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Facebook: o mundo não abala o gigante

Facebook: o mundo não abala o gigante

Na sede, em Menlo Park, a maior rede social do mundo dá a ideia de que vive numa espécie de realidade paralela. As críticas parecem importar pouco e os problemas de segurança são um elefante que a sala teima em ignorar. Este texto foi originalmente publicado na edição de agosto de 2019 da revista EXAME

“É preciso dividir o Facebook”, escrevia Chris Hughes, um dos fundadores do Facebook, no New York Times, em maio deste ano. “Estou preocupado com o facto de que o Mark [Zuckerberg] se tenha rodeado de uma equipa que apenas reforça as suas crenças em vez de as questionar”, advertia, fazendo referência aos algoritmos que têm permitido influenciar decisões, manipular eleições e alterar comportamentos dos utilizadores.

Precisamente um mês depois deste artigo, e durante pelo menos três dias, os noticiários norte-americanos abriam com notícias sobre novas políticas de regulação a aplicar aos gigantes tecnológicos, nomeadamente ao Facebook, à Amazon e à Alphabet, dona da Google. Apontavam as regras europeias como exemplo, ouviam especialistas, chamavam senadores. Para que os utilizadores percebessem o que estava em causa, passaram vídeos falsos de personalidades como Barack Obama a proferir discursos que o antigo Presidente nunca ousou fazer. E chegaram mesmo a transmitir vídeos manipulados de Mark Zuckerberg, que facilmente se tornariam virais nas redes, se algum dia lá chegassem. Graças a qu��? Ao algoritmo que multiplica mensagens, às diversas falhas na verificação de conteúdo do Facebook e ao poder crescente que as tecnológicas têm ganho.

Duas semanas antes, sete senadores do Partido Democrata norte-americano pediram ao Executivo de Donald Trump pormenores sobre uma alegada investigação, liderada pela Comissão Federal de Comércio (FTC na sigla em inglês) e pelo Departamento de Justiça, às políticas de concorrência da Amazon, do Facebook, da Alphabet e da Apple. A administração justificou-se afirmando que as tecnológicas estão a suprimir informação sem quaisquer explicações válidas e que, portanto, precisam de regras mais apertadas. Depois de uma declaração oficial de Nick Clegg, diretor de Assuntos Globais do Facebook, afirmando que a empresa não tem qualquer problema com a regulação, as autoridades norte-americanas continuam a estudar a melhor forma de o fazer.

É neste ambiente que chegamos a Menlo Park, o gigantesco campus que dá nome à sede do Facebook, no meio deste turbilhão regulatório e político, debaixo de um sol escaldante que faz os termómetros marcarem uns estranhos 36oC nos primeiros dias de junho. O vento seco que sopra do deserto amolece-nos o corpo à medida que atravessamos a estrada, mas não tardamos a vestir o casaco para enfrentar o ar condicionado que nos devolve a energia dentro do edifício 21. É aqui, na meca dos empreendedores, em Palo Alto, que vamos passar os próximos dois dias, a convite da tecnológica norte-americana. A empresa fundada e liderada por Zuckerberg chamou 60 jornalistas de todo o mundo para participarem naquele que foi o I International Press Day da companhia, num ano que tem sido particularmente desafiante para a organização.

O guião é perfeitamente executado – pelo menos, durante o primeiro dia: todas as apresentações, previamente anunciadas, começam à hora marcada, e ao lado do palco está um ecrã a transcrever, em direto, tudo aquilo que está a ser dito. Uma ajuda preciosa para quem está a tirar apontamentos ou com alguma dificuldade em entender os vários sotaques que se cruzam no edifício. Trabalham, atualmente, em Menlo Park, quase 30 mil pessoas. Mais de 60 passaram pelas salas onde estivemos reunidos para apresentar novos produtos da rede social, explicar como trabalham as suas várias funcionalidades, justificar as mais recentes opções em termos de layout ou posicionamento e até para falar sobre como se pode gerir a página online de alguém que já morreu. Há pequenas sessões de perguntas e respostas, mas o tempo é estritamente controlado. Além disso, somos frequentemente atraídos para a mesa do coffee break, onde a comida, a água e o café vão sendo repostos em quantidades abundantes – uma ajuda preciosa para o jet lag de que a maioria dos jornalistas estava a sofrer. A nossa curiosidade, no entanto, centrava-se, sobretudo, no segundo dia de trabalhos.

