ionline.sapo.ptCarlos Zorrinho - 14 nov. 09:18

A descolagem de Trump

A descolagem de Trump

O risco da posição de Trump é a corrosão dos mecanismos de implementação do Acordo de Paris.

É oficial. Desde o dia 4 de novembro, a ameaça de Donald Trump de retirar os Estados Unidos da América do Acordo de Paris transformou-se em realidade e aquela grande potência global deixou de ser signatária de um acordo cujo objetivo central é limitar o aquecimento global bem abaixo de 2 oC em relação aos níveis pré-industriais, colocando esforços para que esse aumento não exceda 1,5 oC.

Embora mitigado pelo facto de muitos Estados, cidades e empresas situadas no território americano continuarem a subscrever o acordo, esta decisão tem um forte impacto simbólico e coloca uma questão-chave à UE e a todas as outras grandes potências globais, mesmo que muitas delas também continuem a arrastar os pés em relação aos avanços concretos na implementação da agenda do acordo.

A escolha é simples. Seguem a tentação imediatista de seguir Trump para conseguirem alguns ganhos imediatos de competitividade económica e esquecem o impacto brutal que essa decisão terá em todo o sistema produtivo e de vida em sociedade, ou, em alternativa, descolam de Trump para se colocarem, ainda que com alguns sacrifícios imediatos, num outro patamar que a médio e longo prazo será o único viável.

No plano dos discursos, parece não haver dúvidas quanto ao grande predomínio que terá a segunda opção. Em resposta à decisão de Trump, França e China acordaram reforçar a sua cooperação pelo clima e pela descarbonização. A Rússia, uma das mais retardatárias, assinou o acordo recentemente. À exceção das recorrentes ameaças de Bolsonaro, a declaração de Trump não parece ter gerado nenhum efeito de contágio nos discursos oficiais dos vários Governos.

Mais preocupante, no entanto, que o impacto nos discursos oficiais, cada vez mais condicionados, e bem, pela crescente tomada de consciência dos desafios climáticos pelas populações em todo o mundo e, em particular, pelas gerações mais novas, o risco da posição de Trump é a corrosão dos mecanismos concretos de implementação e a cobertura moral que alguns tenderão a aproveitar para não levarem os seus esforços até onde seria necessário e possível.

Num momento em que as organizações científicas independentes como, por exemplo, o Climate Action Tracker, identificam uma clara insuficiência no cumprimento das metas do Acordo de Paris, não apenas nos Estados Unidos, mas também na União Europeia e em mais de 90% do planeta, a esperança que nos resta é que o arrufo de Trump gere uma revolta para a ação e que a sua descolagem do Acordo de Paris faça também descolar o mundo para a concretização da agenda com que se comprometeram mais de 96% dos países que o compõem.

A próxima Cimeira do Clima (COP25), que os distúrbios no Chile obrigaram a transferir de Santiago para Madrid e que decorrerá na capital espanhola de 2 a 13 de dezembro, será uma das últimas oportunidades para a comunidade global apanhar a carruagem do futuro sustentável, apostando na redução de emissões, no combate às desigualdades e na transição justa para uma sociedade decente. Se alguém perder o comboio, que seja Trump e o seu séquito.

Eurodeputado

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