ionline.sapo.ptCarlos Gouveia Martins - 14 nov. 09:24

750 euros

750 euros

Infelizmente, Portugal é um país de baixos salários. É um facto. Dentro desse triste quadro, o nosso SMN se for medido em paridade de poder de compra está, comparando desde logo com os “vizinhos do lado”, cerca de 20% abaixo do salário mínimo de Espanha.

O Governo apresentou a ambição de aumentar o salário mínimo nacional (SMN) para 750 euros até ao final da atual legislatura. 750. Falamos de uma subida de 600 para 750 euros. Ao nível da ambição é curto e quem mais ganha é o Estado.

Há várias pequenas-grandes coisas a analisar.

Até a Eslovénia tem valores acima de Portugal neste cálculo. É um medidor que demonstra muita coisa.

Para enquadrar o SMN temos de saber de quem falamos. Segundo dados oficiais do Governo português, podemos afirmar que o número de trabalhadores a auferirem o SMN tem vindo a diminuir nos últimos anos mas, mesmo assim, temos sensivelmente 760 mil portugueses a auferir 600€ por mês. Cerca de 22,5% da população portuguesa vive com o rendimento mínimo estabelecido pelo Estado através do Decreto-Lei 117/2018.

O SMN não é, nem pode ser, o principal indicador de qualidade de vida (embora seja aquele que é a maior referência e que afeta outros salários como o indexante). Como principal indicador de qualidade de vida económico apenas podemos olhar para o Salário Médio. E neste campeonato não estamos famosos.

Portugal tem o segundo SMN mais próximo do Salário Médio da União Europeia. É mais por “culpa” de um Salário Médio baixo do que propriamente de um SMN sobejamente elevado.

É através do salário médio que se mede a qualidade de matéria-prima dos recursos humanos das Empresas. Os melhores quadros, académicos ou técnicos, são fixados pelo salário médio e não pelo SMN. Por isso, em primeiro lugar, não podemos deixar que o SMN se aproxime demasiado do Salário Médio porque esse é o caminho que retira estímulo à valorização individual.

Para além disso, mas mesmo muito importante para sairmos da eterna “bolha” em que todos vivemos, o SMN não é uma política uniforme na Europa e muito menos no mundo. Há vários países que nem sequer possuem este regime pois entendem que o Estado ao fixar um SMN está a distorcer o equilíbrio de Mercado e, administrativamente, a nivelar por baixo todos os rendimentos.

Como com exemplos é sempre mais fácil, temos a Suíça que nestes anos quis fixar em 3.500 francos suíços o valor de salário mínimo mensal mas viu a medida ser rejeitada pela sua própria população com uns retumbantes 78% de votos contra. Anos antes, em 2014, aquele que foi inclusive considerado o «salário mínimo mais alto do mundo», a rondar os 4.000 francos suíços (3.672€) também foi declinado pelos suíços.

Para além deste pequeno país, com forte comunidade lusitana, tão bem conhecido pelos bons relógios e chocolates temos outros países a pensar de igual forma sobre salários mínimos. A Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia e Islândia que nem querem discutir: Não há salário mínimo e nunca foi discutido de forma estruturada e séria nos países nórdicos. Mas, nas mesmas condições, há ainda o Chipe, a Áustria, Liechtenstein ou o Principado do Mónaco… não querem.

Uma curiosidade que então fica: É precisamente nos países em que o rendimento dependente do trabalho anual é maior que o conceito de SMN não existe.

Mas há quem esteja nos antípodas destes países ao nível de pensamento económico. A Polónia propõe mesmo um aumento que pode ser considerado pornográfico para o SMN porque o seu Primeiro-ministro, Mateusz Morawieczki, assumiu a ambição de aumentar o SMN dos polacos em 78% nos próximos quatro anos. 78% em 4 anos é obra.

Seja António Costa com os 750€ ou Mateusz Morawieczki com os 78%, certo é que os salários estão a ocupar um lugar central na discussão política de vários países e nos últimos 12 meses são vários os Estados que aumentaram e ajustaram os seus SMN. Vejamos quais: Andorra, Arménia, Bielorrússia, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Holanda, Polónia, República Checa, Rússia, Sérvia e Turquia sem esquecer Portugal que tinha aumentado em 20€ o salário mínimo desde 1 de janeiro de 2019.