O ensurdecedor silêncio de Sandberg

A diretora de Operações do Facebook, Sheryl Sandberg, chegou de calças e casaco, cabelo solto e sorriso no rosto para a primeira sessão daquele dia 12 de junho. Todos tínhamos acordado de olhos postos na edição do The Wall Street Journal, que publicou uma investigação dando conta da existência de vários emails que revelam que Mark Zuckerberg estaria familiarizado com práticas menos corretas do Facebook relativamente à segurança dos dados dos utilizadores. Perante dezenas de jornalistas, a responsável foi fugindo ao assunto, fazendo uma apresentação de cerca de 20 minutos e respondendo a perguntas previamente selecionadas, durante os 10 minutos seguintes.

“Creio que há preocupações muito reais sobre o tamanho e o poder das companhias tecnológicas, sobretudo nos EUA”, afirmaria quando questionada sobre o já referido artigo de opinião do New York Times, assinado por Chris Hughes. “A questão é: qual a resposta que vai garantir que estamos a aplicar o correto quadro regulatório? A política concorrencial é efetivamente sobre proteção do consumidor, e sobre garantir que ele pode fazer uma escolha. E acho que se olharem bem para o que nós fazemos e para os nossos produtos, é muito claro que há imensa escolha”, acrescentaria Sandberg.

Durante a intervenção inicial, a diretora de Operações do Facebook fez questão de agradecer a todos os jornalistas que se deslocaram até à Califórnia. “O que vocês fazem é realmente importante. Vocês mantêm as pessoas informadas, e mantêm-nos responsabilizados”, atirou. No entanto, manteve-se rigidamente dentro do formato previamente acordado, e respondeu apenas a algumas perguntas que tinham sido enviadas na semana anterior, antes de as notícias sobre os já referidos emails terem sido publicadas.

As mensagens de Zuckerberg terão sido descobertas no âmbito da investigação que está a ser levada a cabo pela Comissão Federal do Comércio, devido à utilização dos dados de 50 milhões de utilizadores por parte da Cambridge Analytica. No seguimento deste processo, a meio de julho, o Facebook foi multado com a maior coima alguma vez aplicada a uma tecnológica, nos EUA, precisamente por falhas de segurança na gestão da informação dos utilizadores: 4,4 mil milhões de euros. Ainda desconhecedora deste desfecho, Sandberg seguiu o seu discurso fazendo questão de salientar a importância da crescente presença de mulheres nos meios tecnológicos e garantiu que, apesar de o Facebook poder ser viciante, tal como defendem alguns estudos publicados recentemente, estão a trabalhar “com equipas para garantir que o bem-estar mental dos utilizadores é conseguido através da alteração do algoritmo: queremos que as pessoas vejam conteúdo que lhes faz bem, como é o caso do que é partilhado pela sua família ou por amigos próximos”, esclareceu.

E foi praticamente tudo. No final, quando alguns jornalistas tentaram abordá-la para conseguir esclarecer que medidas estão a ser tomadas pelo Facebook para salvaguardar a segurança dos utilizadores – uma das questões que não saem de cima da mesa há cerca de dois anos –, Sandberg colocou o auricular e, alegando falta de tempo, saiu da sala com o mesmo sorriso com que tinha entrado.

O máximo de informação que foi possível obter sobre o assunto, por parte de uma fonte oficial da companhia, estava escrita num comunicado onde se lia o seguinte: “Temos colaborado totalmente com a investigação da Comissão Federal do Comércio para disponibilizar milhares de documentos, emails e ficheiros. Em momento algum Mark ou qualquer outro colaborador do Facebook violou, conscientemente, as obrigações da empresa nem há qualquer email que indique que isso aconteceu.”

