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A ordem natural das coisas

A ordem natural das coisas

O caderno de argumentos e o livro de estilo divulgados por Maria de Fátima Bonifácio no seu texto tem como objectivo chamar a atenção para uma necessidade urgente: a de repor a “ordem natural das coisas”. A ordem natural das coisas sempre foram o preconceito, a ausência de empatia e o repúdio pela diferença. Sejamos, pois, antinaturais - Opinião , Sábado.
"A ORDEM NATURAL DAS COISAS" é a frase mais letal da língua portuguesa. Foi contra a ordem natural das coisas que se criou a ciência, a grande literatura, a medicina, os direitos humanos e, sim, a política, em todas as suas infinitas ambivalências. A ordem natural das coisas é perigosa porque ela simplesmente não existe. Os princípios antigos da causalidade levaram um violentíssimo abanão com a física de partículas. Reduzida à dimensão essencial da mecânica quântica, a realidade é mais parecida com a metafísica ou a magia do que com noções newtonianas de "ordem" ou lógicas kantianas de "natureza". A consciência, apesar de todas as fenomenologias, permanece um mistério. A "ordem natural" que antecedeu o Big Bang e a consequente rápida expansão do Universo mantém-se um enigma.

Nas suas múltiplas apropriações culturais, a "ordem natural das coisas" torna-se ainda mais mentirosa e arrasadora. Foi em nome dela que os "ismos" do século XX liquidaram dezenas de milhões de seres humanos. Foi em seu nome que a escravatura prosperou por quatro milénios e se mantém sob múltiplas máscaras civilizacionais. Todos os cultos, dos politeísmos primitivos às três grandes religiões do Livro, se fizeram em nome da "ordem natural das coisas".

Agora que a poeira da ira assentou, não é preciso ser um intelectual consagrado para perceber que o caderno de argumentos e o livro de estilo divulgados pela excelentíssima doutora Maria de Fátima Bonifácio no seu texto, agora, de antologia se enquadram numa ignorância deliberada – e de linhagem tão antiga como as "tradições" por ela invocadas – cujo objectivo é chamar a atenção para uma necessidade urgente: a de repor a "ordem natural das coisas". A ordem natural das coisas sempre foram o preconceito, a ausência de empatia e o repúdio pela diferença. Naturalmente, sejamos pois antinaturais.

Santos e ...
e quer compreender o que se passou no Brexit mas só tem 15 minutos para gastar, veja no YouTube a TED Talk da jornalista do Observer Carole Cadwalladr. Como o apelido sugere, Carole é originária de uma pequena cidade galesa onde as lutas proletárias mineiras dominaram o quotidiano durante um século. Hoje pontuada por obras cofinanciadas pela União Europeia, é um microcosmos do "Leave" influenciado por políticos como Nigel Farage e, sobretudo, pelas campanhas de informação cirúrgica perpetradas via Facebook, em que a velha glória imperial e o novo medo da imigração (com destaque para uma mirabolante "ameaça turca") conquistaram os eleitores. Cadwalladr explica tudo perante uma audiência composta pelos mesmos iluminados de Silicon Valley que permitiram a lavagem cerebral e se recusam a divulgar detalhes da sua operacionalidade. Enquanto ela os insulta, eles aplaudem.

... Pecadores
Nos quatro primeiros lugares do top de não ficção da FNAC da semana passada (os rankings de outros agentes comerciais não diferem demasiado) estavam três obras com "Foder" e "Foda" no título – os asteriscos são uma artimanha muito pouco literária e de duvidosa honestidade. Entre eles, Vai Correr Tudo Mal, de Joana Marques, presumível desconstrução humorística dos outros três. O êxito de lançamentos como A Arte Subtil de Dizer Que Se F*oda confirma duas coisas: muitos portugueses ainda conseguem excitar-se com a irreverência infantil de um palavrão; não aprendemos nada em século e meio de livros de autoajuda – estes e outros volumes são apenas uma abordagem mais contraintuitiva mas igualmente exploratória a noções abstractas, que nos obcecam, como "felicidade".

Texto escrito segundo o anterior acordo ortográfico.

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