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A doce campa do tempo

A doce campa do tempo

O tempo parece simples: passado; presente (esse presenteia-nos pouco, fixamo-nos mais na certeza enganadora do que foi e na esperança de algo que não existe, o futuro); e o mais difuso dos tempos, o que acontecerá. Ou talvez não - Opinião , Sábado.
O tempo é a única coisa que não temos tempo para pensar. Não é só o tempo subjectivo, como os dias distendidos, desesperantes, da espera dos resultados de um exame do qual pode depender a vida ou a morte (no espectro da morte, a subjectividade do tempo pouco importa). E o tempo ínfimo mas eterno, que emolduramos, do momento do beijo da primeira paixão na adolescência. Ou o longuíssimo tempo na educação de um filho – um dia, ele há-de desiludir-nos, e nós a ele; mas temos tempo para isso. O tempo parece simples. Passado. Presente (esse presenteia-nos pouco; fixamo-nos mais na certeza enganadora do que foi e na esperança de algo que não existe, o futuro). E o mais difuso dos tempos, o que acontecerá. Ou talvez não.

No próximo dia 16 de Novembro – os dias são medidas finas e ténues que inventámos a partir de uma rotação completa da Terra sobre si mesma –, na Aula Magna, Lisboa, um dos sete mil milhões de humanos que melhor pensa sobre o tempo irá falar-nos das numerosas cronologias do cosmos, das partículas e da saudade que sentimos de umas e outras, mesmo sem o sabermos. Carlo Rovelli é um físico italiano obcecado pelas camadas da (in)temporalidade. É autor de A Ordem do Tempo (Objectiva, 2018), grande livro sobre verdades enormes. Ele sabe que o Mal é do reino da ética, mas reconhece que o tempo é o mal maior: incomoda e corrói tudo o resto, até o conceito de corrosão.

Rovelli trabalha no domínio da gravidade quântica, essa tentativa um pouco vaidosa de uma Teoria de Tudo. Acontece que ao nível muito pequeno, o das partículas fundamentais, o princípio da causalidade não existe. O tempo está suspenso: não é possível saber em simultâneo a posição e a velocidade de nada (em termos nano, até o nada é relativo). Já na caldeira arrefecida do Universo, a Teoria da Relatividade confirma que o tempo está ligado ao espaço como um berlinde numa colcha. Quanto mais depressa nos movemos, mais devagar passa o tempo.

Quanto mais perto estamos de um objecto com grande massa, mais depressa o tempo passa. Entre o pequeníssimo e o incomensurável, resta a nossa percepção do tempo. É a medida de criaturas demasiado finitas e defeituosas para o colossal fluxo de energia que as rodeia. E chegamos ao segredo sem resposta: para além da sensação que dele temos, haverá tempo?

Santos e ... 
A partir de uma crónica do escritor Philip Hoare, Abel Coentrão assina um bom texto no Público sobre um estudo, publicado em Setembro na revista do FMI, onde se alerta para o possível papel decisivo das... baleias na inversão da tendência do aquecimento global. Pela sua actividade diária e pelo contributo para o aumento de
fitoplâncton, cada crustáceo gigante retém 33 toneladas de dióxido de carbono ao longo de 60 anos de vida. Caso conseguíssemos repor os níveis populacionais anteriores à baleação em massa dos últimos 250 anos (5 milhões de baleias contra os 1,3 milhões de 2019), reporíamos a capacidade de fixação de CO2 de quatro Amazónias. Até Herman Melville aplaudiria.

... Pecadores
 67 minutos e 25 segundos. Foi o tempo que João Mário, o mais banal e inconsequente jogador da história da seleção nacional de futebol (não me estou a esquecer de Festa ou de Paulinho Santos) esteve em campo na derrota frente à Ucrânia. A insistência do selecionador na criatura roça os mais lodosos poços da psicanálise. Será o instinto paternal pela incontinência táctica? Se há futebolistas capazes de driblar 11 adversários numa cabine telefónica, João Mário é a cabine telefónica. A sua presença em campo é tão subtil como um pinheiro e tão constante como um pedregulho. O ex-sportinguista é um enigma, um mistério, a raiz quadrada de zero. Lá o teremos no Euro 2020.

Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico capa Assine já a Sábado digital por 1 euro para ler este artigo no ePaper ou encontre-o nas bancas a 17 de outubro de 2019.
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