ionline.sapo.ptLuís Menezes Leitão - 22 out. 10:28

A actual injustiça do regime de previdência social dos advogados

A actual injustiça do regime de previdência social dos advogados

No caso dos advogados e dos solicitadores, o princípio da capacidade contributiva a que estão sujeitas as contribuições para a previdência social não está a ser respeitado.

As contribuições para a previdência social têm natureza parafiscal, sendo mesmo qualificadas como impostos por grande parte da doutrina, devendo por isso estar sujeitas ao princípio da capacidade contributiva. No caso dos advogados e dos solicitadores, esse princípio não está, porém, a ser respeitado, o que se agravou com o actual regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), aprovado pelo decreto-lei 119/2015, de 29 de Junho.

Segundo explica o preâmbulo desse diploma, “a CPAS realizou um estudo detalhado à esperança de vida da sua população em 2010, tendo resultado desse exercício que a população de advogados e solicitadores inscritos na CPAS tem uma expectativa de vida superior em 11 % à da população portuguesa”, o que fundamentou o aumento brutal das contribuições dos beneficiários. Ninguém viu alguma vez esse estudo, mas tal serviu de justificação para o Governo de então ter aprovado um regime draconiano de contribuições mínimas para a previdência, que tem vindo sucessivamente a agravar-se.

Assim, no regime anterior, os advogados e solicitadores eram sujeitos a uma contribuição mínima para a previdência de 17% sobre dois salários mínimos. No novo regime estabeleceu-se a sucessiva elevação dessas contribuições para 19% em 2017, 21% em 2018, 23% em 2019 e 24% em 2020. Como o valor do salário mínimo foi sendo sucessivamente elevado, o montante mínimo das contribuições para a previdência subiu exponencialmente, tendo atingido o valor insustentável de 242 euros em 2018.

A gravidade da situação levou o Governo a intervir, levando a que o regulamento da CPAS viesse a ser revisto pelo decreto-lei 116/2008, de 21 de Dezembro. Esse diploma terminou com a indexação ao salário mínimo nacional, que foi substituída por um indexante contributivo de 581,9 euros, actualizável em função da inflação (art.o 4.o). O diploma fixou, no entanto, desde logo para 2019 um desconto a esse indexante de -14%, o que permitiu que a tributação mínima dos advogados baixasse para 230,2 euros em 2019, a primeira descida em muitos anos.

Sucede, porém, que o diploma não prevê a manutenção desse desconto nos anos subsequentes, estabelecendo que o mesmo depende de proposta da CPAS ao Governo, após pronúncia favorável do seu conselho geral (art.o 5.o, n.os 2 e 3). Perante a inexistência de inflação, e a não actualização da remuneração dos advogados no acesso ao direito há mais de 15 anos, esperar-se-ia que a CPAS propusesse um desconto que permitisse, pelo menos, manter o valor que vigorou em 2019. Mas a CPAS, mesmo depois de ter recentemente obtido a isenção de IRC por parte do Governo, que melhora consideravelmente a sua sustentabilidade, pretende que esse desconto passe em 2020 a ser apenas de -10%, o que fará subir o valor da contribuição mínima para 251,38 euros, um valor ainda mais elevado do que aquele que existia em 2018. Em relação a 2019, a subida da contribuição mínima é de quase 10%, um aumento absurdo num ano em que não houve inflação.

Os advogados podem, assim, vir a ser sujeitos, para poderem exercer a sua actividade, a uma contribuição mínima para a previdência de valor elevadíssimo, que não tem qualquer semelhança com outras profissões e que é absolutamente insustentável para a maioria dos profissionais. Ora, a Lei Geral Tributária refere expressamente que os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva (art.o 4.o, n.o 1) e que a tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade (art.o 7.o, n.o 3). É manifesto que estes princípios não são respeitados pelo actual regime da previdência dos advogados e solicitadores.

É por isso que defendemos uma profunda reforma do regime da previdência dos advogados e solicitadores, que permita a diversificação das suas fontes de financiamento, como antigamente sucedia com a procuradoria, e termine com estas contribuições mínimas de valor insustentável. Mas é urgente evitar desde já a subida proposta das contribuições para 2020. Se o conselho geral da CPAS não conseguir evitar esta subida, é dever do Governo e da Ordem dos Advogados impedir esta enorme injustiça, que pode afectar de modo tão gravoso a situação da esmagadora maioria dos advogados no próximo ano.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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