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Chumbar ou não chumbar, eis a questão

Chumbar ou não chumbar, eis a questão

Eu que de vez em quando leio imprensa internacional vejo que Portugal continua a fazer omeletas sem ovos em quase tudo, até na educação, e é a BBC que nos dá créditos, temos que estar orgulhosos e continuar a meter inveja aos outros.

Confesso-vos, a bem da verdade, que estava aqui sossegado com os meus botões a pensar nos últimos grandes desafios da nação e desígnios do grande povo português, e eis que surge a notícia de que vão proibir os chumbos até ao 9.º ano. Garanto-vos que não foi por querer, mas provavelmente por influência da minha vizinha deu-me aquela gana para cuscar as opiniões dos meus conterrâneos, e lá comecei a ler. Li a indignação do Manel, que escrevia que esta medida era uma vergonha, fui ver o perfil dele e era capaz de apostar convosco que chumbou pelo menos três vezes. Depois, apareceu o comentário do Joaquim Jorge, “Sixto Kmça a BIRAR moda e Bai pa frente, o país nunka mais s alebanta. Ca Bergonha”. Nem precisei de ver o perfil do Joaquim Jorge para perceber que também ele deve ter chumbado umas três vezes já depois de ter completado 18 anos.

Ainda li mais alguns comentários, mas entretanto decidi reflectir sobre as motivações que levaram os meus compatriotas, que foram alvo de chumbos (provavelmente vários), a mostrarem-se contra a abolição das retenções até ao 9.º ano. Pensei bastante e tive dificuldade em encontrar um argumento racional, até que me veio à memória, fez-se luz. E aqui vai a minha melhor explicação. O Manel e o Joaquim Jorge estão indignados com este ataque vil à população portuguesa, uma das recordistas de chumbos entre os países da Europa. Já não existe orgulho patriótico. 

É ainda preciso lembrar que esta é uma medida necessária. Eu que de vez em quando leio imprensa internacional vejo que Portugal continua a fazer omeletas sem ovos em quase tudo, até na educação, e é a BBC que nos dá créditos, temos que estar orgulhosos e continuar a meter inveja aos outros. Claro que há sempre aquelas instituições estrangeiras ranhosas, como a OCDE, que vêm dizer que temos uma população docente envelhecida e espeta com Portugal no fundo da tabela dos países com piores percentagens de conclusão do ensino secundário. Mas esta perseguição deve-se ao facto de estamos sempre atrasados, porque chumbar os estudantes é uma medida ilegal em vários países e há muito tempo. Temos que mudar a mentalidade do nosso povo e aproveitar estes bons ventos da educação.

Claro que mudar mentalidades é difícil, ainda por cima quando há encarregados de educação que insistem em caluniar as escolas públicas, quando todos sabemos que as escolas públicas nunca estiveram tão bem e apetrechadas, bem melhor do que no tempo do Salazar e tomara o meu avô escrever em papel e não em lousa.

Claro que isto traz chatices e até perdemos amigos, ainda no outro dia o meu amigo Ricardo pediu-me para assinar uma petição: “Em resposta à falta de assistentes operacionais nas escolas – pela segurança das nossas crianças”, e eu que já ando farto destes pais que não têm nada que se intrometer nos assuntos das escolas, disse-lhe: ouve lá, a Associação de Pais da Escola Básica de Gervide também ganhou o orçamento participativo em 2017 para o recreio da escola (10 mil euros) e continua tudo na mesma, e ainda na semana passada fui levar a minha filha à escola e estavam duas salas inundadas, além disso o aquecimento não funciona e o Inverno está à porta. Mas vocês nunca estão satisfeitos. Lá porque há uma escola ou duas, ou três, que têm problemas, não quer dizer que seja em todo o lado, em todo o país.

E, acrescentei, antigamente os encarregados de educação não se metiam em nada, agora andam sempre com estas coisas. Daqui a pouco até vão exigir que as crianças ou jovens com necessidades de saúde especiais sejam acompanhadas por técnicos superiores de educação e por equipas multidisciplinares, como manda o Decreto-Lei n.º 54/2018. O que importa é ter pessoas bem-intencionadas, se são tarefeiros, se é alguém que recebe o rendimento social de inserção e veio para a escola através de um contrato de emprego inserção, ou se é alguém que vem cumprir trabalho comunitário, isso não interessa. Qualquer pessoa sabe educar.

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Este povo tem que se convencer de uma vez por todas que o que se escreve é uma coisa, agora se se coloca em prática ou não, isso é outra coisa bem diferente. É andar para a frente, se há condições ou não, não interessa, o que é preciso é tomar medidas ou prescrever medicamentos.

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