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O financiamento da Cultura no século XXI

O financiamento da Cultura no século XXI

Há um longo caminho a explorar no nosso país na utilização de soluções de financiamento reembolsável na área da cultura.

A concretização de políticas culturais envolve recursos de diferentes tipos, sendo o financiamento um dos aspetos centrais em que se articulam princípios gerais com direitos. Não é possível imaginar uma única forma de financiamento que contemple a multiplicidade de problemas de cada uma das áreas culturais, da mesma forma que é impensável simplificar a questão do financiamento da cultura a modelos estanques.

Qualquer política pública está integrada num conjunto de políticas governamentais e obedece a prioridades que são mais rigorosas quando os recursos são escassos. No caso das políticas culturais, que abarcam desde a preservação dos monumentos históricos e arquitectónicos até ao fomento do cinema, passando pelas diversas atividades possíveis no campo da música, das artes plásticas e das artes do espetáculo, as ações públicas estão sujeitas a prioridades, determinadas por linhas políticas e ideológicas.

Uma das questões sempre presente na difícil relação entre os poderes públicos e os produtores culturais é a da medida em que o Estado deve intervir. E o nosso tempo tem registado desde o dirigismo mais grosseiro até à postura mais distante. Dos mais inspiradores ainda é o modelo de André Malraux, em França, pois inscreve-se na lógica do Estado-providência, procurando garantir para todos a igualdade, não apenas formal, mas real, sendo disso exemplo a extensão aos artistas dos benefícios da proteção social.

Seja qual for a opção, parece pacífico que o apoio financeiro do Estado é imprescindível e que são duas, em geral, as maneiras adotadas pelos poderes públicos em relação ao financiamento das atividades culturais. A primeira é o apoio governamental canalizado através de transferências orçamentárias, sendo a mais comum o subsídio. A segunda consiste na isenção total ou parcial de impostos ou taxas, concedida às pessoas físicas ou jurídicas que financiam atividades culturais.

Mas há outras modalidades como o recurso a fundos especiais institucionalizados, que são fundos financeiros estabelecidos pelo Estado, administrados por um órgão colegial próprio, com a finalidade de apoiar atividades culturais. São bons exemplos o Arts Council England, a francesa Association pour le Soutien du Théâtre privé (ASTP) e, no âmbito da UNESCO, o Fundo Internacional para a Promoção da Cultura.

Em Portugal, conhecemos o Fundo de Fomento Cultural e o Fundo de Salvaguarda do Património Cultural. E, no âmbito de programas de iniciativa da União Europeia, o interessante Europa Criativa, mas há um longo caminho a explorar no nosso país na utilização de soluções de financiamento reembolsável na área da cultura.

O mecenato cultural consiste em donativos, em dinheiro ou em espécie, sem contrapartidas, que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial, concedidos por pessoas singulares ou coletivas, de natureza pública ou privada, a outras entidades públicas ou privadas, aos quais, atendendo aos objetivos de interesse geral prosseguidos pelas entidades beneficiárias, a lei reconhece um determinado benefício fiscal. O regime está previsto no chamado Estatuto dos Benefícios Fiscais, com a redação dada pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro. Além disso, os serviços que têm por missão avaliar o que pode ser passível de apoio mecenático recorrem com frequência à Circular n.° 2/2004, de 20 de Janeiro, da Direção de Serviços do IRC.

Atualmente, a majoração dos donativos concedidos às entidades beneficiárias é de 130% e de 140% no caso de donativos ao abrigo de contratos plurianuais. Mas o processo administrativo, apesar de mais simplificado nos últimos anos, ainda não é suficientemente atractivo, nem para mecenas, nem para possíveis beneficiários. Além de que apenas podem beneficiar deste regime fiscal privilegiado os donativos em relação aos quais não se verificam quaisquer contrapartidas que configurem obrigações de carácter pecuniário ou comercial. Ora, o que seja ou não comercial é cada vez mais difícil de definir nos tempos atuais, pois, para além dos benefícios de natureza fiscal, o mecenato envolve um objetivo de retorno de prestigio, de ativação de marca, que, não sendo confundível com o simples patrocínio (comercial), não deve ser considerado despiciendo. Também aqui há muito a explorar.

A questão do financiamento privado da cultura em geral e do mecenato de empresa em particular tem-se revestido de actualidade acrescida nos países onde a cultura tem permanecido tradicionalmente sob a alçada do Estado. Vejamos três breves exemplos.

Em Itália, a Lei n.º 512 de 1982 autoriza a dedução do imposto devido dos gastos destinados a múltiplas actividades culturais e, mais recentemente ,o "Art Bonus" permite um crédito de imposto igual a 65% do valor doado para aqueles que fazem doações para apoio ao património cultural público italiano.

Em França, a Lei de 1 de agosto de 2003, conhecida por “Lei Aillagon”, sofreu em 2018 três emendas, nomeadamente a extensão dos benefícios aos festivais (ver o atrativo Portal do Mecenato em França).

No Brasil, vigora há anos com bastante sucesso a Lei n.º 8.313/91, Lei de Incentivo à Cultura, conhecida por “Lei Rouanet”, que permite que cidadãos e empresas possam aplicar 6% e 4%, respectivamente, dos seus impostos em projetos culturais previamente aprovados/validados pelo Ministério da Cultura. Ou seja, o dinheiro sai do imposto de quem deseja investir no projeto cultural e o Estado abre mão de receber aquela quantia via impostos.

Em paralelo, e em consequência das crescentes e generalizadas descidas dos apoios estatais, têm surgido interessantes projetos de financiamento coletivo, de que é exemplo o chamado Matchfunding de Cultura, que é um financiamento combinado que une um mecanismo de doação através de uma plataforma de crowdfunding com o apoio complementar de uma instituição/banco. Caso se chegue ao valor mínimo desejado para o projeto, a instituição/banco apoiará com mais duas vezes a quantia recebida. Um bom exemplo da tão actual Economia Colaborativa.

Num estudo de junho de 2014 coordenado pelo gestor Nuno Vitorino, intitulado Criação de Instrumentos Financeiros para Financiamento do Investimento na Cultura, Património e Indústrias Culturais e Criativas, determinava-se que o orçamento para a Cultura podia crescer entre 35 a 45 milhões de euros anuais se se apostasse na “procura potencial de apoios financeiros reembolsáveis pelos promotores de projectos e investimentos nos domínios artísticos e culturais”.

Seja através da criação de novos fundos especiais institucionalizados, seja na de instrumentos financeiros reembolsáveis, ou de novas formas de financiamento colectivo, seja na implementação de uma lei de mecenato mais atrativa, há um longo e estimulante caminho no modelo português de financiamento da cultura.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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