visao.sapo.ptvisao.sapo.pt - 14 set. 19:00

"Há mais homens sem vontade de ter sexo"

"Há mais homens sem vontade de ter sexo"

O estilo de vida e a pressão sobre os jovens estão a mudar a forma de encararem a vida sexual. O urologista Pedro Vendeira, presidente da Sociedade Portuguesa de Andrologia, Medicina Sexual e Reprodução, garante que lhe aparecem cada vez mais homens novos com problemas e revela também que a dificuldade de ereção pode ser sinal de risco cardiovascular

Quando, em 1998, o Viagra chegou ao mercado e revolucionou o tratamento da disfunção erétil, Pedro Vendeira estava quase a concluir a sua especialidade em Urologia – o que aconteceu um ano depois (1999). Hoje lidera a Sociedade Portuguesa de Andrologia, Medicina Sexual e Reprodução e, ao longo de 20 anos, tem tratado de problemas sexuais dos homens portugueses.

Há alguma disfunção sexual que está a aumentar?
Claramente a baixa da libido. Aquilo que antes se dizia das mulheres – que não tinham vontade (de sexo) –, hoje há cada vez mais homens a não ter desejo, até os que estão na faixa dos 20-30 anos.

E qual a sua leitura para o fenómeno?
Os relacionamentos são hoje diferentes, e a pressão exercida na juventude para se procurar o chamado lugar ao sol é muito grande.

Essa pressão está a ser perniciosa a nível sexual?
Está, e afirmo-o sem qualquer dúvida.

Com impactos ainda difíceis de alcançar?
Acho que isto é só o princípio de um grande problema. O frenesim da vida de hoje põe as pessoas, no fim do dia, desfeitas, extenuadas, a tomar ansiolíticos e antidepressivos. Quem quer ter sexo assim?!

Essa medicação também tem efeitos na função erétil, não é?
Eles não têm vontade de ter sexo, ou se a têm esta função já não funciona. E, se não funciona, entram numa ansiedade de performance. E, além disso, há o efeito dessa medicação que pode causar alteração na esfera sexual.

Como trata os jovens com disfunção erétil?
Tenho muitas vezes de recorrer a colegas da psiquiatria e da psicologia para me ajudarem a desmontar o enredo neurológico destes jovens. O melhor é “apanharmos” estes homens o mais cedo possível, antes que o desmontar da situação seja cada vez mais difícil.

Usa fármacos nesses casos?
Os fármacos são como o Tintim. São usados desde a juventude até à velhice e, muitas vezes, podem ser uma boa muleta. Se eu quimicamente conseguir melhorar a disfunção erétil de um homem, ele partirá para as próximas relações muito mais confiante.

O tipo de relacionamentos, a forma de encarar o sexo, hoje, são decisivos?
Os hábitos sexuais alteraram-se mas homens e mulheres lá se vão entendendo. Agora, se me perguntar em que ponto o relacionamento pode afetar esta área, eu respondo-lhe só de uma maneira: pela mulher.

Pela mulher, como?
Se alguma coisa corre mal dentro das quatro paredes de um quarto, a mulher de hoje puxa pelos galões, já não é a mulher que era, vem à consulta com o homem e, muitas vezes, é ela quem abre a conversa.

E isso não é positivo no tratamento?
É positivo mas, por vezes, exerce uma grande pressão sobre o homem que não deixou de ser o macho latino. E quando começa a ver a sua masculinidade a ser posta em causa – e uma mulher no comando –, isso pode ser um bocado difícil de digerir.

O que diz nas consultas a esses casais?
Aconselho consulta sexológica, terapia de casal.

Para o homem português, a impotência é, ainda, difícil de assumir perante o médico?
Para muitos, continua a ser assim. O tabu está francamente enraizado na nossa cultura. Está melhor do que há 20 anos, mas estimo que só 15%, no máximo 20%, dos homens com disfunção erétil procuram ajuda. O ideal era ter o homem na nossa consulta, depois de dois ou três meses com disfunção erétil. Ora, a média dos que me chegam está nos dois anos e meio.

A disfunção erétil pode ser indicadora de outros males?
Sim, pode ser a ponta de um icebergue. Sabemos, hoje, que pode ser um marcador, nomeadamente em gente jovem, de risco cardiovascular.

