24.sapo.ptFrancisco Sena Santos - 22 jul. 13:57

Boris que passa a ser Johnson

Boris que passa a ser Johnson

Boris, simplesmente. Nenhum outro político britânico é habitualmente tratado apenas pelo itnome próprio. Os outros são May, Corbyn, Cameron, Brown, Blair ou Major. Boris Johnson tem sido apenas Boris ...

Os biógrafos dele, Sonia Purnell (autora de Just Boris a Tale of a Blonde Ambition) e  Andrew Gimson (retrata-o em Boris: The Rise of Boris Johnson) coincidem: Boris põe toda a gente a rir, tem humor fino, é capaz de auto-ironia, brinca com trocadilhos a partir dos escritores clássicos britânicos que cultiva (Shakespeare no topo da lista), é um malabarista no discurso e assim como que hipnotiza tanta gente. Mas há muitos que não o levam a sério.

Boris, sendo britânico nasceu nos Estados Unidos (Nova Iorque), num meio que a biógrafa Sonia Purnell descreve “bon vivant e boémio.” A mãe, Charlotte, hoje com 77 anos, fez vida como artista. O bisavô paterno era um conhecido jornalista otomano. Os biógrafos também coincidem ao considerar essas influências marcantes: Boris vê-se ator e sabe gerir o momento para entrar em palco. Também cultiva analisar o que acontece e por isso, depois da universidade em escolas de elite, Eton e Oxford, tal como o avô, foi jornalista. Correu mal a estreia como estagiário no The Times, meteu-se numa trapalhada com relatos inventados e foi logo despedido. Já tinha bons contactos no meio e conseguiu, poucos dias depois, entrar para o Daily Telegraph, como correspondente, por cinco anos, em Bruxelas. Diz-se que foi ali que Boris ganhou fúria contra a burocracia das instituições europeias.

Quando entrou em pleno na política nas fileiras do Partido Conservador, primeiro como mayor de Londres (2008-2016), depois como deputado e ministro dos Negócios Estrangeiros (2016-2018), logo ficou evidente que tinha um objetivo: tornar-se primeiro-ministro britânico. Vai esta semana concretizar essa ambição.

Para abrir o caminho para o topo político serviu-se muito do “Brexit”. Conseguiu, com a oratória hábil que tem, mobilizar muito do eleitorado mais tradicional e rural através da exploração do orgulho britânico.

Mestre na demagogia, Boris usou vezes sem conta versões mentirosas: por exemplo, antes do referendo que veio a ditar a saída britânica da União Europeia, argumentou que o Reino Unido pagava a Bruxelas milhões de libras que fazem falta ao serviço nacional de saúde (NHS) – mas omitiu que a Europa subsidia o Reino Unido com tantos milhões de libras. Agora, há uma semana, já no final da campanha que o vai levar à liderança conservadora e à chefia do governo de Londres, acabou por ser apanhado em mais uma mentira: no que era suposto ser uma sessão de esclarecimento dos eleitores, apareceu em palco com um arenque na mão, encenação para denunciar as regras “inúteis, absurdas e nefastas” impostas pelos “burocratas europeus” aos pescadores da ilha de Man, com a imposição de uma embalagem com gelo a envolver o arenque. Problema: a ilha de Man não integra a União Europeia e aquela regra sobre a embalagem é imposição do governo britânico. A Comissão Europeia lastimou logo nesse dia a prática recorrente de fake news usada por quem, uma semana depois do caso, vai ser primeiro-ministro britânico.

Boris Johnson admira a figura de Winston Churchill, a quem dedicou um livro. Mas Trump é a inspiração de agora, numa história recheada de elogios recíprocos.

Será que Boris Johnson vai tornar-se um Trump do lado de cá do Atlântico? Têm em comum a febre nacionalista e a fúria contra “o monstro” da União Europeia. Mas não é de crer que Johnson apareça a mandar para a terra deles as deputadas que não são de pele branca. A intolerância de Trump não parece replicada em Johnson, mas o egocentrismo encontra terreno fértil para contágio.

Fica evidente que o eixo político Washington-Londres vai voltar a ser protagonista no cenário global como foi no tempo de Reagan e Thatcher. O caso das ameaças sobre a livre navegação no Estreito de Ormuz é um teste imediato ao grau de convergência entre o sistema de Trump e o (seguramente próximo) novo chefe do governo britânico. Johnson vai cultivar a pressão diplomática ou vai alinhar logo com os falcões militares?

Há um dado a ter em conta: Johnson vai ter oposição ativa de gente relevante no Partido Conservador. Sobretudo, na exigência de que a saída britânica da União Europeia passe por um acordo. Johnson corre o risco de ficar em minoria nas decisivas votações parlamentares, tal como aconteceu com Theresa May.

É provável que cresça a exigência de submissão de Johnson a eleições gerais. Ele chega a primeiro-ministro porque ganha a votação interna no Partido Conservador que foi o mais votado nas eleições gerais em 2017. Mas os 160 mil militantes que escolhem a liderança conservadora não são espelho da realidade social britânica: 97 % desses militantes que escolhem são 97 % desses militantes que escolhem são brancos, 70% são homens, metade com mais de 55 anos e 33% com mais de 66 anos.

Está para se ver se o Reino Unido quer mesmo ser governado por este predestinado Boris que passou a ser Johnson.

VALE OUVIR:

Os biógrafos de Boris Johnson discutem a personagem.

VALE VER:

Cresce o cenário de governo Pedro Sánchez em Espanha, com maioria de ministros do PSOE e alguns do Podemos. Mas todos os cenários, até o não acordo das esquerdas e o regresso a eleições, ainda estão em aberto.

A tragédia a que estão expostos os migrantes na terra sem Estado da Líbia. Estima-se que haja, pelo menos, umas 500 mil pessoas na orla mediterrânica à espera de ocasião para dar o salto rumo à Europa.

A Notre-Dame, três meses depois do incêndio.

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