observador.ptEdson Oliveira - 20 jul. 23:24

Um dos desafios da Medicina do Século XXI: a nova era Espacial

Um dos desafios da Medicina do Século XXI: a nova era Espacial

Agora será diferente pois, se não houver sobressaltos, nos próximos anos será possível cada um de nós pagar um bilhete e ver o nosso planeta como nunca antes o observou, a flutuar a 80km de altitude.

Comemora-se este ano um dos grandes feitos da Humanidade: a chegada do Homem à Lua a 20 de Julho de 1969. A realidade é que quando se iniciou a “corrida espacial” protagonizada pela URSS e pelos EUA, nada se sabia acerca das alterações fisiológicas que poderiam ocorrer no corpo humano num ambiente sem gravidade e os primeiros homens que foram lançados para fora do nosso planeta foram as cobaias, precedidas apenas pelas experiências com a cadela Laika e o macaco Albert que confirmaram apenas que um ser vivo sobreviveria a um voo orbital.

Desde esse período muita coisa mudou, nunca mais voltámos a visitar o nosso satélite e nos últimos 20 anos focámo-nos no desenvolvimento daquele que é talvez o laboratório cientifico mais complexo da atualidade, a Estação Espacial Internacional (mais conhecida por ISS),  que foi possível construir com o esforço concertado de múltiplas nações, sem rivalidades, para o bem da Humanidade.

E a Humanidade tem beneficiado deste ambicioso projeto pois os resultados das múltiplas experiências realizadas têm sido aplicadas na investigação de novos fármacos, vacinas, linhas celulares, tratamentos para múltiplas doenças desde o cancro às doenças neurodegenerativas ou autoimunes, assim como desenvolvimento de tecnologia ao nível da imagem, ecografia e proteção contra a radiação. Conseguimos descobrir e explorar novas funcionalidades do corpo humano, resultado da adaptação ao ambiente sem gravidade. Todos os sistemas sofrem algum tipo de alteração: cardiovascular, gastrointestinal, neuro-vestibular, osteo-muscular, renal, neuro-ocular. E deste modo conseguimos compreender melhor como cada sistema funciona na tentativa de se adaptar ao momento em que chegamos a órbita.

Até hoje não aconteceu nenhum evento fatal ou a necessidade de evacuação médica urgente na ISS, mas os astronautas são submetidos a um processo de seleção extremamente rigoroso que inclui capacidade física e mental para conseguir suportar este ambiente hostil. Claro que tudo isto se poderá alterar no futuro próximo devido a duas novas realidades: a extensão da exploração espacial a novos planetas (sendo Marte o objetivo principal) e o advento dos voos comerciais espaciais que serão reservados inicialmente a pessoas com maior disponibilidade financeira.

Com o primeiro desafio surge o problema decorrente de uma viagem pioneira mas longa (cerca de 3 anos). Será a tripulação selecionada capaz de manter estabilidade emocional? E do ponto de vista nutricional como mantemos a tripulação saudável? E se ocorre um evento médico adverso com necessidade de uma evacuação? E quando chegarem a Marte terão a capacidade física para cumprirem a missão?

Um das coisas que mantém os astronautas mentalmente equilibrados é o facto de olharem pela janela e conseguirem ver a sua casa, poderem telefonar quando quiserem para a família e se necessário falar com o médico responsável caso haja algum problema. Quando chega um veículo de transporte traz sempre alimentação fresca e pequenos “mimos” enviados pela família. Estão longe mas sentem-se perto. Nada disso acontecerá numa viagem a Marte. Não poderão voltar para trás e as comunicações terão sempre um atraso no sinal. Muitos protocolos médicos estão a ser desenvolvidos e têm ocorridos inúmeras simulações em ambientes inóspitos como no deserto de Omã ou no Utah. Mas nunca será igual! E mesmo havendo futuras missões à Lua estas não são equiparáveis pois são 3 dias de distância, havendo alguma capacidade de resposta a eventuais adversidades.

Os voos comerciais impõem um desafio médico diferente. Haverá critérios de seleção do ponto de vista de saúde física e mental mas o maior será o financeiro, pelo menos enquanto a oferta não aumentar. A realidade é que ninguém sabe em larga escala os efeitos de um experiência sem gravidade em pessoas com múltiplas doenças, muitas delas decorrentes apenas da idade. E qual é o limite? Até onde é que estas empresas estão dispostas a arriscar? E terão as pessoas noção real destes riscos? Este tipo de experiência não é o mesmo que andar de avião, pois tem riscos inerentes que excedem esse transporte que se tornou o mais seguro do nosso quotidiano.

Não tenho dúvida que o futuro da exploração espacial está dependente destas empresas privadas devido aos custos cada vez maiores e que provavelmente as tornarão responsáveis pelo lançamento de  astronautas das agências espaciais governamentais e pela construção de futuras estações espaciais. Mas uma coisa é a entrada destas empresas no negócios com as agências espaciais governamentais para diminuir custos logísticos e de transporte, outra é a abertura do mercado ao comum dos mortais que tem o sonho e a capacidade financeira para o realizar. Tem de haver regulação e monitorização por agências governamentais para mitigar os riscos médicos (que nunca serão nulos), à semelhança da aviação civil.

Vivemos uma nova época da conquista espacial a uma velocidade apenas equiparável ao que se passou nos anos 60. Mas agora é diferente pois, se não houver sobressaltos, acredito que nos próximos anos será possível cada um de nós pagar um bilhete e ver o nosso planeta como nunca antes o observou, a flutuar a 80km de altitude.

Membro do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

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