expresso.ptexpresso.pt - 19 out. 23:07

Três cartas a pedir um adiamento e seu contrário

Três cartas a pedir um adiamento e seu contrário

Boris Johnson cumpriu a lei e pediu à União Europeia para adiar o Brexit. Mas também explicou que não queria mais tempo e que o melhor é o Reino Unido sair a 31 de outubro

A carta chegou a Bruxelas este sábado à noite, como manda a lei. Pede o adiamento do Brexit até 31 de janeiro de 2020, como manda a lei, mas também parece pedir o seu contrário. E não vai assinada por Boris Johnson. É, aliás, apenas uma de três que este último enviou.

O primeiro-ministro do Reino Unido preferiu instruir o seu embaixador na União Europeia (UE), Tim Barrow, para enviar uma fotocópia do modelo de carta que a lei fornece, frisando que é uma “carta do Parlamento” e não sua. O presidente da Comissão Europeia confirmou tê-la recebido. Donald Tusk escreveu na rede social Twitter: “O pedido de adiamento acaba de chegar. Vou começar a consultar os dirigentes da UE quanto à reação.”

Ver Twitter

Numa segunda carta Barrow acrescenta explicações. A terceira missiva esclarece os motivos por que Johnson não crê que o adiamento seja boa ideia. “Em conformidade com a Lei Benn, aqui está a carta da Lei Benn”, é uma das frases, não desprovida de ironia. Refere-se à lei adotada em setembro por iniciativa do trabalhista Hillary Benn, que exige um adiamento do Brexit se não houver (como não há) um acordo de saída aprovado até 19 de outubro às 23h.

Johnson telefonou a vários dirigentes europeus a explicar que pedia tempo extra a contragosto, obrigado pelos deputados. Pediu-lhes, segundo fonte do seu gabinete citada por “The Daily Telegraph”, que “convidem o Parlamento a reconsiderar”. É sua opinião que o Brexit deve acontecer mesmo a 31 de outubro, como previsto, em benefício de ambas as partes. Se os europeus forçarem os deputados britânicos a escolher entre o acordo atual e a saída sem acordo, optarão pelo primeiro, assegura.

O líder britânico disse ainda a Tusk, noutra carta, que adiar a saída seria “profundamente corrosivo”. O pedido do Reino Unido depende da autorização unânime dos 27 outros Estados-membros da UE. Alguns, como o presidente francês, têm expressado relutância em anuir. “Não é do interesse de ninguém”, terá dito Emmanuel Macron. Seria surpreendente, contudo, a UE negar tempo adicional a Londres e assumir o ónus de uma saída sem acordo.

Ver Twitter

É possível que a atitude antitética de enviar a carta e ao mesmo tempo solicitar o contrário do que ela pretende acarrete consequências jurídicas. Um tribunal decretara que o Governo tinha o dever não só de cumprir a lei como de não tentar “frustrar” o seu efeito. Johnson arrisca essa acusação por ter defendido que o mesmo adiamento que pediu formalmente iria “prejudicar os interesses do Reino Unido e dos parceiros europeus”.

Tusk avisou que o processo de consultas aos líderes dos 27 iria demorar “alguns dias”. É plausível que os dirigentes europeus queiram perceber que viabilidade tem o acordo (que Johnson promete levar de novo ao Parlamento) antes de tomar uma decisão. Admite-se que possa haver uma cimeira extraordinária da UE a 28 de outubro.

Sábado amanheceu como o dia em que o acordo de Johnson para o Brexit ia a debate na Câmara dos Comuns. Pareceu, a dada altura, que o primeiro-ministro teria apoios suficientes para o documento ser aprovado.

Tudo mudou quando os deputados aprovaram uma emenda à moção de aprovação do acordo. Redigida pelo ex-conservador Oliver Letwin (que Johnson expulsou da bancada há um mês por ter apoiado a Lei Benn), a emenda estipula que a aprovação do acordo fica condicionada à adoção de toda a legislação imprescindível para ele ser aplicado. Ou seja, a emenda de Letwin impedia o Governo de cumprir o prazo da Lei Benn. Votaram 322 deputados a favor e 306 contra.

De novo em tribunal

Fonte do gabinete de Johnson afirmou aos jornalistas: “O primeiro-ministro tem ligado aos líderes europeus a dizer que o adiamento é muito mau e que não deve haver mais atrasos, e que ‘esta é uma carta do Parlamento e não minha. Não peço um adiamento. O melhor para o Reino Unido e a Europa é o Reino Unido sair a 31 de outubro. Devem convidar o Parlamento a reponderar’”.

Um ex-ministro conservador afirmou ao diário “The Guardian”: “Creio que isto vai acabar de novo nos tribunais. Vai claramente contra o espírito da Lei Benn”. Johnson viu, este mês, o Supremo Tribunal do Reino Unido declarar que a sua decisão de suspender o Parlamento cinco semanas fora ilegal, por se destinar a abafar o escrutínio da ação governativa.

O primeiro-ministro tenciona levar de novo o acordo à Câmara dos Comuns na segunda-feira, conforme anunciou o líder da câmara (ministro dos Assuntos Parlamentares), Jacob Rees-Mogg. Resta saber se o speaker, que dirige os trabalhos, o permitirá. “Não é o Governo que decide o que é lícito”, alertou John Bercow, classificando de “curiosa” a insistência do Executivo. Também se dispôs a assinar ele próprio a carta do adiamento, se Johnson não o fizesse e os tribunais ou os deputados quisessem incumbi-lo dessa função.

Se o adiamento, já pedido, for concedido, ele poderá não chegar a entrar em vigor se até 31 de outubro o Governo conseguir fazer aprovar a legislação relativa ao Brexit e o respeito acordo pelas câmaras dos Comuns e dos Lordes. Será um processo comprido em que a oposição poderá propor novas emendas, nomeadamente para realizar um novo referendo.

Ver Twitter
NewsItem [
pubDate=2019-10-20 00:07:44.0
, url=https://expresso.pt/internacional/2019-10-19-Tres-cartas-a-pedir-um-adiamento-e-seu-contrario
, host=expresso.pt
, wordCount=854
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2019_10_19_650084905_tres-cartas-a-pedir-um-adiamento-e-seu-contrario
, topics=[brexit, internacional]
, sections=[actualidade]
, score=0.000000]