visao.sapo.ptJoão Gago da Câmara - 23 jul. 08:10

“Os Açores e os Novos Média” do jornalista açoriano Osvaldo Cabral

“Os Açores e os Novos Média” do jornalista açoriano Osvaldo Cabral

Deixar morrer a imprensa é deixar morrer a democracia

D.R.

Leio, releio e reflito sobre o recente livro de Osvaldo Cabral Os Açores e os Novos Média, obra editada e impressa pela Gráfica Açoreana, Lda., que muito me diz, por, desde muito cedo, ter abraçado a profissão de jornalista, parte dela na imprensa escrita – que já provou ser a mais completa escola de jornalismo – e com o imprescindível e honroso apoio do autor desta obra de referência do jornalismo ilhéu e continental português.

Nesta obra, Osvaldo José Vieira Cabral, estimado amigo e mestre, varre o tempo, do passado aos nossos dias, e adverte, nas 174 páginas do livro, para a necessidade de se abandonar o comodismo e de se olhar o futuro, indubitavelmente digital, com coragem e determinação. E tem razão. Feliz, ou infelizmente, o velho papel tem os dias contados. O papel que traz notícias, reportagens, entrevistas, que estimula a liberdade crítica, que faz mover a democracia. Confesso, com alguma nostalgia, que bom é ter este livro ainda em papel, de Osvaldo Cabral, que li e reli e que guardo religiosamente para consultas cíclicas na estante dos melhores.

Osvaldo recentemente perguntou a alunos de uma escola onde lecionou quem consultava as plataformas digitais para se informar e 99% deles levantaram o braço. Há, assim, fumo no ar a anunciar o incêndio do papel, que hoje atinge a larga maioria da imprensa escrita, presentemente cada vez menos convencional.

Mas eis a triste realidade do presente: todos os anos saem das universidades cerca de 1500 licenciados em comunicação social. “Cá fora, vão viver a dura realidade da procura de emprego, após os estágios” – presume Osvaldo Cabral, que alerta que “mais de 7 mil jornalistas possuem carteira profissional, seis vezes mais do que na década de 80. Com a crise instalada nos média – alguns a fechar, outros a reduzir custos e quadros – será cada vez mais difícil um jovem licenciado ingressar nas redações” – previne o autor.

Com Osvaldo ainda conheci as velhas linotypes no edifício da Rua dos Mercadores, em Ponta Delgada, onde fazíamos todos - o Jorge do Nascimento Cabral, o Tomás Quental Mota Vieira, o José Francisco Silva, o Sidónio Bettencourt, o Costa Cardoso, entre outros distintos colegas - o Correio dos Açores do nosso contentamento. “Off set” era luxo que não havia na Gráfica Açoreana Lda. Nessa altura, “jamais se imaginaria o jornalista a ter como missão escrever a reportagem para o jornal, gravar o acontecimento em vídeo, editá-lo, colocar um “post” no multimédia, gravar alguns sons e colocá-los com dois ou três parágrafos nas várias plataformas multimédia”, diz Osvaldo Cabral ao comparar o jornalismo de hoje com o de outrora. E acrescenta que “a emigração açoriana tem um efeito multiplicador nestas novas plataformas, coisa que a imprensa não deveria descurar e apostar mais em força”.

Da varanda da experiência, Vieira Cabral debruça-se também sobre o problema, que, com efeito, são as redes sociais. Nelas tudo serve para a chacota e maledicência, até o próprio jornalismo que nas redes parece nunca poder vir a ser sério, pois aí tem dificuldades em conviver com os princípios deontológicos que o norteiam. Grupos que não se sabe bem de quê ou ao que vêm, partilham conteúdos sem quaisquer critérios jornalísticos, sem investigação, sem rastreio, sem fontes credíveis, convivendo com as fake news como crianças se divertem com um brinquedo, partidarizando tertúlias digitais que, doentias, ditatorialmente expulsam quem critica as suas ideias ou não é da sua área ideológica, ou da sua cor política.

Havendo o cuidado de não atropelar a liberdade, há que regulamentar com rigor a prática do jornalismo nas redes sociais, envolvendo sindicatos e legisladores, sob pena de, cada vez mais, o quarto poder estar a cair em mãos erradas ou de gente impreparada para dar o tratamento adequado �� informação.

Como se converte o papel em digital? Investindo, naturalmente. E como investir se não há dinheiro? Sendo a imprensa a coluna vertebral de uma sociedade, pois forma e informa, caberá aos governos arregaçar mangas e, sem preconceitos castradores político-partidários ou vinganças políticas ou pessoais, mas em nome da liberdade de imprensa em democracia e dos usufrutuários da informação que são o povo, reunir com comissões que sejam constituídas por administradores, diretores e chefes de redação da imprensa escrita, tirar os cordões à bolsa e apoiar financeiramente a transição necessária do papel para o digital, que urge. .

Osvaldo Cabral, em Os Açores e os Novos Média, aborda ainda a publicidade, que considera o fulcro da boa saúde financeira das empresas de comunicação social e o suporte imprescindível para que haja jornalismo de qualidade feito por profissionais à altura, quando ainda persiste a velha gestão de sobrevivência através dos assinantes que, do ponto de vista económico, representam uma minudência. Existem hoje em Portugal muitos jornais que saem à rua grátis, porque a publicidade já os pagou.

Há muitos anos, testei essa força de financiamento, a publicidade, com um jornal que fundei, e que naturalmente levei a sério, o Correio do Norte, então distribuído gratuitamente, porque o cliente da publicidade já o pagara. O jornal cobria toda a costa norte da ilha de São Miguel, tratando temáticas que interessavam particularmente aos nortenhos da ilha. Essa imprensa localizada é muito importante para as comunidades das vilas e freguesias, que nela se reveem, e aí, em tiragens reduzidas, o suporte em papel, mesmo à liça do digital, talvez consiga prosseguir por mais algum tempo.

Muito mais havia para comentar sobre este tratado, sem exagero, de Osvaldo Vieira Cabral, como a reinvenção do serviço público regional de televisão - da televisão regional de que o Osvaldo foi diretor - sobre um museu da imprensa açoriana, que importa ser fundado, acerca da “escandalosa exploração que a Portugal Telecom pratica nos Açores através do monopólio do cabo submarino”, entre outras abordagens relevantes, mesmo fundamentais, trazidas pelo autor neste livro, mas há que terminar.

Permito-me, todavia, a finalizar – porque julgo ser importante – citar o conceituado e “insuspeito”, como refere Osvaldo Cabral, The Economist, que considera a imprensa o quarto estado, um pilar da política, e que, acutilante, interroga: “Os jornalistas investigam e criticam os governos, ajudando assim os eleitores a decidirem se os querem manter ou despedir. As autocracias funcionam perfeitamente bem sem as notícias, mas o mesmo não acontece às democracias. Será que a morte de um jornal diário – a principal fonte de informação para os mais formados, pelo menos no último século, o tormento dos políticos corruptos, a consciência das nações – pode danificar a democracia?”

Os Açores e os Novos Média é uma obra inteligente, como inteligente é o seu autor. Leia-a, releia-a e guarde-a na estante das melhores. Mas esteja preparado para se afligir com o estado do jornalismo, em geral, e com a imprensa escrita, em particular. Muito provavelmente, ao terminar, acreditará, como Osvaldo Cabral e os jornalistas conscientes acreditam, que está aí a bater-nos à porta o amanhã digital, que hoje alguns caducos criticam, mas que será, inexoravelmente, o futuro da imprensa.

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