www.publico.ptpublico@publico.pt - 19 set. 17:10

Investimento público: que sinais nos dão os partidos políticos?

Investimento público: que sinais nos dão os partidos políticos?

Genericamente, os partidos responsáveis pelo investimento líquido negativo desde 2012 (PS, PSD e CDS) não dão sinais, nos respetivos programas eleitorais para os próximos quatro anos, de uma inversão de tendência neste âmbito.

No nosso quotidiano, vimos assistindo aos gritos da população, por vezes no sentido literal do termo, sobre a ineficiência de diversos serviços públicos, de resto aos quais os meios de comunicação social vêm dando eco. Não bastas vezes, vemos o setor da saúde a ser colocado em causa pelos próprios profissionais de saúde e pelos utentes, a precariedade latente nos profissionais de educação (do pré-escolar ao superior), a rede de transportes com material circulante (público) que não circula, a justiça num tempo cujo tempo é interminável, as forças de defesa sem meios de defesa ou a certeza de fogos florestais porque existe verão. Em vésperas de eleições legislativas, devemos questionar-nos sobre o funcionamento dos diversos setores do domínio público, sendo que, em grande medida, tal depende da formação bruta de capital fixo público, vulgo investimento público.

Apregoar que a eficiência dos serviços públicos poderia aumentar face a uma reorganização dos serviços, perante uma reconfiguração ao nível da governação setorial ou através de uma reafetação de recursos na era digital seriam sempre hipóteses passíveis de branquear o problema de fundo. Ademais, um aumento substancial da despesa corrente poderia disfarçar algumas das ineficiências que todos reconhecemos serem transversais a diversos serviços públicos. Contudo, tal não sucedeu de forma substantiva nesta legislatura; verificou-se aumento nominal da despesa corrente de cerca de 5,1% entre 2015 e 2018, que compara com o aumento nominal aproximado de 3,5% entre 2011 e 2015 da anterior legislatura.

Aqui chegados, a história da omelete e dos ovos é sobejamente conhecida de todos nós, pelo que, basicamente, a eficiência que todos clamamos para uma melhoria do papel do Estado nos diversos setores da economia estará relacionada com o fluxo de investimento público no nosso país. Dito isto, de 2012 em diante, é sabido que o investimento público líquido tem sido sempre negativo, ou seja, em termos nominais, ao longo de quase uma década, assiste-se a uma degradação efetiva dos recursos/serviços fixos públicos que se cifra, de 2011 a 2018, em cerca de 10.000 milhões de euros (à média de 1250 milhões de euros/ano). Objetivamente, o anterior (PSD/CDS) e o atual Governo (PS) são os principais responsáveis neste domínio, sendo que qualquer tentativa de “sacudir a água do capote” é uma vil tentativa de mascarar o passado e o presente experienciado por todos nós, normalmente revestido de inúmeras horas de espera e de um saltitar permanente e inócuo de serviço em serviço púbico.

À beira de legislativas, não existem elementos palpáveis que permitam comparar quantitativamente as metas previsionais do investimento público plurianual subjacente às diferentes óticas partidárias. Alguns partidos apresentam valores nominais previsionais, outras forças partidárias referem previsionalmente o peso do investimento público no PIB, outros partidos referem outros moldes de quantificação e de indexação previsional do investimento público e, outros ainda, pura e simplesmente, não o quantificam. Como tal, quando se nos faltam os números, sobram-nos as palavras dos respetivos programas eleitorais para descodificar alguns sinais no domínio do investimento público. Considerando que os programas eleitorais agregam ideias estruturantes e orientações estratégicas dos diversos partidos políticos para Portugal nos próximos quatro anos, uma mera análise de conteúdo, aqui simplificada pelo facto de os caracteres ocuparem espaço e, por inerência, com as limitações daí decorrentes, torna possível responder a uma questão fulcral: quais os partidos que dão sinais de maior abertura ao investimento público?

Numa aceção comparativa, uma simples contagem do número de citações da expressão “investimento público” nos diferentes programas eleitorais permite-nos recolher indícios da preocupação dos partidos nesta matéria. Neste sentido, é apresentado o número de páginas dos programas eleitorais já conhecidos, o número de citações e a média de citações por página de cada força política, sendo a lista ordenada por este último critério: BE (156 páginas; 26 citações; média de 16,7% citações por página); PCP/PEV (114 páginas; 16 citações; média de 14% citações por página); Livre (53 páginas; 3 citações; média de 5,7% citações por página); PSD (128 páginas; 5 citações; média de 3,9% citações por página; PS (139 páginas; 5 citações; média de 3,6% citações por página); Iniciativa Liberal (269 páginas; 5 citações; média de 1,9% citações por página); Chega (52 páginas; 1 citação; média de 1,9% citações por página); Aliança (112 páginas; 2 citações; média de 1,8% citações por página); CDS (261 páginas; 4 citações; média de 1,5% citações por página); PAN (414 páginas; 2 citações; média de 0,5% citações por página); Partido Nacional Renovador (30 páginas; 0 citações; média de 0% citações por página).

Os dados supra permitem reter claramente um sinal: de forma destacada dos demais partidos, os programas eleitorais do BE e da coligação PCP/PEV são os que indiciam maior abertura ao investimento público. De registar que os restantes partidos com assento parlamentar (PS, PSD, CDS e PAN) dão sinais da irrelevância do investimento público nos seus programas. No que toca às forças partidárias sem atual assento parlamentar, parece não emergir um partido que privilegie o investimento público, sendo emanados sinais meramente superficiais.

Não de somenos importância, perante níveis de investimento público historicamente baixos, o atual partido de Governo (PS) parece agora dar menos prioridade ao investimento público (cinco citações em 139 páginas) do que nas legislativas de 2015 (cinco citações em 92 páginas).

Genericamente, os partidos responsáveis pelo investimento líquido negativo desde 2012 até aos nossos dias (PS, PSD e CDS), e que se consubstancia na contínua degradação dos recursos/serviços (fixos) públicos, não dão sinais, nos respetivos programas eleitorais para os próximos quatro anos, de uma inversão de tendência neste âmbito. Se o investimento público já está nas ruas da amargura – tão somente em termos nominais nem sequer em 2018 são igualados valores outrora registados em 2012! –, será que não queremos sair deste marasmo? Será que ainda não é o momento de realizar investimento público estruturante e produtivo? Ou, porventura, queremos mesmo ser atores no filme “Portugal a cair em pedaços”? Estamos em contraciclo com o que reiteradamente sucede em termos agregados na UE a 28 ou na zona euro, uma vez que o investimento público entre nós apenas regista valores negativos desde 2012. Neste domínio, urge caminhar no sentido de almejar valores líquidos positivos num prazo tão curto quanto possível.

Independentemente de quem formar governo, não chega maquilhar ineficiências dos recursos e serviços públicos ao libertar despesa corrente com o intuito de colocar pensos rápidos nas feridas crónicas do país – impõe-se, sobretudo, investimento público estruturante (e produtivo) nas diversas áreas do Estado. Longe de serem estanques, até porque paira no ar a possibilidade efetiva de acordos à esquerda ou à direita no momento pós-eleitoral, os respetivos programas devem ter plasticidade suficiente para dar a devida ênfase que o investimento público requer no futuro Programa do XXII Governo de Portugal – o povo português agradece e, há muito, já merece!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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