expresso.ptexpresso.pt - 22 jul. 16:18

Américo salvou as cabras do fogo, Maria da Natividade as cebolas: “Resta-nos nada, querem acabar connosco”

Américo salvou as cabras do fogo, Maria da Natividade as cebolas: “Resta-nos nada, querem acabar connosco”

Apesar de a noite ter sido calma, as chamas voltam a atacar a aldeia de Roda, uma das mais afetadas - que está de novo a arder

Pequenos focos de fumo sobrassem na estrada ardida. Os 30 quilómetros de Proença-a-Nova a Mação, cobertos de cinza e terra queimada, são uma metáfora do sentimento de raiva e da tristeza das populações.

Céu Novais pára o carro, de impulso, para deitar água numas chamas que ainda persistem. “Tive de fazer qualquer coisa, tive medo que voltasse tudo a ser como ontem. É uma pena, as pessoas estavam a começar a gostar de vir para o interior”, conta a enfermeira, que mora em Lisboa mas tem casa de férias na zona.

Ontem, antes do “terror rebentar”, não deixou os filhos ir à praia fluvial de Cardigos, no concelho de Mação. “Eu vi tudo tão escuro... não nos atrevemos a sair de casa.”

O cenário repete-se quase todos os anos. Chega o verão e o fogo ataca. Este ano, diz quem habita estas pequenas aldeias, da Sertã e Mação, que chegou mais rápido.

“Sábado à noite pensei que tinha passado e não nos tinha afetado. Que já devia estar apagado”, conta Américo Manso Fernandes, pastor e habitante na aldeia de Roda. Afinal, as chamas em Vila de Rei, ali perto, não significavam que Américo e o rebanho estavam a salvo.

Ardeu o quintal, morreram duas vacas e quase ficou sem as 27 cabras, o único sustento. Há de arranjar “uns meios dias de trabalho” para conseguir comprar a palha para os animais.

TIAGO MIRANDA

A percepção de quem está com a casa a arder é a de que não há ninguém ali ao pé a ajudar. É como se o fogo cegasse. E vem ao de cima um sentimento de solidão, “de quem cá está sozinho o ano todo e depois é nos fogos que se lembram de nos vir filmar”.

E quando julgava que “já não havia mais nada para arder”, Américo foi de novo surpreendido com o fogo que voltou a arder.

“Ardeu tudo. Não há nada a fazer. O que é nós podemos fazer a não ser recomeçar todos os anos?!”

Salva-se o que se pode. Américo salvou as cabras. Maria da Natividade as cebolas. “Já não nos resta nada. Querem acabar connosco”, conta Natividade, habitante de Casas de Ribeiro.

Falta água em alguns sítios luz e nem todas as redes de telemóveis têm serviço. É o Portugal desconhecido da maioria, que está triste e cheio de raiva como a cinza que cobre a estrada.

NewsItem [
pubDate=2019-07-22 17:18:00.0
, url=https://expresso.pt/sociedade/2019-07-22-Americo-salvou-as-cabras-do-fogo-Maria-da-Natividade-as-cebolas-Resta-nos-nada-querem-acabar-connosco
, host=expresso.pt
, wordCount=386
, contentCount=1
, socialActionCount=0
, slug=2019_07_22_1728333638_americo-salvou-as-cabras-do-fogo-maria-da-natividade-as-cebolas-resta-nos-nada-querem-acabar-connosco
, topics=[sociedade]
, sections=[sociedade]
, score=0.000000]