Positivismo acima de tudo

Não há grandes dúvidas de que a aposta do Facebook, em termos de comunicação, é conseguir passar uma mensagem positiva a utilizadores e críticos, numa altura em que as novas gerações parecem preferir o Instagram, o Snapchat e o WhatsApp a esta rede social. Por isso, a equipa da rede social liderada por Mark Zuckerberg decidiu apostar numa espécie de curso intensivo de dois dias em que passou a pente fino todos os projetos que têm sido apresentados nos últimos meses. Para apelar às novas gerações, explicam, lançaram a funcionalidade “stories”, que tinha sido iniciada no Instagram – rede social que também pertence ao grupo de Zuckerberg – e reforçaram a presença dos “grupos” na aplicação, dando-lhes mais destaque.

“Há cerca de 1,4 mil milhões de pessoas em grupos do Facebook e temos 30 mil pessoas a trabalhar na segurança desta funcionalidade”, que perceberam ser uma das mais utilizadas em algumas comunidades, explicaria Katherine Woo, diretora do departamento de Gestão de Produto. Muitos destes grupos funcionam como verdadeiras aldeias online, onde as pessoas discutem os pontos que têm em comum e se apoiam mutuamente.

A título de exemplo, Anne Scott apareceu para falar aos jornalistas do grupo Girls Gone International, que criou há uns anos quando vivia em Hamburgo e estava numa relação abusiva. Natural do Reino Unido, compensou a falta de amigos perto com uma comunidade de mulheres que a ajudou a sair da relação em que se encontrava e a apoiou quando foi preciso seguir em frente. Hoje gere uma comunidade de mais de 200 mil mulheres espalhadas por todo o mundo e transformou o seu grupo em encontros pessoais, várias vezes ao ano, que garante serem fundamentais para muitas mulheres que estão fora da sua zona de conforto e que precisam de se sentir apoiadas.

Novas ferramentas

A procura de bons sentimentos parece, aliás, ter motivado uma ligeira alteração da forma de trabalhar do algoritmo do Facebook. Foi isso que nos repetiram vários responsáveis da rede social, que afiançam que agora os utilizadores interagem mais com as publicações dos seus familiares e com aqueles que lhes dão alegrias, tal como tinha sido adiantado por Sandberg – se bem que ficou por explicar a forma como se apuram esses bons sentimentos. “Queremos ter a certeza de que o Facebook reflete os vossos interesses reais”, afirmava Ramya Sethuraman, da equipa de controlo do feed. Além de que “investimos muito em transparência e em segurança para que todos possam sentir-se seguros”, adiantava, revelando que há atualmente milhares de colaboradores dedicados a estes temas em Palo Alto – e acabariam aqui as referências ao assunto “segurança”.

Uma das equipas que entretanto foram sendo alargadas é a de Política de Conteúdo, ou seja, das pessoas que controlam mensagens que incitem ao ódio ou sejam violentas. Com um pequeno exercício exemplificativo, três integrantes desta equipa tentaram explicar-nos de que forma são triadas as publicações. A verdade é que a única conclusão que conseguimos tirar é que o processo é bastante aleatório. Por exemplo: é possível publicar um texto acusando alguém devidamente identificado de um crime, sem que haja qualquer controlo sobre isso.

No mesmo sentido, tornou-se bastante evidente que há falhas sérias no controlo do acesso à rede social, alegadamente proibida a crianças com menos de 13 anos, quando uma repórter brasileira afirmou que interage e escreve para comunidades de crianças que têm 10 anos – e que utilizadores dessa idade são “algo bastante comum no Brasil”. O silêncio das representantes da equipa de segurança foi esclarecedor e cedeu rapidamente lugar a uma apresentação sobre MarketPlace, com direito à presença de uma utilizadora vinda diretamente da Austrália. No mesmo dia, o Facebook tinha também chamado a Palo Alto um dos seus parceiros de mais sucesso: Jay Shetty, um britânico com origens indianas que, depois de passar três anos num mosteiro budista, se transformou num dos mais aclamados gurus da inteligência emocional e da autoajuda daquela rede social. Em três anos, garantiu mais de 24 milhões de seguidores e os seus vídeos acumulam 4 mil milhões de visualizações.

