rr.sapo.ptOpinião de Henrique Raposo - 20 set. 01:00

​O ambientalismo é para as pessoas (não para os animais)

​O ambientalismo é para as pessoas (não para os animais)

Devemos combater o diesel, porque o tubo de escape é mau para as nossas crianças antes de ser mau para os ursos polares.

A Boeing cometeu uma falha muitíssimo mais grave do que a Volkswagen. No entanto, o “Boeing gate” tem sido uma nota de rodapé; não tem nem dez por cento da atenção do “Diesel gate”. Esta assimetria mediática é um sintoma de uma desordem moral.

Para competir à pressa com a Airbus, que lançara um soberbo avião logo comprado às dezenas pela American Airlines, a Boeing alterou o equilíbrio aerodinâmico do 737, colocando-lhe motores novos. Ora, quando se tem um motor novo, não basta colocar esse motor num avião já existente; é necessário fazer um avião novo de raiz com a sua respectiva fórmula aerodinâmica. A Boeing, debaixo da complacência do regulador federal, não cumpriu esta regra. Improvisou para não se atrasar anos e anos em relação à Airbus - um improviso escandaloso.

Há pelo menos dois desastres aéreos com centenas de vítimas que têm a sua origem nesta fraude. Contudo, os média falam sobretudo do “Diesel gate”, que não colocou nenhuma vida humana em risco. A imoralidade da Boeing não tem equivalente na indústria automóvel. Para chegar ao opróbrio da Boeing, a Volkswagen tinha de produzir - em consciência e de propósito - um carro de alta cilindrada com travões defeituosos. Como é que chegámos aqui? Como é que “o carro que polui o meio ambiente” pode ser mais importante do que “o avião que coloca em risco vidas humanas”?

Na agenda mediática, os desastres aéreos provocados pelo avião defeituoso da Boeing são menos importantes do que as vendas de carros a diesel, porque vivemos num clima intelectual que transformou o ambientalismo numa ideologia anti-humanista, anti-civilização, anti-presença humana. Esta agenda quer proteger uma natureza sem seres humanos, é como se o homem não fizesse parte da natureza. Ao falar tanto desta natureza desumanizada, a agenda verde faz política e jornalismo como se não existissem de facto seres humanos.

Olhe-se para o caso Macron/coletes amarelos. Ao levantar novos impostos sobre os combustíveis com o objectivo de salvar o meio ambiente, Macron colocou uma espada por cima do dia-a-dia dos franceses mais pobres. Quem vive no centro de Paris não precisa de carro. Quem vive nos subúrbios e nas pequenas vilas e cidades precisa de carro, o seu quotidiano está feito em redor da mobilidade automóvel. E, como é óbvio, esse quotidiano não pode ser refeito de um dia para o outro em nome de impostos verdes, que, na ânsia de salvar a sacrossanta natureza, acabam por empobrecer ainda mais os seres mais pobres dessa excrescência chamada humanidade. O ambientalismo não pode ser feito contra as pessoas, sobretudo não pode ser feito contra as pessoas mais pobres – mas tem sido esse o caso.

Querem convencer as pessoas a não comprar carros a diesel? Recuperem o humanismo.

O ambientalismo deve ser para as pessoas, não para os animais. Não subam ao palanque da insuportável arrogância moral do animalista que passa a vida a destratar as outras pessoas, os outros seres humanos que são retratados como o grande cancro da natureza. Falem para as pessoas, não para a natureza. Digam às pessoas que o diesel é mau para a nossa saúde, para o nosso nariz, para a nossa pele, para os nossos pulmões. No fundo, coloquem a poluição dentro da narrativa próxima da “saúde pública” antes de a colocarem na ameaça longínqua do “aquecimento global”.

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