expresso.ptexpresso.pt - 15 nov. 19:05

Mind the Vote #4. ‘Free internet for all’ e uma acusação de “quase corrupção” de Farage aos conservadores

Mind the Vote #4. ‘Free internet for all’ e uma acusação de “quase corrupção” de Farage aos conservadores

Ao quarto dia de campanha falou-se finalmente mais de políticas do que política. Reativar linhas de caminhos-de-ferro foi a proposta dos conservadores, já os trabalhistas querem dar internet como serviço público

Somos obrigados a discordar, talvez pela primeira vez em muitas edições, de uma das grandes referências da imprensa britânica, a revista “New Statesman”. Então não é que, na newsletter diária que envia aos seus leitores sobre as eleições que se avizinham, o jornalista John Elledge vaticinou que esta campanha será “uma grande seca”?

Não é o caso, na nossa humilde análise. E vamos já expor os nossos argumentos: uma campanha em que se promete Internet para toda a gente como se de acesso a uma urgência hospitalar se tratasse, em que Boris Johnson muda a sua agenda de campanha de uma padaria para outra na mesma localidade mas com menos potencial para apupos do povo; em que o líder do Partido do Brexit, Nigel Farage, acusa os conservadores de andarem a tentar aliciar os seus candidatos com promessas de carreiras em locais de altíssimo gabarito se desistirem de concorrer em certos círculos eleitorais; e em que a líder dos liberais-democratas, Jo Swinson, anuncia aos ventos que prefere continuar numa sucessão de eleições gerais a deixar Corbyn ou Johnson governar, não entra na nossa definição de “boring”.

Pelo menos um dos supracitados episódios é sério, se não mesmo os dois últimos. Basta olharmos para Espanha para entender que uma sucessão de eleições não é panaceia para o amotinamento popular. Será que é preciso votar até os incompetentes dos eleitores escolherem a cor que mais convém a certas alas do fundamentalismo europeísta? Que alguém salve o Reino Unido precisamente do contrário: uma subida acentuada do voto populista que se sente atrofiado pelo domínio das elites. Pergunta-se: se as eleições são a nossa voz, porque a calam depois de falarmos? É uma discussão legítima.

Sobre a febre das alianças, as facadas nas costas dos liberais-democratas ao Partido Trabalhista e vice-versa e sobre como esses jogos prejudicam a relação dos cidadãos com a política, é preciso ler Rafael Behr, colunista do diário “The Guardian”, que coloca dedos em feridas como poucos. Diz a certo ponto, falando da fixação dos liberais-democratas com os pactos pré-eleitorais “antiBrexit”: “Esta ambição por um pacto eleitoral vem da crença de que estas eleições são um referendo disfarçado e que os eleitores têm de entrar na senda do ‘leave’ ou do ‘remain’ antes de poderem ser deixados à solta numa sala com urnas. Mas não é assim que as pessoas veem as coisas [...]. Para algumas, as prioridades são locais, ou então é a criminalidade ou o Serviço Nacional de Saúde”.

Passemos aos detalhes. O primeiro-ministro faltou a um ato de campanha em Glastonbury por ter sabido que estava montada uma manifestação contra o Governo à porta da padaria onde tinha pensado fazer o turno da manhã servindo pão aos potenciais eleitores. Mas enquanto este pão cozinhava, outro fermentava.

Na reta final do prazo para a apresentação de candidatos aos vários círculos eleitorais, vários nomes do Partido do Brexit começaram, alegadamente, a ser contactados pelos conservadores para abdicarem de concorrer em certas localidades, deixando o caminho livre aos homens e mulheres de Johnson. Ora, Nigel Farage já tinha oferecido um “get out of jail card” ao permitir que 317 conservadores concorram sem oposição à direita (os dos círculos onde o partido de Johnson venceu nas últimas eleições, em 2017).

Pelos vistos os conservadores queriam mais e resolveram oferecer empregos em troca de mais desistências dos candidatos do Partido do Brexit - “quase corrupção”, foi a análise de Farage. Ann Widdecombe, eurodeputada pelo Partido do Brexit, foi uma das contactadas, segundo fontes do partido que falaram com o “Guardian”. A Widdecombe, que concorre por Plymouth Sutton e Devonport, foi prometida uma posição da equipa de negociadores pós-Brexit a ser montada pelo Governo. Mike Greene, candidato em Peterborough, iria ficar com uma posição no Ministério da Educação.

Do outro lado do espectro, “Free internet for all” foi o grande momento do Labour até agora. Os trabalhistas prometeram que, se vencerem as eleições, vão pôr em marcha um plano para levar fibra ótica - também conhecida como aquele tipo de Internet que permite descarregar um filme em 50 segundos - a todas as casas e empresas do país. Isto porque o partido de Jeremy Corbyn pensa mesmo que a Internet deve ser um serviço público e há dezenas de argumentos que justificam esta posição - desde logo, a desigualdade que cria entre estudantes ou desempregados quando uns lhe têm acesso permanente e outros não.

