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Uma campanha eleitoral e uma invasão extraterrestre

Uma campanha eleitoral e uma invasão extraterrestre

Começando por esses autênticos cardápios de sedução, que são os programas eleitorais, verificamos que o denominador comum tem por mote o refrão da canção de Pedro Abrunhosa Vamos fazer o que ainda não foi feito.

Apesar de também me dedicar à escrita e de ser uma leitora bastante voraz, a verdade é que a ficção científica, enquanto género literário, nunca fez parte das minhas preferências, pelo que o meu conhecimento acerca dessas histórias se resumia a alguns filmes menores, vistos na televisão e aos quais nunca dediquei demasiada atenção.

Utilizo, todavia, as conjugações pretéritas, porque esta campanha eleitoral, na linha de uma tendência que se desenha há já algum tempo, neste cenário fascinante que é a vida política portuguesa, tem conseguido, se outro mérito eu lhe não puder reconhecer, despertar, na minha imaginação, as mais extraordinárias fantasias acerca de raptos (julgo que a expressão correcta será abdução – e valem-me aqui os saudosos Ficheiros Secretos) desses terráqueos – que são (ou eram) os políticos portugueses – perpetrados por seres de outros planetas, que procedem, depois, à sua maquiavélica substituição por clones, redundante e obviamente idênticos ao original.

Têm, no entanto, estes clones, uma particularidade, a todos os títulos mirabolante, que é a de surgirem carregados de um tal grau de inocência que, perdoe-se a comparação, quase roça a santidade, extirpados que estão de qualquer pecado, original ou outro.

Repare-se, então, no panorama que se nos apresenta para as eleições legislativas, do próximo dia 6 de Outubro:

Começando por esses autênticos cardápios de sedução, que são os programas eleitorais, verificamos que o denominador comum tem por mote o refrão da canção de Pedro Abrunhosa Vamos fazer o que ainda não foi feito.

Ora, se em termos formais de critério poético-musical me parece uma boa opção, do ponto de vista substantivo e de conteúdo confesso que já me suscita algumas reservas.

É que se atentarmos bem nos ditos cardápios eleitorais, o que neles se promete fazer, em 4 anos, é, genericamente, e com mais ou menos ênfase numas ou noutras matérias, aquilo que não foi feito durante 40 anos…

Assim, e descontando as hipóteses, menos abonatórias diga-se, de estarmos perante situações de patológico delírio ou de puro engodo, teremos de pensar que estamos em presença de uma trama de elevada sofisticação ficcional!

Acresce que nas raras excepções em que um desses cardápios de delícias promete fazer algo que nunca tinha sido, efectivamente, prometido (nem feito, é claro), o carácter abstruso de tais promessas serve, apenas, para sedimentar esse toque único de ficção científica apurada.

E se do cardápio eleitoral passarmos aos protagonistas do processo, tudo aponta para o reforço desta fantástica teoria da clonagem: são os mesmos rostos, as mesmas poses, a mesma linguagem, mas uma ausência de memória(s) que faria roer de inveja a tábula rasa de Locke.

Nada de passado, nada de culpa, nada de responsabilidade, nada de conhecimento, nada de mácula, enfim, nada de nada! Partindo deste verdadeiro deserto, auguram-se, portanto, quatro anos de intenso florescimento…

Também neste ponto, me parece ser digno de nota que nas igualmente raras excepções em que os protagonistas têm outros rostos, estes se assemelham bastante a clones dos clones ou, eventualmente e nos casos mais extremos, a processos experimentais menos bem conseguidos.

Desperto que está, então, o meu interesse pelos enredos de ficção científica, e em linha com as sempre actuais e omnipresentes teorias da conspiração, começa a parecer-me que talvez não fosse despiciendo envidar urgentes esforços, para que equipas de estudiosos de fenómenos de ufologia, avistamentos, abduções, ou processos alucinatórios em geral, se congregassem no nosso país, durante este tempo que dura a campanha eleitoral.

É que além do previsível acréscimo de conhecimento sobre estas matérias – chegando-se, talvez, a evidências irrefutáveis de vida inteligente noutras galáxias – existe, ainda, a possibilidade de converter o país numa nova Roswell, abrindo-se, dessa forma, uma extraordinária janela de oportunidade e prosperidade para o turismo português, o que, bem vistas as coisas, ainda é capaz de ir a tempo de ser incluído nos cardápios eleitorais, no capítulo do crescimento económico, do desenvolvimento sustentável, da erradicação da pobreza, ou do combate à desertificação do interior…

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