ionline.sapo.ptCarlos Carreiras - 13 nov. 09:13

O Estado social local: ninguém pode ficar para trás

O Estado social local: ninguém pode ficar para trás

É para os governos municipais que os cidadãos hoje se viram. É dos seus representantes que esperam obter respostas concretas para problemas concretos.

As autarquias portuguesas investem menos do que devem em políticas sociais, quando comparadas com as suas congéneres europeias. Cito de cor o título de uma notícia que já tem uns dias e que fazia referência ao Anuário Financeiro dos Municípios.

Pior do que nós, só as cidades italianas. Se a memória não me falha, o texto colocava nos 7% a dotação orçamental média afetada pelos municípios às despesas sociais.

Há justificações óbvias para que tal aconteça e a peça é clara a apontar a maior centralização financeira como uma das causas para o menor investimento em políticas sociais.

É preciso dizer, porém, que até um relógio parado dá as horas certas duas vezes ao dia. Este anuário não faz jus ao papel crucial das autarquias na coesão e na redução de assimetrias.

A memória em política é um bem precioso. Em defesa do municipalismo, talvez a mais funcional e mais permanente conquista de Abril de 1974, é legítimo dizer que as câmaras portuguesas são um pilar fundamental do Estado social em Portugal.

São a primeira e, muitas vezes, a única linha de defesa dos cidadãos contra a precariedade e a injustiça. São a rede que os impede de cair na desumanidade.

Este papel das autarquias como pilar do “Estado-previdência” não é de hoje.

Tem origens históricas. Mas acentuou-se muito no período de intervenção externa, nos anos de chumbo da bancarrota socialista. Num país sem dinheiro para salários, abonos, subsídios de desemprego, numa sociedade despida de armadura para o choque da troika, foram as câmaras e o terceiro setor e, neste, as instituições religiosas, em especial as ligadas à Igreja Católica, o verdadeiro Estado social em Portugal.

Com o apoio possível de um Estado central muito debilitado, elas travaram o tsunami social que vivemos durante a emergência financeira.

Com liderança e coragem do Governo de então, com esforço e abnegação dos portugueses, o país venceu as dificuldades.

Com a mudança de Governo, em 2015, foi prometida uma mudança de página aos portugueses. A página mudou? Mudou, mas carregou ainda mais sobre os municípios. O Estado continuou a não cumprir a Lei das Finanças Locais. O Governo continuou a não cumprir com uma verdadeira lei da descentralização. Os serviços públicos foram descapitalizados como nunca. Resultado? As câmaras têm às costas um fardo ainda maior, tendo de fazer mais com menos recursos e menos autonomia.

E é sobre eles que exercem pressão diária e escrutínio permanente. Não é por acaso que, localmente, os pequenos partidos extremistas tenham menor expressão do que no palco nacional.

A leitura é evidente: como o poder local dá respostas a problemas concretos, o voto antissistema ou é inútil ou é expressão de uma franja altamente politizada e com sonhos revolucionários. Por serem tampão aos problemas sociais, as câmaras são a primeira barreira de proteção democrática.

Mais uma vez orgulho-me de liderar uma câmara e uma equipa que está a construir um modelo de Estado social local do futuro.

Que Estado é esse? É um modelo de Estado que tem mais autonomia na saúde e na educação pública. Que tem uma palavra a dizer na habitação. E que é parceiro nas questões de segurança e proteção civil.

É, também, um Estado que dá respostas sociais. Uma entidade solidária.

Anualmente, o orçamento municipal direciona cerca de 20 milhões de euros para as políticas de ação social, que chegam a milhares de pessoas e são operacionalizadas por 4681 profissionais e 107 entidades. Esse é um dos segredos da boa gestão municipal. Não acreditamos na autossuficiência do poder político. E, por isso, somamos a nossa determinação à daqueles que melhor conhecem os cascalenses e as suas necessidades: as instituições do terceiro setor.

Temos uma abordagem holística das respostas necessárias.

Somos um Estado local que diz presente na criação de soluções de creche, com mais de 350 vagas anuais apoiadas.

Dizemos presente no apoio às famílias, com programas de apoio psicológico, bancos do bebé, lojas solidárias, e gabinetes de aconselhamento financeiro. A tarifa social de água beneficia 2114 famílias e nove mil pessoas têm apoio alimentar.

Dizemos presente no combate à violência. Não pactuamos com os prevaricadores, sobretudo os que estão dentro de casa.

Dizemos presente no reforço da dignidade dos sem-abrigo. Tirámos pessoas da rua nos últimos dois anos, gente que hoje tem uma habitação. E outras abandonaram essa condição de forma permanente.

Somos um Estado local que luta pela inclusão. Direcionámos um milhão de euros em dois anos à integração de pessoas com deficiência no mercado laboral e eliminámos barreiras sociais. Estamos a construir lares/residências assistidas para cidadãos deficientes – com a CERCICA e o CRID, um investimento de mais de 8 milhões de euros. A nossa missão é a de garantir que todos os pais tenham o conforto de saber que os seus filhos terão sempre quem olhe por eles.

Somos um Estado local que entende a terceira idade como o maior desafio das cidades. Se as pessoas vivem mais, é dever do Estado garantir que vivam melhor. Canalizamos mais de 1,3 milhões de euros para a rede de cuidadores.

E, como não podia deixar de ser, fazemos um investimento claro nas infraestruturas de suporte das nossas políticas sociais. Um novo lar em Alcabideche, um novo complexo social na Abóboda, um novo Centro de Dia da ASIA na Amoreira e o novo Centro de Dia da Parede.

Vivo num mundo que já não é aquele em que nasci. Esse, já não existe. Como político eleito, o meu mandato não é reconstituir o passado. É antecipar o futuro. Em Cascais estamos a erguer um Estado social local que dá respostas não aos problemas do mundo de ontem, mas aos desafios do mundo de amanhã.

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira

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