O plano trabalhista passa por nacionalizar o braço da British Telecommunications (BT) que detém a pasta da expansão da fibra ótica no país, a BT Outreach. O custo de levar Internet rápida a todo o território britânico está estimado em 15 mil milhões de libras (18 mil milhões de euros), que Corbyn pretende pagar com o aumento do limite do endividamento. Como compensação aos acionistas da BT Outreach, vai propor ações do Tesouro. Depois de estabelecida a estrutura, porém, será preciso mantê-la: um valor anual que pode chegar aos 230 milhões de libras (268 milhões de euros) e que o Labour espera conseguir aumentando os impostos sobre as gigantes tecnológicas: Amazon, Google, Facebook, etc.

Johnson descreveu a medida como “esquema insano comunista”, como os conservadores já tinham feito quando Ed Miliband, líder dos trabalhistas antes de Corbyn, prometeu impor um tecto máximo nas contas de eletricidade - apenas para dois anos depois adotarem a medida.

Foto do dia Boris Johnson visitou uma fábrica de rebuçados em forma de cilindro conhecidos como “rock” por serem bastante duros e que se fabricam tradicionalmente nas zonas costeiras do Reino Unido. Este pedaço diz no fim: “Back Boris”, ou “apoiem o Boris”, e aqui o primeiro-ministro parece estar a usar um pedaço como um charuto. A visita desta sexta-feira foi a Blackpool, no noroeste de Inglaterra, onde 68% das pessoas votaram para sair da UE. Uma reportagem recente da BBC na cidade mostra que os habitantes têm como primeira preocupação, mais do que a economia ou os serviços públicos, o Brexit.

Boris Johnson visitou uma fábrica de rebuçados em forma de cilindro conhecidos como “rock” por serem bastante duros e que se fabricam tradicionalmente nas zonas costeiras do Reino Unido. Este pedaço diz no fim: “Back Boris”, ou “apoiem o Boris”, e aqui o primeiro-ministro parece estar a usar um pedaço como um charuto. A visita desta sexta-feira foi a Blackpool, no noroeste de Inglaterra, onde 68% das pessoas votaram para sair da UE. Uma reportagem recente da BBC na cidade mostra que os habitantes têm como primeira preocupação, mais do que a economia ou os serviços públicos, o Brexit.

FRANK AUGSTEIN

A frase

"O Parlamento é como uma artéria bloqueada no coração da política britânica", disse Boris Johnson num dia em que também teceu alguns dos mais duros comentários na campanha sobre o Partido Trabalhista e o seu líder, Jeremy Corbyn.

Uma história fora do radar

Até parece que os designers ao serviço dos trabalhistas receberam instruções para reduzirem a presença do líder nos próprios materiais promocionais do partido. Segundo uma análise do Financial Times”, só pode ter sido esse o caso. O rosto de Jeremy Corbyn aparece apenas em 62 dos 865 panfletos, newsletters e outros materiais distribuídos pelo Labour. Em contrapartida, Corbyn aparece em 322 dos 760 panfletos conservadores. Boris Johnson aparece em 308 cartazes e outros materiais conservadores. A popularidade de Corbyn não é o ponto forte dos trabalhistas. Uma sondagem da Ipsos MORI revelou que os níveis de satisfação do público com o aspirante a primeiro-ministro são menos de 60%, com apenas 17% dos inquiridos a responderem que confiam no trabalho que Corbyn está a fazer.

Naftalina eleitoral

Um dos grandes nomes da política mundial, Winston Churchill, não votou na eleição que o destituiu da chefia de Governo. Dadas as enormes movimentações internas no Reino Unido durante a II Grande Guerra, tornou-se impossível manter os cadernos eleitorais atualizados. Quando Churchill convocou as eleições de 1945, os cartões de racionamento de comida serviram como base para o registo eleitoral. Por algum imbróglio administrativo, o próprio Churchill não foi incluído neste novo sistema e viu-se impedido de votar. O trabalhista Clement Attlee venceu essas legislativas, as primeiras que os conservadores perderam desde 1906. E o herói da II Guerra Mundial passou à oposição (recuperaria o poder nas eleições de 1951).

Sondagem do dia

A maioria dos eleitores britânicos apoia a manutenção da liberdade de movimento dentro da UE depois do Brexit, de acordo com uma pesquisa do instituto YouGov que pode representar um problema para os conservadores se decidirem basear a sua campanha nos temas de imigração. São 56% os eleitores que querem manter o livre-trânsito e apenas 28% se lhe opõem. Os restantes não sabem ou não respondem.

Saído do manifesto

Para não ficarem atrás no capítulo da inclusão, os conservadores prometeram reabrir as linhas ferroviárias fechadas pelos cortes do início dos anos 60 e voltar a unir pequenas localidades que já não têm estações de comboio. Tanto o Labour como os Tories tiveram um dia não de ananases, que essa expressão queirosiana não se utiliza assim tantas vezes no Reino Unido (o clima não permite), mas de infraestruturas. O plano de trabalhista envolve nacionalização e gestão pública (que o pa��s não adora) e o plano dos conservadores é muito, mas muito mais caro do que querem admitir. O especialista em ferrovias Gareth Dennis escreveu no Twitter que os 500 milhões de libras (584 milhões de euros) que os conservadores dizem que o projeto vai custar serviriam apenas para reabrir “cerca de 40 quilómetros da linha”.

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