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Revisitações e transformações à volta do Barroco

Revisitações e transformações à volta do Barroco

“À Volta do Barroco”, diferentes programas levaram ao mesmo palco dois dos agrupamentos residentes da Casa da Música.

No domingo, a Orquestra Barroca Casa da Música (OBCdM) e o Remix Ensemble (RE) estiveram até sentados lado a lado, alternando peças da Arte da Fuga, de Johann Sebastian Bach, interpretadas pelo primeiro, com as respectivas “transformações” elaboradas pelo alemão Johannes Schöllhorn (1962), na interpretação do RE.

Huw Daniel & Orquestra Barroca Casa da Música

Orquestra Barroca Casa da Música
Huw Daniel, violino e direcção
Porto, Casa da Música – Sala Suggia
Domingo, 10 de Novembro, 18h00
Música de J. S. Bach
Sala quase cheia

Seja pelo facto de o compositor não ter notado uma instrumentação específica para a obra, ou pela genialidade desta que é por muitos tida como a opus magnum de Bach, a Arte da Fuga tem sido alvo de inúmeras revisitações — meras orquestrações ou, como é o caso desta de Schöllhorn, transformações mais livres.

Remix Ensemble Casa da Música
Peter Rundel, direcção
4,5 estrelas
Porto, Casa da Música – Sala Suggia
Domingo, 10 de Novembro, 18h00
Música de J. Schöllhorn
Sala quase cheia

Resultou muito bem essa fórmula de alternância, pondo em evidência não só o ponto de partida e a transformação, mas ainda a distinta sonoridade dos próprios agrupamentos. Se Schöllhorn usou diferentes combinações tímbricas nas suas peças, também a OBCdM se moveu entre o solo de cravo, com que interpretou o Canon in Hypodiapason (a encerrar a sua prestação), e um tutti com seis violinos, duas violas, dois violoncelos, contrabaixo, dois oboés, fagote e cravo/órgão, passando por um convincente duo de violino e violoncelo e outras formações menos pequenas. Destacou-se o violinista Huw Daniel (bem apoiado por Reyes Gallardo), muito seguro e versátil, apesar da heterogeneidade dos violinos, por vezes quase desencontrados.

Não foi a primeira vez que o RE e o maestro Peter Rundel trabalharam com Johannes Schöllhorn (compositor que estudou, entre outros, com o saudoso Emmanuel Nunes). Esta mesma obra — que reúne lentíssimas evocações do contraponto e retratos esfumados a revisitações quase dançantes — foi por eles gravada, estando disponível num óptimo registo da etiqueta Printemps des Arts de Monte Carlo.

Orquestra Barroca Casa da Música
Huw Daniel, violino e direcção
4 estrelas
Porto, Casa da Música – Sala Suggia
Terça-feira, 12 de Novembro, 19h30
Obras de Vivaldi, Purcell, Pachelbel, Wassenaer, Blow e Bach
Sala 3/4

Já na terça-feira, a “parceria” entre a OBCdM e o RE traduziu-se em pouco mais do que a utilização de um único ingresso para os dois concertos consecutivos. Na primeira (longa) parte, a OBCdM (numa formação de cordas e cravo/órgão) apresentou um programa variado, começando pelo Concerto para quatro violinos e violoncelo em Ré Maior, op. 3 nº1 RV 549, de Vivaldi. Logo aqui, foi notória a energia (por vezes excessiva) de alguns violinos, cujo vigor originou algum desajuste na afinação. Não foi o caso da Fantazia, Three parts upon a ground em Ré Maior Z 731, de Purcell, ela própria povoada de estranhas harmonias dissonantes. Uma leitura enérgica e veloz do famosíssimo Cânone de Pachelbel (com Giga) foi uma séria demonstração de como se pode fugir ao trivial, tornando interessante o que já mal concebe sem banalidade. Uma breve Chaconne de John Blow permeou as duas obras de maior formação que pareceram melhor ensaiadas: o Concerto II em Si bemol maior (de IV Concerti Armonici), de Unico Wilhelm van Wassenaer, e o Concerto Brandeburguês nº 3 em Sol Maior BWV 1048, de J. S. Bach (esta última sentindo-se um pouco do tal vigor exagerado em alguns violinos). Também nessa tarde, Huw Daniel sobressaiu pela segurança e riqueza da sua interpretação.

Após um intervalo, o RE faria a estreia absoluta de uma encomenda da Casa da Música a Pedro Lima (1994) — jovem compositor em residência — e debater-se-ia com a complexidade de Conlon Nancarrow, na estreia nacional de uma orquestração de Yvar Mikhashoff.  

Remix Ensemble Casa da Música
Peter Rundel, direcção
5 estrelas
Porto, Casa da Música – Sala Suggia
Terça-feira, 12 de Novembro, 19h30
Obras de Lima e Nancarrow/Mikhashoff
Sala 3/4

Não constituindo grande novidade, a peça de Pedro Lima exibiu a energia de um jovem um tanto irreverente, ainda em descoberta e deslumbrado com o mundo que habita. Nada pretensiosa, essa energia traduziu-se por uma electrónica que remete para o imaginário de bandas sonoras — com uma voz narradora e sons envolventes bem misturados — ela própria envolvendo um cenário instrumental que encaixa na memória como maioritariamente forte e com muita homorritmia bem articulada.

Antes de iniciar a interpretação dos cinco Estudos orquestrados de Conlon Nancarrow, Peter Rundel pegou no microfone para dedicar aquele enorme desafio musical ao violinista do RE cujo trabalho se traduziu em rigor e dedicação, ao longo dos últimos anos, e que agora se despede do agrupamento onde cresceu e que ajudou a crescer: José Pereira. A reinterpretação de Yvar Mikhashoff dos mirabolantes estudos (números 1, 30, 12, 6 e 7) permitiu um novo entendimento (mas quantos será possível extrair?) das potenciais linhas inscritas nas densas obras de Nancarrow. 

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