazer."

Mulheres e crianças mais vulneráveis à pobreza

Em 2018, 21.9% das crianças e jovens com menos de 18 anos estavam em situação de pobreza ou exclusão social e 19% estavam em risco de pobreza monetária.

Joaquina Madeira, membro da direção da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), explica à Renascença que a população mais envelhecida tem sido abrangida por algumas políticas de combate à pobreza, mas assume que “a situação das crianças não tem vindo a melhorar por via do baixo nível de rendimento dos pais”.

“Assistiu-se a um aumento da precariedade e de trabalhadores a receber o salário mínimo nacional”, explica a antiga presidente da Associação dos Profissionais de Serviço Social. "Estes fatores que atingem as famílias atingem diretamente as crianças."

A EAPN tem vindo a discutir, em conjunto com os deputados e com o Governo, uma estratégia nacional de combate à pobreza, com vista a atender às necessidades das populações por região e não a nível nacional.

“Na cidade, as questões das crianças são mais críticas do que no meio rural, que de certa maneira tem um ambiente mais protetor e com rendimentos mais ajustados às suas necessidades, porque há uma economia de subsistência associada", alerta Joaquina Madeira. "Nas grandes cidades, as crianças devem ser uma prioridade absoluta.”

Apesar da redução do risco de pobreza ser transversal a homens e mulheres, a população feminina continua mais exposta à pobreza. Em 2017 houve uma redução da taxa, mas esta foi superior na população masculina, evidenciando o aumento das desigualdades de género nesta dimensão da vulnerabilidade em Portugal.

Das 486 famílias apoiadas pelo Projeto Família, do Movimento Defesa da Vida, 35% são monoparentais femininas e apenas 3% são masculinas, denunciando a fragilidade e sobrecarga das mulheres em ambiente familiar.

Arrendatários são os mais expostos à exclusão social

Com a entrada em vigor, a 1 de outubro, da primeira Lei de Bases da Habitação em Portugal, o Estado deve ser “o garante do direito à habitação".

Joaquina Madeira alerta que a habitação tem sido “o parente pobre das políticas públicas”, um dos principais fatores que leva crianças e jovens a ficarem mais expostos a situações de exclusão social. “Há uma relação muito direta entre uma casa condigna, com espaço para estudar, em condições de proteção e salubridade, e o sucesso escolar.”

"O Estado é o garante do direito à habitação", lê-se no diploma da primeira Lei de Bases da Habitação, indicando que "todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar".

A ONLCP alerta para a vulnerabilidade dos arrendatários à pobreza e à exclusão social. Os portugueses que arrendam casa têm uma taxa de sobrecarga calculada em 25%. Os proprietários com crédito à habitação têm uma sobrecarga abaixo dos 5%. Contudo, o acesso a um empréstimo para comprar casa não está acessível a todos.

“Se a pessoa não reúne as condições de confiança para os bancos, não tem acesso a um bem que está à disposição da sociedade, colocando-a em exclusão social” e empurrando a família para um ciclo de pobreza, explica Joaquina Madeira.

“É para isso que servem as políticas públicas, para que uma pessoa que não está totalmente excluída da sociedade, porque trabalha e até tem capacidade de pagar uma renda baixa, mas que não tem acesso aos bens que a levem a fazer mobilidade social. Nesse caso, o Estado tem de entrar para dar igual acesso aos recursos e aos bens da sociedade”, remata.

Em 2017 houve um aumento de rendimentos da população residente em Portugal, levando a que o rendimento mediano tenha sido o mais elevado registado pelo Observatório. Contudo, Portugal permanece entre os países da União Europeia com rendimentos medianos mais baixos.

Em Portugal, é necessário estar entre os 40% mais ricos da população para ficar acima dos 20% mais pobres da União Europeia.

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