expresso.ptexpresso.pt - 19 jul. 21:53

Uma decisão chocante da Justiça ou respeitadora do espírito da lei? O caso das presidiárias nuas nos EUA

Uma decisão chocante da Justiça ou respeitadora do espírito da lei? O caso das presidiárias nuas nos EUA

É legal pedir a presidiárias que se dispam, ordenar-lhes que se curvem para que lhes revistem o ânus e a vagina? Aquilo que afinal não era uma simples revista, mas um exercício de treino, foi feito perante os olhos de dezenas de mulheres e guardas prisionais. É legal? A Justiça norte-americana diz que sim (mas também diz que não)

“Pediram-lhes que ficassem nuas.” Ordenaram que se despissem, que se virassem contra a parede. “Ombro a ombro, com oito a dez outras presas.” Ali, numa sala onde podiam ser vistas por outras pessoas que não participavam nas buscas - até por polícias do sexo masculino. “As presidiárias menstruadas eram forçadas a tirar os tampões e os pensos higiénicos”, à frente de todos. “Muitas ficavam com sangue pelo corpo, sangravam as roupas e o chão.” E só depois começavam as buscas. “Tiveram de estar descalças sobre um chão sujo de sangue menstrual, enquanto levantavam as mamas, desviavam os cabelos, viravam-se e curvavam-se.” Abriam as pernas. “Afastaram as nádegas e os lábios vaginais.”

Este é o resumo feito por um tribunal do estado norte-americano do Illinois de um episódio ocorrido no Logan Correctional Center, uma prisão exclusivamente feminina, acontecido em 2011 e que a polícia justifica com uma revista visual às presidiárias. O caso foi levado à Justiça pela alegada violação de privacidade das mulheres que foram revistadas e agora, oito anos depois de o caso ter começado a ser julgado, o mesmo tribunal decidiu que foi tudo legal. O juiz negou o recurso da decisão que havia sido interposto pela defesa, revela o jornal “The Washington Post”.

A questão que inicialmente levou à discussão sobre se o acontecimento era ou não legal prende-se com a intenção com que foi feito. Embora tenha sido justificado com a necessidade de revistar as presas, mais tarde foi descoberto que não passava de um exercício para os guardas prisionais que estavam a começar a profissão.

O tribunal, além de relembrar que esta não era uma prática pioneira e que no passado já acontecera dentro do sistema prisional, argumentou que não se tratava de algo ilegal porque as mulheres não foram tocadas enquanto eram revistadas. Portanto, não houve violação do direito à privacidade.

A decisão não é consensual. Um dos juízes envolvido no processo e que discordou do resultado, ressalvou que um caso destes deveria servir para o sistema repensar a forma como estas revistas são conduzidas, sobretudo quando em causa nem está a segurança. “Será que um ‘treino’ precisa de ser tratado com o mesmo nível de segurança como se fosse uma busca na sequência de suspeitas de contrabando de armas?”, questionou o juíz John Z. Lee.

No mesmo dia em que o tribunal do Illinois considerava estes acontecimentos legais, a pouco mais de três mil quilómetros de distância, em Los Angeles, um outro tribunal sentenciava que uma rusga com contornos semelhantes - também com nudez e verificação os órgãos genitais das presidiárias - violava direitos constitucionais. Foram levadas para uma garagem fria e ordenaram-lhes que tirassem a roupa, alinharam-se e foram revistadas. Mas, neste caso, o juiz considerou “abrir os lábios vaginais” como “um dos procedimentos mais invasivos de sempre”. Centenas de mulheres que passaram por esta situação são agora elegíveis a receber parte dos 53 milhões de dólares que o tribunal definiu como o valor de indemnização, refere o “Los Angeles Times”.

Uns fizeram comentários, outros riram-se

2011, março. Pela manhã, uma unidade especial armada com bastões e protegida com escudos entrou de rompante em duas alas do Logan Correctional Center. Aproximadamente 200 mulheres foram algemadas e guiadas em marcha até ao ginásio. Foram divididas por pequenos grupos e levadas para diferentes salas.

Enquanto a suposta revista era feita, as portas de todos os compartimentos estavam abertas. Quem passasse no corredor podia ver. E viram. De acordo com a acusação, muitos pararam para ficar ao longe a ver deliberadamente o que estava a ser feito: uns fizeram comentários, outros riram-se. “Comentários degradantes e gestos relacionados com os corpos das mulheres e os odores”, apontava a acusação. Diziam-lhes que “cheiravam a morte”.

Quando terminou a revista e chegou a hora da refeição, não conseguiam comer. “Não era capaz depois de algo tão assustador, intimidante, humilhante e degradante”, explicou Beverly Throgmorton, uma das presidiárias no Logan Correctional Center.

E ao longo de todas essas horas, nenhuma delas soube porque estava a ser revistada, porque as mandaram despir-se, porque as obrigaram a tirar os tampões e pensos higiénicos, porque tiveram de ficar ali - algumas a sangrar - e abrir as pernas, mostrar o ânus e a vagina.

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