rr.sapo.ptOpinião de José Miguel Sardica - 13 nov. 06:33

​Recordações do Muro de Berlim

​Recordações do Muro de Berlim

O Muro caiu há 30 anos. Eu tinha, em 1989, mais ou menos a mesma idade que a maioria dos meus alunos tem hoje. Assisti, portanto, à transição da bipolaridade da Guerra Fria.

Os alunos das minhas disciplinas de História Contemporânea que frequentam os cursos de Comunicação Social, Ciência Política e Relações Internacionais pertencem todos à geração dos chamados “millenials”, jovens para quem o Muro de Berlim, a existência de duas Alemanhas (com as siglas RFA e RDA), e o poder da extinta URSS são relíquias históricas. Sabem quem foi Gorbachov, mas raros identificam Erich Honecker ou Egon Krenz. Conhecem a Gestapo, porque era nazi, mas ignoram, na maioria, o que foi a Stasi, o diminutivo que designava a antiga polícia da Alemanha de Leste.

É frequente afirmarem que o Muro foi construído em 1945, logo após a Guerra (e não em 1961), e têm de olhar para o mapa com atenção para perceberam que a Berlim dividida ficava na RDA e que, portanto, havia um pedaço de terra livre (os setores ocidentais da cidade), encravado num país que Moscovo comandava à distância.

Todavia, não lhes escapa o caráter icónico das imagens daquela noite de 9 de novembro de 1989, e dias seguintes, com milhares de jovens escalando e demolindo a velha barreira de cimento grafitada que, durante 28 anos, dividiu, como uma ferida aberta (a do confronto entre a democracia e o comunismo), a cidade mártir de Berlim, microcosmo físico por excelência da Guerra Fria. E ficam, por norma, impressionados quando lhes mostro o discurso de Ronald Reagan na Porta de Brandemburgo, em 1987, pedindo a Gorbachov que deitasse o Muro abaixo, surpreendidos quando lhes lembro como a música de Bruce Springsteen, de David Bowie ou dos U2 contribuiu militantemente para aquele desfecho, e divertidos quando lhes conto como, afinal, tudo aquilo se passou de forma quase acidental, por causa de uma desastrada conferência de imprensa de Günter Schabowsky, o secretário-geral do Partido Comunista da RDA, na tarde de 9 de novembro de 1989, respondendo, sem mandato para tal, que as travessias fronteiriças entre as duas Alemanhas seriam abertas “imediatamente”.

O Muro caiu há 30 anos. Eu tinha, em 1989, mais ou menos a mesma idade que a maioria dos meus alunos tem hoje. Assisti, portanto, à transição da bipolaridade da Guerra Fria, um mundo mais arrumado, mas muito menos livre, para a época que se lhe seguiu – primeiro, o tempo da unipolaridade triunfalista dos EUA, nos anos 1990, depois o de uma multipolaridade crescentemente confusa e tensa, desde 2001 em diante, num cenário onde mais povos têm liberdade, mas onde a desarrumação e incerteza por muitos modos ameaçam velhas e novas liberdades. Vivem os jovens, hoje, num mundo melhor do que o que existia quando eu fui jovem? Eis a pergunta que mais apetece fazer, mas para a qual não há, de facto, uma resposta unívoca. Da política à sociedade, da economia à tecnologia, do ambiente às mentalidades, a Europa mudou muito, e mudou ainda mais o globo – neste mundo do século XXI que é já pós-europeu, a caminho de ser talvez pós-americano, definitivamente asiático (chinês) e com enormes enigmas como a Rússia (em forma) de Putin…

Em 2009, num livro dedicado à queda do Império Soviético por todo o Leste da Europa (Berlim incluída), Victor Sebestyen escreveu que “quando o Muro de Berlim caiu, alguns comentadores especializados deixaram-se entusiasmar e anunciaram o fim da História e de futuros conflitos ideológicos [...] Todo um estilo de vida e forma de encarar a realidade – o comunismo de inspiração marxista, leninista e estalinista – tinha ficado exposto como uma experiência abominavelmente fracassada”. Em 2019, subscrevo a segunda parte da citação; sabemos, porém, que a primeira parte não passou de “wishful thinking”.

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