Uma nota política sobre estes aumentos. Após a compressão que todos estes países viveram (incluindo Portugal, claro), em função da forte crise económica, a subida dos SMN coabitou com uma natural recuperação das respetivas economias a que aliou positivamente a criação de emprego. Há, portanto, um “contexto internacional” de subida de rendimento mínimo e que, em Portugal, António Costa aproveita e dá continuidade plena à sua estratégia política (já esgotada na anterior legislatura) assente na agenda de recuperação de rendimentos. Assim, de forma manifestamente competente ao nível da comunicação assente na estratégia política, o Primeiro-ministro português lança uma nova agenda para “agarrar” ou “prender” as esquerdas políticas sem desagradar vincadamente os partidos mais à direita: o aumento do SMN.  

No entanto, sobre esta matéria, a importância não deve estar focada na esquerda ou na direita: É nos empresários e nas Empresas pois é aqui que se mantém e cria emprego.

Falamos de um país assente em Micro, Pequenas e Médias Empresas em que o SMN abrange perto de 20% do seu total de trabalhadores. SMN, esse, que teve uma subida de 45% nos últimos oito anos.

Depois de falar de esquerdas e direitas temos de ver o “centro”. Esse centro e foco desta economia tem de estar na valorização de quem trabalha. Nesse prisma, e para evitar que a fixação política de salários influencie negativamente a política salarial de toda uma Empresa devemos primar por uma evolução dos salários que acompanhe a evolução da produtividade total.

Mas, posto isto, com os 750€ de SMN quem ganha mesmo o quê?

Quem ganha em maior escala é o próprio Estado. De forma clara e inequívoca, o Estado verá aumentar a receita fiscal e as contribuições para a Segurança Social.

Mas e o trabalhador que realmente aufere os 600€ hoje e irá, em 2023, auferir 750€? Esse irá ver o seu ordenado líquido aumentar de 534€ para 605€, mais 71€ na carteira.

E à Empresa deste trabalhador, o que acontece? Os custos com o aumento do SMN passam de 743€ para 928€, são mais 186€ de custo.

Sobre a TSU e o IRS, passam de 209€ para 323€. Assim o Estado fica com mais 115€ neste aumento e fica objetivamente com mais dinheiro na Segurança Social.

Deste prisma económico, juntando a fraca estrutura pela proximidade entre o SMN e o salário médio, podemos afirmar que há outras fórmulas de melhoras as condições de quem trabalha.

No entanto, concordo que 600€ ou mesmo 750€ não são valores que deem condições mínimas de dignidade a quem vive face aos seus custos mensais fixos. Quem paga casa - própria ou arrendada -, a luz, a água, a alimentação, as telecomunicações e os legítimos subterfúgios mundanos a que cada um deveria ter direito: A prenda à esposa, ao filho, ao pai ou à mãe. Levar a família a jantar. Pagar o cinema. Ver o seu clube em que modalidade for. O Teatro. Museus. Comprar um bom livro. E nem estamos a falar de poupar algum dinheiro para os filhos, ou simples poupanças até para quando a saúde “pedir” despesa. Pois é. Não chega.

Sei que são muitos os que o dizem e eu limito-me a concordar: 750€ não é suficiente.

Mas é preciso ser precisos nos aumentos e ser estruturados na balança económica. Não basta querer e fazer sem pensar muito. Recordando o infortúnio económico da última bancarrota, uma distribuição de rendimentos que exceda a produção traduz-se sempre em desequilíbrio externo com maior importação de bens de consumo (onde se canaliza o aumento do rendimento). Para os mais distraídos, relembro que teremos uma balança negativa em 2019…

Mas, sobre balanças e contas, é óbvio: Devíamos somar mais para as Empresas, dobrar a conta da carteira dos trabalhadores e multiplicar os rendimentos para as famílias.

Os nossos baixos salários são a evidência da nossa baixa produtividade e é aí que nos deveríamos focar. Devíamos, fundamentalmente, ter um programa de reformas que olhasse para o aumento da nossa competitividade e zelar pela evolução competente dos salários em função da produtividade.

Há um caminho se assim for. Assim teríamos um aumento generalizado de salários e não só o aumento do SMN.

Carlos Gouveia Martins

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