www.publico.ptnuno.pacheco@publico.pt - 19 set. 07:30

Viagens sonoras e visuais pelo Brasil dos Doces Bárbaros e de Machado de Assis

Viagens sonoras e visuais pelo Brasil dos Doces Bárbaros e de Machado de Assis

O Porto pode ver Doces Bárbaros neste sábado. E Lisboa pode ver Machado X 5 quando quiser.

E de súbito um nome: Jom Tob Azulay. Não é um nome estranho entre nós, e talvez alguém ainda se lembre que foi ele que realizou a longa-metragem luso-brasileira O Judeu (1995), baseada na vida de António José da Silva, onde pontuavam actores que já nos deixaram, como Dina Sfat (1938-1989), Mário Viegas (1948-1996) ou José Lewgoy (1920-2003). Mas o filme mais marcante para Jom Tob, anterior a esse, foi Doces Bárbaros, documentário que registou o espectáculo que juntou Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia em 1976, uma década passada sobre o início do movimento Tropicália e das respectivas carreiras. Uma ideia da gravadora que acabou, na câmara de Jom Tob, por ser “um filme sobre os anos 70”.

PÚBLICO - Foto Gal, Caetano, Bethânia e Gil na cópia restaurada de Doces Bárbaros DR

Ora esse filme, de que muito se fala mas poucos conhecem na íntegra (os que o viram foi em cópias de má qualidade), está de volta, restaurado, com som em 5.1 e imagem em 4K. E foi isso que trouxe o realizador a Portugal, já que o filme vai ser mostrado numa sessão especial, no Porto (dia 21, às 21h30, no Cinema Trindade), com a presença de Jom Tob Azulay. Que não veio a Portugal só por isso: também esteve no domingo passado em Lisboa, na Livraria da Travessa, a apresentar oficialmente um DVD, ali posto à venda, com cinco curtas metragens baseadas em cinco contos de Machado de Assis: Uns Braços (realizada por ele próprio), O Caso da Vara (por Liloye Boubli), Teoria do Medalhão (Mário Vieira da Silva), Entre Santos (Helena Lustosa) e Uma Visita de Alcibíades (Octávio Bezerra). Nome: Machado X 5.

Nascido no Rio de Janeiro, em 1941, Jom Tob foi diplomata antes de ser cineasta, e tinha acabado de deixar o Itamaraty (onde assistiu à “caça às bruxas” durante a ditadura militar, afastando-se em 1976) quando lhe “puseram” literalmente uma câmara nas mãos para registar Doces Bárbaros. O resultado – que só agora, devido à evolução da engenharia sonora e visual, ganha a qualidade de som e imagem ambicionadas no início – é poderoso, não só pelo contexto (Gil é preso e julgado a meio, por posse de droga, num processo que o filme aproveita, inclusive registando as alegações judiciais) como pelas interpretações dos cantores, com muitos pontos altos onde sobressai Bethânia, genial em Um Índio, mas também Gil em Quando, Caetano em Pássaro proibido, Gal em Eu te amo, e todos juntos em Os mais doces bárbaros, Atiraste uma pedra ou Fé cega, faca amolada, de Milton e Beto Guedes. A estreia comercial portuguesa será em 5 de Dezembro, podendo, no futuro, ser editado em DVD.

PÚBLICO - Foto Capa do DVD Machado X 5

Voltando a Machado de Assis: o poeta e crítico Affonso Romano de Sant’Anna escreve, no desdobrável de Machado X 5, que a passagem ao cinema de cinco dos contos do fundador da Academia Brasileira de Letras “presta enorme serviço à literatura e ao cinema”, pondo à disposição de “uma grande audiência o conhecimento de um mestre da arte de contar.” É um mérito que anda a par das reedições (e não são poucas) das obras do escritor brasileiro, em colectâneas ou livros avulsos. E já que, em tempos, por causa de ortografias, nos venderam a ideia de que as obras iriam circular com maior celeridade, blá, blá, blá, Machado de Assis é um bom exemplo dessa aviltante demagogia. Por exemplo: o preço de Dom Casmurro, em edição portuguesa, oscila entre 6 e 14 euros. Mas uma edição brasileira do mesmo romance pode custar, em Portugal, 80 euros. Confiram. O DVD Machado X 5, aliás, também é mais caro do que um DVD normal, aproximando-se do preço de um Bluray UHD. O que justifica isto? O peso das taxas alfandegárias! Se algum problema existe, no domínio cultural, entre Portugal e Brasil (e vice-versa), repita-se quantas vezes forem necessárias, ele nunca foi nem é ortográfico; é fiscal. E nenhuma ortografia conseguiu, ou conseguirá, furar essa barreira.

Salvem-se as obras citadas, para lá de qualquer preço. Que essas, mesmo vindas de diferentes eras, trazem consigo um Brasil criativo e digno, bem acima das muitas baixezas do presente.

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