No mesmo dia, a diretora global de Segurança, Antigone Davis, escusar-se-ia também a perguntas mais sensíveis, depois de fazer uma apresentação sobre as novas ferramentas que estão a ser criadas, melhoradas ou cuja implementação está a ser alargada: a integração, com o Facebook, do Amber Alerta (ou Emergência de Rapto de Criança) que atualmente já está disponível em 21 países; o trabalho conjunto com especialistas para conseguir agir em caso de suspeita de que a pessoa queira suicidar-se ou causar algum mal a si mesma; ferramentas desenvolvidas com a Universidade de Yale para travar o bullying e exercer maior controlo da publicação de fotografias íntimas que, segundo a responsável, o Facebook tenta agora apagar assim que são publicadas para que haja o mínimo de exposição possível. “Temos mais ferramentas diferentes para cada serviço”, rematou.

Com ou sem noção do poder?

Numa altura em que trabalham cerca de 27 mil pessoas no Facebook, às quais se juntam as do WhatsApp e Instagram, redes do mesmo grupo, aquilo que mais surpreende é o sentimento verdadeiramente otimista que todos exalam. Há como que uma nuvem de alegria que nunca os abandona e que vai sendo reforçada por doses industriais de café e comida gratuita, disponíveis em todos os pisos de todos os edifícios que visitámos. E foi-se adensando, também, a dúvida sobre se aqui, neste reduto de geeks em Palo Alto, se tem verdadeira ideia do poder que o Facebook possui atualmente no mundo, ou se a aparente ignorância é uma espécie de peça de teatro em que todos desempenham perfeitamente o seu papel.

Durante os dias em que estivemos em Menlo Park, sempre que os responsáveis da companhia foram questionados sobre potenciais riscos, ameaças à democracia, propagação de mensagens de ódio ou fuga de dados pessoais, a resposta era a mesma: “Estamos a trabalhar para que o Facebook seja um lugar seguro e para que tudo corra pelo melhor. Os consumidores sabem escolher.” Houve momentos em que parecia, verdadeiramente, que estávamos a viver numa realidade paralela: ignorando telejornais, órgãos de comunicação de qualquer país, senadores, autoridades federais. Ali, naquele pequeno enorme reduto que é o campus de Menlo Park, o gigante faz frente ao mundo criando um só seu.

E nem quando Steve Wozniack, cofundador da Apple e um dos mais reconhecidos informáticos do mundo veio publicamente pedir aos utilizadores que abandonassem aquela rede social como ele próprio fez, numa entrevista dada já no início de julho, houve reação. O mundo, cá fora, não parece ser suficientemente poderoso para abalar o gigante.

*A jornalista viajou a convite do Facebook

O Facebook em Portugal

Um país rendido à rede

Utilizadores

São, atualmente, 6,3 milhões os utilizadores que, em Portugal, usam o Facebook, segundo dados divulgados por fonte oficial da empresa. Em apenas três anos, a rede social angariou mais de um milhão de utilizadores, e Portugal é considerado um mercado maduro, em que a organização opera como na maior parte das geografias onde está presente, garantem os responsáveis.

PME e startups

Numa entrevista ao Dinheiro Vivo, a responsável do Facebook para Portugal e Espanha adiantava, em janeiro, que os resultados comerciais da rede tinham crescido 33%, globalmente, e que em Portugal esse valor era ainda mais elevado. No entanto, escusou-se a adiantar números absolutos, mas garantiu que as empresas consideravam o Facebook parte da sua estratégia.


Novidades?

As informações do Facebook são, quase sempre, dadas em termos globais. Não conseguimos ter acesso a qualquer novidade que estivesse para ser lançada em Portugal, especificamente, mas tivemos de todos os responsáveis a mesma garantia: “Estamos a olhar para todas as geografias e a atuar da forma que mais sentido faz para a estratégia do grupo.” Isto serve tanto para iniciativas a apelarem à doação de sangue, já disseminadas nos EUA, no Brasil e na Índia, como para funcionalidades como o Facebook Dating (uma espécie de Tinder)... Para já, Portugal está em lista de espera.

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