Como assim?
As artérias que levam o sangue ao pénis são ainda mais finas do que as artérias coronárias – as grandes responsáveis pelo enfarte do miocárdio. O que sabemos é que um homem, sem sintomatologia de foro psicogénico, que começa a ter falhas na sua ereção, é um doente cardíaco, até prova em contrário.

E isso em que idades?
Na faixa dos 40. É nessa fase que, quando vemos essa função a falhar, desconfiamos. Em idades mais avançadas, é o acumular de outras situações que vão levar à disfunção.

Qual a percentagem de doentes com disfunção erétil com uma idade acima dos 50? E abaixo?
Está nos 75% e 25%, respetivamente. Os 25% é que estão muito elevados – eu acharia que deviam ser 5 por cento.

Que mensagem passa aos homens que vão passar por isso?
Como tudo na vida, há que estar preparado. Um homem tem de se ir mentalizando para que isto lhe aconteça. Não fiquem em casa à espera que a disfunção se resolva com o tempo. Se passam seis meses em que, sistematicamente, está a correr mal, eles só têm de pensar: “OK, vou procurar ajuda.”

Os homens estão despreparados?
Somos um país muito malpreparado em termos de sexualidade. Não me venham dizer que aquela coisinha que temos na escola é educação sexual. Os próprios médicos, aqueles que tratam o problema, têm uma formação terrivelmente fraca nesta área. E então educação sexual em idades mais avançadas? Quando há menopausa, andropausa, quem ensina a lidar com isto? Ninguém.

Dá-se pouco espaço à sexualidade entre os mais crescidos?
Toda a gente se concentra na puberdade e nos preservativos – e faz falta –, mas em idades mais avançadas não há nada.

É presidente da Sociedade Portuguesa de Andrologia Medicina Sexual e Reprodução. O que é a Andrologia?
É o estudo do homem na sua vertente sexual e reprodutora. É uma área que classicamente esteve na mão do urologista, porque era o médico que lidava com o órgão genital masculino. Nós, na andrologia, lidamos com os órgãos ligados à reprodução e à sexualidade. Está, neste momento, na Ordem dos Médicos, um pedido para ser considerada uma subespecialidade.

O tema mais difícil das consultas de urologia, o cancro da próstata, está a aumentar?
Penso que está a aumentar, quer porque diagnosticamos mais, quer porque geneticamente estão a aparecer mais casos (não se sabe exatamente porquê).

Os homens estão hoje mais atentos a este cancro?
Claramente que estão, e os médicos de família têm um papel fundamental, porque são a porta de entrada para o Serviço Nacional de Saúde. O rastreio do cancro da próstata é absolutamente fundamental. Hoje, a maior parte dos homens, mesmo os pouco letrados, sabe que o valor do PSA não pode passar dos 4, o que é uma coisa louvável.

Sabendo que a taxa de cura é elevada, os homens diagnosticados com cancro da próstata ficam hoje tão aflitos como décadas atrás?
Ficam à mesma aflitos. Há quem chore e há quem pergunte logo: o que vamos fazer? Mas cancro é cancro, nunca vai vulgarizar-se. São sempre situações dramáticas.

A relação que os homens fazem entre tirar a próstata e a impotência sexual tem razão de ser?
Tem, e eles já têm alguma awareness nisso.

Imagine um doente com cancro que tem de fazer uma prostatectomia radical. Mesmo com o cenário ideal: diagnóstico atempado, tecnologia mais recente no diagnóstico e um cirurgião experiente. É possível excluir a impotência pós-cirurgia?
Não há qualquer cirurgia, seja a clássica seja a mais moderna (robótica), que possa garantir que o homem não ficará com disfunção erétil. Cada doente que vai para uma cirurgia destas está avisado de que o grau de disfunção erétil é elevado. Agora o que temos é disfunções eréteis, após as robóticas, que controlamos melhor – às vezes só com comprimidos. Porque não houve lesão de todos os nervos.

Nos fatores de risco para o cancro da próstata, é muito referido o estilo de vida ocidental...
Sobre dietas pró e contra oncogénicas, pouco está provado, e acho que a genética continua a mandar muito. É por isso que há um homem que tem um, dois, três tumores. Só pode ser um efeito genético.

Na genética é que está, também, esse segredo?
Não tenha dúvidas disso, a genética é o futuro, verá quem vai ter um tumor disto ou daquilo antes deles aparecerem. Agora as dietas...

Teresa Gens

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